por Marcelo Costa
No novo cenário da música independente brasileira não é tão comum encontrar artistas apaixonados pela estrada, daqueles que, se puderem, tocam todo o fim de semana com um enorme sorriso no rosto. Todas as dificuldades e perrengues de um cenário que ainda carece de profissionalismo (embora tenha evoluído muito nos últimos 20 anos) desencorajam alguns, mas nomes como Nevilton, Camarones Orquestra Guitarrística, Autoramas e The Baggios seguem levando a boa música autoral para todos os cantos desse imenso Brasil.
No caso do The Baggios, banda surgida em 2004 em São Cristóvão, na região metropolitana de Aracaju, já são 10 anos colecionando “histórias típicas de bandas de rock: shows para 5 bêbados, cocôs com contratantes cafajestes, dormidas em rodoviárias, turnês tensas”. Mas também muitos elogios da crítica especializada acerca de seus shows empolgantes e de dois ótimos álbuns: “The Baggios” (2011) e “Sina” (2013). Agora o duo chega ao seu primeiro DVD, “10 Anos Depois”, registro do show comemorativo em Aracaju.
Formada por Julio Andrade (vocal e guitarra) e Gabriel Carvalho (que assumiu a bateria em 2008 e não largou mais o banquinho), o The Baggios vem deixando um rastro de boas performances por onde passa. Em 2014 fizeram uma apresentação impecável no Prata da Casa, do Sesc Pompeia, que os credenciou para a Mostra Prata da Casa, em 2015. Antes já tinham passado pela Virada Cultural de São Paulo, pelo Porão do Rock (Brasília), pelo Porto Musical (Recife) e dezenas de outros lugares, sempre aplicando um blues rock poderoso.
Na conversa abaixo, Julio rememora histórias de estrada, conta sobre o DVD que o duo está lançando (disponível para venda no site oficial – http://thebaggios.com.br – ao lado do áudio do show, disponibilizado gratuitamente) e avalia que o cenário independente melhorou muito nos últimos 10 anos em que a banda esteve tocando: “Com certeza o nível de produção de shows e discos ultimamente não se compara ao de 10 anos atrás”. Ele ainda fala da jam que fez com Pitty e recomenda uma série de artistas de Sergipe, um estado que merece a sua atenção. Papo bom.
Como é ter uma banda e completar 10 anos de estrada? Muitas histórias?
Confesso que nunca imaginei chegar tão longe com uma banda de rock. Desde meus 14 anos que alimento esse sonho de tocar, compor e viver disso, mas na época não tinha muita noção do tamanho do problema (hahahaha). Vinha tocando com bandas que deram erradas desde 2001, até que eu e um amigo de infância (Lucas Araújo, que hoje mora na Suíça) resolvemos montar os Baggios, e foi um duo por não ter opção de um terceiro membro, nossos amigos não estavam animados com essa onda de tocar em banda. Quando ele foi morar fora em 2005 passei alguns meses pensando seriamente em desistir da banda, até mesmo de parar de tocar, estava bem indignado, já era a terceira que estava dando errado em quatro anos e não tinha conseguido lançar nem um EP oficialmente. A sorte é que Elvis Boamorte se prontificou em aprender a tocar bateria em uma semana para se apresentar com a banda num festival no final de 2005, ai voltei a me empolgar e ele se manteve na banda, e dai a banda foi pegando um embalo maior no período entre 2006 e 2008. Mesmo com 10 anos, só conseguimos realmente ter uma visibilidade legal a nível nacional a partir de 2011, quando lançamos nosso primeiro álbum. Já tínhamos lançado dois EPs anteriormente, mas só tínhamos público em Sergipe e em alguns estados do Nordeste. Temos várias histórias típicas de bandas de rock: shows para 5 bêbados, cocôs com contratantes cafajestes, dormidas em rodoviárias, turnês tensas, mas digo que valeu a pena passar por cada aperreio, foi a prova de fogo que amo mesmo essa parada, e que é isso que quero fazer pro resto da vida.
Como surgiu a ideia do DVD pra comemorar a data? O que ele traz?
Sempre passava por minha cabeça: “Se chegarmos a 10 anos temos que fazer algo para festejar esse marco”. É tempo simbólico para uma banda de rock em Sergipe e no Brasil. Inicialmente faríamos uma festa para 200 pessoas com um pequeno documentário como registro, mas daí as ideias foram crescendo, Lucas estava vindo da Suíça para participar do show, começamos a pensar em outras participações, cenário, iluminação, e de repente estávamos com o show marcado no Teatro Atheneu, e com uma equipe audiovisual de amigos na pilha de registrar o show completo. O DVD traz a nossa apresentação mais emocionante, a mais produzida e uma das melhores que já fizemos na vida, senão a melhor. Estávamos bem apreensivos pela data cair num “sábado de Aleluia”, muita gente viaja na Semana Santa. Nosso psicológico já estava preparado para um teatro vazio, mas faltando meia hora para o show soube que o teatro estava cheio e um bocado de gente do lado de fora querendo entrar. A partir dai mermão, haja coração. A energia era brutal, a turma cantavam todas as músicas, passei boa parte do show me arrepiando, até hoje não sei como consegui completar o show sem errar uma letra (hahahahaha). Além do show, o DVD traz um documentário sobre a banda, com depoimentos, fotos, clipes e trechos de shows. São 30 minutos mostrando a formação em 2004, a história de Baggio, o antigo andarilho que deu nome a banda, alguns aperreios, mas também as alegrias que a música nos trouxe.
O The Baggios vem chamando bastante a atenção nos últimos dois anos, com discos e shows elogiados. A fase está boa mesmo para vocês?
Vivo agradecendo por isso. Realmente estamos numa fase muito boa, tocando em lugares e festivais consagrados que sempre almejamos, e até em alguns lugares que nem imaginávamos que conseguiríamos. Quando lançamos um disco nunca sabemos o que podemos colher dele, por mais que estejamos empolgados com o resultado, não dá pra saber se vai agradar, e ter um produto que fizemos com tanta vontade e na raça em listas de melhores do ano, com resenhas bem positivas, ficamos realmente felizes e mais instigados ainda para produzir mais e mais. Isso ajudou com que o show do DVD desse certo também, pois estávamos nessa empolgação da boa aceitação do disco “Sina” (2013), em evidencia no estado, naquele embalo de turnês atrás de turnês, mais afiados e bem direcionados com que queríamos.
Como foi acompanhar “in loco” a cena independente brasileira nesses 10 anos? As coisas melhoraram de 2005 para 2015?
Muito! Acho que de acordo com que fui me envolvendo com a internet, fui descobrindo bastante bandas produzindo discos e clipes legais, mas nos últimos 5 anos notei que as produções foram ficando ainda mais fuderosas. Um maior número de bandas independentes de alto nível foram ganhando destaque nacional, e isso instiga as outras a produzirem algo com mais cautela. Sinto que as bandas estão mais preocupadas em apresentar algo relevante, em deixar sua marquinha na nova música brasileira, e isso faz com que surjam discos originais e fantásticos. Com certeza o nível de produção de shows e discos ultimamente não se compara ao de 10 anos atrás.
Sergipe vem se destacando com bandas bem legais em ascensão. Quem você recomenda da cena local?
Aqui tem uma cena bem heterogênea, tem ótimas bandas de rock, blues, reggae, música instrumental e afins. Indico a Plástico Lunar (a minha predileta no Brasil), Alunte, Máquina Blues, Seu Montanha, Skabong, Renegades Of Punk, Coutto Orchestra, Café Pequeno, Ferraro Trio, Reação, Ato Libertário, Arthur Matos, Alex Sant’anna, Naurêa, Elvis Boamorte, as lendárias Snooze e Karne Krua, as cantoras Sandy Alê e Patricia Polayne, e por ai vai… ouço todas essas bandas e artistas.
E como surgiu esse lance com a Pitty? Como foi a experiência?
Eu estava em Minas Gerais em turnê quando me enviaram um link com uma playlist com 10 bandas que Pitty mais curte atualmente, e fiquei surpreso em ver nosso nome lá. Ela passou a citar a banda em várias outras entrevistas, o que me deixou lisonjeado. No ano passado, quando estava tocando no Porão do Rock, em Brasília, no momento em que fui em direção ao Gabriel para encerrar uma música, a vi do lado do palco curtindo, e fiquei de cara. Pensei na hora: “Ela curte mesmo!”. Quando tocamos no Sesc Pompeia, alguns dias depois, o Martin (guitarrista da banda dela) nos assistiu e foi até o camarim falar conosco, dizer que curtiu bastante e tudo mais, e mantive contato com ele. Quando fomos convidados para abrir o show deles aqui em Sergipe, mandei mensagem para ele: “E ai, vamos fazer uma jam!”. Tanto Martin como Pitty se animaram, e rolou bonito, mesmo só tendo passado a música durante a passagem de som mais cedo. Foram muito gente boa, generosos e eu curti muito ter participado. É uma experiência foda tocar um clássico de uma banda com os fãs enlouquecidos. Energia massa!
E agora: trabalhar a divulgação do DVD e tocar mais e mais? Previsão de disco novo?
A divulgação do DVD começou no dia 13 de Maio em Aracaju e no dia 31 tocaremos na Virada Cultural de Campinas, abrindo pro Titãs, banda a qual admiro. Temos algumas datas previstas entre Julho e Agosto pelo Nordeste e Sudeste, mas nada concreto ainda. Esse ano faremos turnês menos extensas, queremos um espaço para começar a pré do novo disco, não aguento mais compor (hahahaha), estou entupido de músicas novas, e muito empolgado com as novas possibilidades. Hoje mesmo iremos começar a ensaiar algumas delas. Virão várias novidades em 2016, deixa rolar…
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Leia também:
– Prata da Casa #15: The Baggios – Fotos e vídeos do show no Sesc Pompeia (aqui)
– The Baggios: “Se você ouvir nossas musicas irá notar Alceu Valença, Raul…” (aqui)
– The Baggios faz o melhor show do Goiânia Noise 2013 (aqui)
– “Sina”, do The Baggios: autêntico rock n’ roll brasileiro (aqui)
– The Baggios: “um artista que quer viver de música no Brasil é um sonhador” (aqui)
Ratifico as indicações do Júlio Andrade: Ferraro Trio (versões instrumentais jazzísticas de grandes sucessos), Snooze (para que gosta de Pavement, Jesus and Mary Chain, Teenage Fan Club, rock alternativo), Naurêa (excelente banda!) e Alex Sant’anna!