por Marcelo Costa
“Foxcatcher”, de Bennett Miller (2014)
Com cinco indicações ao Oscar, “Foxcatcher – Uma História Que Chocou o Mundo”, é o grande engodo na premiação da Academia deste ano, cargo ocupado com brilhantismo por “Trapaça” em 2014 (devido as últimas presepadas, Clint Eastwood já pode ser considerado hors-concours em filmes ruins que o marketing de Hollywood tenta provar ser bom). Com subtítulo brasileiro em forma de spoiler, “Foxcatcher” mostra o ponto de vista do lutador Mark Schultz sobre uma tragédia acontecida em 1996, recriada com dezenas de buracos por Bennett Miller (diretor de “Capote”, 2005; e “O Homem Que Mudou o Jogo”, 2011), sendo a mais grave a marcação temporal, inexistente. Mark Schultz e seu irmão David já eram medalhistas olímpicos e mundiais quando começaram a trabalhar com o milionário John Eleuthère du Pont, um entusiasta da luta Greco-Romana que criou uma academia em sua fazenda para preparar atletas para as Olimpíadas. Na visão proposta por Mark, John du Pont era um homem constantemente perturbado (e Steve Carell capricha tanto na caricatura que a história ganha contornos de tragédia anunciada, mas vale o teste: compare o du Pont do ator com o verdadeiro em vídeos no Youtube), mimado, procurando aprovação materna (aos 60 anos), manipulador e com tendência homoerótica enquanto Mark é o velho clichê de atleta: muita massa muscular, pouca massa encefálica. O filme se arrasta afundado em clichês e ainda que os segundos de “clímax” choquem pela tragicidade, não salva uma trama com mais buracos que queijo suíço.
Nota: 3
“Still Alice”, de Wash Westmoreland e Richard Glatzer (2014)
Baseado no romance homônimo da escritora e neurocientista Lisa Genova lançado em 2007, “Para Sempre Alice” tem atuação de Julianne Moore seu maior trunfo (ela é favorita ao Oscar de Melhor Atriz, e merece o prêmio). Em geral, filmes que acompanham o desenvolvimento de doenças exercem grande poder sobre o público, ainda que sigam uma receita simplista baseada em informação (sobre a doença) e temor. “Para Sempre Alice” não foge desse grupo de filmes básicos, mas pula à frente de outros sobre o Mal de Alzheimer, doença em que a pessoa perde a memória, como o melado ”Diário de uma Paixão” (de Nick Cassavetes, 2004) e o bom “Longe Dela” (de Sarah Polley, 2006), por não distrair o espectador com romances: o foco é o desenvolvimento da doença numa renomada professora de linguística, a Dra. Alice Howland (Julianne Moore), sem fuga para distrações (embora Kristen Stewart, tão eficaz em atuação quanto uma porta, “alivie” a tensão). Trabalhando com extremos (uma professora que construiu sua vida com palavras e começa a esquecê-las), “Para Sempre Alice” soa eficiente, mas pouco corajoso, porque não discute questões como eutanásia (o tema é sugerido de forma maquiada numa única cena), muito pouco para 101 minutos de projeção. Dois minutos de Nick Cave explanando sobre perda de memória em “20 Mil Dias Sobre a Terra” são mais eficientes e “Iris” (de Richard Eyre, 2001) soa mais profundo (até pelo personagem do marido não ser tão coadjuvante nele como é aqui). Mas vale ver (e torcer) por Julianne Moore.
Nota: 6
“The Theory of Everything”, de James Marsh (2014)
“Grande filme britânico” da temporada, “A Teoria de Tudo” se baseia na versão de 2008 do livro “My Life With Stephen”, escrito por Jane Wilde, primeira esposa do teórico Stephen Hawking, quatro anos após o divórcio do casal (em 1999), e reescrito com várias mudanças após Hawking se separar de sua segunda mulher, Elaine Mason, em 2006. Como pode se imaginar por essa introdução (e pela indicação correta de Felicity Jones ao Oscar de Melhor Atriz por seu papel como Jane), “A Teoria de Tudo” não é um filme chapa branca apenas sobre Stephen Hawking e sua obra, mas sim sobre ele e sua obra ao lado de Jane. A história começa em 1963 quando um jovem Stephen (21 anos) se interessa por uma garota (Jane) numa festa, e começa um romance pouco antes de descobrir que tinha esclerose lateral amiotrófica, doença caracterizada pela degeneração das células do sistema nervoso central que controlam os movimentos voluntários dos músculos. O roteiro, esquemático, se concentra a partir dai em acompanhar as realizações do teórico em contraponto com suas relações com a esposa (e os três filhos) conforme a doença o deteriora fisicamente sem prejudica-lo mentalmente (o médico previu na época dois anos de vida e Hawking segue teorizando 40 anos depois da consulta) enquanto o diretor James Marsh optou por uma direção limpa, sem exageros, escolhas que resultam num filme óbvio que, no entanto, ganha pontos nas ótimas atuações de Felicity Jones e Eddie Redmayne (ótimo como Stephen) como também pela história magnifica de Hawking.
Nota: 7
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Oscar 2015
– Da Polônia, “Ida” é uma trágica história de auto-descoberta belamente filmada (aqui)
– Da Rússia, “Leviatã” lança luz sobre a falência das instituições (aqui)
– Da Estônia, “Tangerines” é uma delicada fábula educativa sobre guerra (aqui)
– Representante argentino no Oscar, “Relatos Selvagens” era uma obra em mutação (aqui)
– “Dois Dias, Uma Noite”, dos Irmãos Dardenne, supera vários filmes do Oscar (aqui)
– Tudo é intencionalmente exagerado em “Birdman”. E funciona brilhantemente (aqui)
-“Boyhood – Da Infância à Juventude” soa tanto um elogio à família quanto ao destino (aqui)
– “O Jogo da Imitação”: Alan Turing merece mais que uma homenagem torta (aqui)
– “Whiplash” é um tratado sociológico moderno (embalado numa bela trilha sonora) (aqui)
– “O Abutre” é o retrato de uma sociedade viciada na espetacularização da tragédia (aqui)
– As atuações de Reese Witherspoon e Laura Dern fazem valer a pena “Livre” (aqui)
Leia também:
– “Capote”: Um olhar imperfeito, mas extremamente interessante sobre Truman Capote (aqui)
– “O Homem Que Mudou o Jogo” não é um mero filme sobre beisebol. É muito mais (aqui)
– “Diário de Uma Paixão” constrange em algumas tomadas, mas é bonito, bem bonito (aqui)
– “Nick Cave – 20 Mil Dias Sobre a Terra”: um dos melhores filmes musicais recentes (aqui)
Engodo é a Teoria de Tudo, isso sim. Foxcatcher, apesar de caricato, não passa a mão na cabeça de ninguém, nem tenta ser “bonitinho” como a cinebiografia do Hawking.
Bom, não vi Para Sempre Alice. Mas os outros dois vi e concordo plenamente com vc.
Foxcatcher um filme esquemático demais, feito pra ser combatente no Oscar, não se salva dos erros de roteiro. A história não tem continuidade direito, quer tratar de coisas distintas e se perde (esporte, loucura, riqueza, política). parece um apanhado de clichês pra montar um climax que não salva.
Por coincidência assisti Teoria de Tudo agora à tarde. Os dois atores principais por uma química inacreditável salvam o filme do que poderia ter sido o mais modorrento da temporada. Eles realmente formaram algo carismático e bastante natural para o trabalho duro que seria o filme. É certo que o filme não tem sobressaltos e seguiu uma linha bastante segura na condução. Não acho que é um filme pra disputar um “melhor” da temporada, mas estes dois merecem ser aplaudidos.
Concordo com o M.Gomes! Ao lado de American Sniper, A Teoria de Tudo é o filme mais sem vergonha desse Oscar, que nem a fantástica atuação do Redmayne consegue carregar nas costas (ela é, inclusive, tristemente desperdiçada neste filmeco). Tudo devido a um roteiro descalibrado, preguiçoso, clichê e desinspirado do início ao fim, que por não querer ser a história do trabalho intelectual de Hawking apenas, adiciona uma mal desenvolvida história de amor, mas o resultado é um torturante relato de sua superação e sua condição médica, cheio das cenas previsíveis e apelativas, sejam as físicas ou os discursos inspiradores e as vergonhosas frases de efeito, em que tudo claramente só está ali para chamar atenção da academia e garantir um Oscar de Melhor Ator. A indicação de Felicity Jones é incompreensível tanto pela atuação sem sal quanto pelo pré-histórico trato rebaixador dado em Jane pelos roteiristas. Um filme que seria levemente decente 20 anos atrás, mas hoje é só um porre.
Boas resenhas, Marcelo! Parabéns pelo site, sempre.
Acho que as três críticas batem bem com o que eu achei dos três. Sobre Foxcatcher ao menos as 2 atuações salvam bem, Ruffalo ta ótimo e o Channing demais, até o Steve Carell se salva, mas odeio filmes que contam uma década como se fossem um mês. Roteiro pulou as olimpíadas de 92, a saída do time pela Mark e tudo mais. Sobre o filme da Moore, vale por ela, o filme é arrastado demais, ela apesar de exuberante, não mantém o mesmo nível o filme inteiro, colocaria ela no status do Tom Hanks quando do Filadélfia que foi bem, mas ganhou pela cena interpretando Maria Callas, aqui a cena emocionante é a do discurso dela, que vale ao filme. Ao mesmo tempo, o filme merecia ser indicado ao framboesa de ouro, pela atuação horripilante da Kristen Stewart. Por fim, a Teoria de Tudo resolveu romancear a vida do cientista, acredito que foi bem. Eu prefiro filmes de recortes, contar uma fase da vida do biografado, como no Somos Tão Jovens do que tentar fazer uma cinebiografia completa, por isso o roteiro sem muita firula funciona bem, mas não é o filme definitivo sobre ele, certeza.
Fazia algum tempo que eu não assistia a um filme tão ruim quanto “Foxcatcher”. Chega a assustar.