por Adriano Costa
Durante a Segunda Guerra Mundial, para manter o sigilo de suas ações, os alemães utilizavam uma máquina chamada Enigma, que criptografava suas mensagens, muitas delas prenunciando ataques e repassando informações táticas entre os altos escalões. Apesar de complexo, o código não era indecifrável e, após muitos estudos e provações das mais distintas categorias, uma equipe britânica liderada pelo matemático Alan Turing conseguiu a proeza de desvenda-lo, fato que, somado a estratégia britânica, diminuiu a guerra em ao menos dois anos poupando a vida de 14 milhões de pessoas.
“O Jogo da Imitação” (“The Imitation Game”, 2014) narra essa história, além de (fracassar na tentativa de) se aprofundar na vida do personagem principal elucidando fatos tanto do seu passado quanto do futuro. Recebeu oito indicações para o Oscar 2015, com destaque para as categorias pesadas como Melhor Filme, Direção, Ator (Benedict Cumberbach) e Roteiro Adaptado (baseado em livro de Andrew Hodges). Com tantas indicações era de se esperar que o filme, dirigido pelo norueguês Morten Tyldum (de “Headhunters”, 2011), seja daqueles que beiram a perfeição. Infelizmente não é bem assim.
O roteiro (assinado pelo inexperiente Graham Moore) é até eficiente e questões técnicas como edição (nas mãos do veterano William Goldenberg, de “Argo” e “A Hora Mais Escura”) e direção de arte (com Nick Dent, de “A Dama de Ferro”) convencem. Contudo, o formato escolhido pela direção para expor a trama é óbvio, redondinho, feito sob medida para agradar espectadores menos críticos. Isso, somado ao recorte equivocado da trama e a decepção da maioria das atuações principais dificulta ainda mais a justificativa para tanto alarde. No fim das contas, “O Jogo da Imitação” é um filme razoável sobre uma história espetacular.
Alan Turing é interpretado pelo excelente Benedict Cumberbach, destaque da ótima série “Sherlock” e atual queridinho da crítica. Em “O Jogo da Imitação”, no entanto, ele está em grande parte apenas repetindo o papel do gênio brilhante e irascível com boas quantidades de arrogância e falta de traquejo social que faz em “Sherlock”. Indicada na categoria de melhor atriz coadjuvante (sem grandes méritos), Keira Knightley, que interpreta Joan Clarke, amiga de Turing, também apenas repete papéis anteriores em meio a sorrisos, assim como Charles Dance, no papel do comandante da Marinha, duplica expressões e gestos de seu Lorde Tywin, de “Game Of Thrones”.
O elenco tem outros desempenhos melhores, como o de Matthew Goode como Hugh Alexander, um dos envolvidos no projeto de decodificação, e Mark Strong como Stewart Menzies, o chefe do MI6, o serviço de espionagem britânico, mas isso sequer ameniza a atuação robótica e repetitiva dos demais e a história espetacular acaba também perdendo por conta disso. Alan Turing, considerado hoje como um dos pais da computação moderna e um dos primeiros a esboçar o conceito de inteligência artificial, tinha 27 anos quando entrou na guerra e, mesmo sendo fundamental para a vitória dos aliados, recebeu um tratamento vergonhoso por parte do seu governo.
Após a vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial em 1945, a equipe que desvendou o código do Enigma foi desmontada e o projeto arquivado, com todo trabalho de pesquisa realizado sendo incinerado. Todos seguiram para suas vidas normais levando consigo o segredo de terem influenciado decididamente no final da guerra, mas nada podiam falar sobre o assunto (a história permaneceu em segredo por mais de 50 anos). Após a guerra, Alan trabalhou no Laboratório Nacional de Física do Reino Unido, onde criou um dos primeiros projetos para um computador com um programa armazenado, o ACE.
Sete anos após ser decisivo no fim da guerra, Alan Turing foi processado por atentado ao pudor, já que ser homossexual no Reino Unido era crime na época (tal lei absurda só deixou de existir em 1967). Com alternativa a prisão, Turing aceitou um tratamento com hormônios femininos e castração química, drogas que (o filme sugere) alteraram decididamente seu comportamento. Ele morreria aos 41 anos (pouco mais de um ano após começar o tratamento) devido a envenenamento por cianeto, o que muitos consideram suicídio num caso que até hoje permanece mal explicado.
Ainda que valorize de forma tímida Alan Turing, “O Jogo da Imitação” opta por ser palatável ao não aprofundar a questão de “brincar de Deus” na guerra tanto quanto peca em não discutir sua morte prematura e a polêmica seção 11 da Emenda Labouchere (1885), que o condenou (como também ao escritor e poeta Oscar Wilde) focando tempo excessivo no desvendamento do código do Enigma e pouco no erro cruel do Estado. Em 2014, 60 anos após sua morte, Alan Turing recebeu um pedido público de desculpas do governo britânico assim como um perdão oficial da Rainha Elizabeth II. Para uma produção que visava homenagear o matemático, “O Jogo da Imitação” abaixa a cabeça vergonhosamente no final. Alan Turing merece mais.
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop
Achei fantástica tua crítica. Porém, eu acho que sim, fizeram um filme pra ser rentável, mas para aqueles que são mais sensíveis fica o questionamento gerado no filme e promove a reflexão sobre a lei de homossexualismo e o brincar com Deus, acho que um filme de duas horas nada pra explicar tudinho tim tim por tim tim, ficou um tanto a desejar, achei que mais a interpretação do maravilhoso Benedict do que nas outras coisas, porque o ator tinha o poder de ter passado algo a mais no filme.
Achei o filme interessante… Não vejo a questão da lei e da “culpa” do Estado na morte de Alan um assunto para o filme… Seriam 2 ou 3 tramas a mais em algo que não foi o objetivo principal.
O Jogo da Imitação é uma face diferente, mas que já foi vista em Em Uma Mente Brilhante… A trama é para agradar em 2h e não para explicar como um computador trabalha “binariamente”… Precisaria de 15h de filme para tentar explicar tal fato. A atuação de Benedict é realmente primorosa e encaixa perfeitamente nesse objetivo (de ser direto no papel de gênio solitário e incompreendido). Não merecia Melhor Filme, mas com certeza agrada.