Boteco: da Holanda, Brouwerij ’t IJ

por Marcelo Costa

Uma das cervejarias mais charmosas do mundo foi fundada por um músico, Kaspar Peterson, em 1985 numa antiga casa de banhos em Amsterdam, ao lado de um antigo moinho de farinha, De Gooyer, datado de 1814. Apesar de muita gente tratar a Brouwerij ’t IJ e o Moinho De Gooyer como uma coisa só, a área da cervejaria no local compreende apenas o antigo edifício da casa de banhos, com vista com o canal Nieuwevaart (a fábrica da cervejaria fica a cerca de 10 minutos de caminhada do pub, na Zeeburgerpad 55), e o fato do logo da casa – um ovo de avestruz com o moinho ao fundo – exibir o Gooyer ajuda na confusão. O que, de maneira alguma, tira charme de um dos locais mais agradáveis para se beber uma boa cerveja na cidade dos coffeeshops e da Heineken. Com cerca de 10 ótimas cervejas no cardápio tiradas na hora na torneira (e um kit com seis garrafas de 330 ml vendido por 15 euros no pub!), tira-gostos simples (peça o queijo brie), mesas na calçada e clima delicioso, a Brouwerij ’t IJ é um ponto cervejeiro obrigatório na capital holandesa. Abaixo, seis cervejas que vieram na mala.

Abrindo o passeio com a ‘T IJ Flink, uma Blond Ale filtrada e levíssima lançada em dezembro de 2013. Segundo o site oficial, a “Flink mostra que uma cerveja não precisa de muito álcool para ser especial”. Neste caso são 4.7% de graduação num conjunto que exibe coloração entre o dourado e o amarelo palha (com turbidez a frio) e creme branco de boa formação e média permanência. O aroma traz um caminhão de notas frutadas cítricas (limão e lima à frente) herbais (ervas e grama) num perfil derivado tanto de lúpulo quanto de levedura. O malte aparece numa suave sugestão de cereais. Na boca, rápida doçura é atropelada por um conjunto cítrico (mais lima que limão) e azedinho que, na sequencia, se compõe por notas herbais (grama e ervas), sugestão terrosa, cítrico, caramelo bem suave e azedume assertivo. O final é suavemente azedo, caramelado e cítrico, com amargor crescente. No retrogosto, um fio eterno de azedume e amargor. Paixão.

Saindo do mais recente lançamento da cervejaria do moinho para uma das mais antigas, a ‘T IJ Natte, uma Dubbel (orgânica) tradicionalíssima. De coloração âmbar caramelada e creme suavemente bege de boa formação e média alta permanência, a ‘T IJ Natte apresenta um aroma que valoriza as notas derivadas do malte (típico do estilo), então há bastante sugestão de caramelo (em primeiro plano) e uma tímida percepção de notas frutadas (no caso, figo). Há, ainda, bastante açúcar mascavo e leve sugestão terrosa tanto quanto de condimentação (pimenta do reino), que podem ser derivadas tanto da levedura quanto dos 6.5% de álcool. Na boca, a doçura de caramelo domina o conjunto e o amargor surge mais do álcool do que do lúpulo. Há pouca profundidade no quesito frutas escuras, algo bastante disseminado pelo estilo, mas a ‘T IJ Natte compensa com um drinkability altíssimo, pois desce suave, deliciosa. O final é maltado e terroso. No retrogosto, caramelo suave e condimentação. Delícia.

A ‘T IJ Wit, como o nome adianta, é a Witbier dos holandeses, que, como prega a receita tradicional de Pierre Celis, o criador da Hoegaarden, a benchmarking do estilo, recebe adição de casca de limão e semente de coentro. De coloração amarelo palha e creme branco de bela formação e media alta permanência (com direito a rendas belgas nas laterais da taça), a ‘T IJ Wit apresenta um aroma que valoriza o perfil cítrico (bastante limão) com acréscimo de condimentação (semente de cravo), notas frutadas (banana) e herbais (ervas), que no encontro com a levedura, cria um conjunto azedinho e picante apaixonante. Se o perfil aromático surpreende, o paladar é ainda melhor: a doçura do trigo (que remete a banana) se junta ao cítrico (limão adocicado) e ao condimentado (cravo e pimenta do reino) criando um conjunto harmônico e delicioso, que não deixa transparecer os 6.5% de álcool. O final é magnifico, com coentro, limão e trigo. No retrogosto, levedura (e acidez), limão e amor. Estou apaixonado.

A ‘T IJ IPA está mais para uma English IPA do que para uma American IPA (e eu gosto disso). De coloração âmbar alaranjada com turbidez pronunciada e creme branco de boa formação e permanência, a India Pale Ale destes holandeses apresenta um agradável aroma floral e cítrico (maracujá, laranja e maçã verde) que se sobrepõe ao caramelo do malte, que faz a base de forma perceptível acrescentando um suave toque resinoso, sútil e agradável. É um perfil aromático cativante, que chama a atenção não por sua agressividade, mas por suas sutilezas. Essa característica se estende ao paladar, que começa cítrico e floral, com leve acento de amargor, que não é exagerado, mas marcante. Há bastante sugestão frutada (maracujá e laranja principalmente) e um leve traço de amargor (não cumulativo) que segue presente até o final, cítrico e levemente resinoso. No retrogosto, amargor suave e maracujá. Uma cerveja perfeita para o verão.

Penúltima do kit da Brouwerij ‘t IJ, a Zatte, uma Belgian Tripel orgânica, foi a primeira cerveja produzida pela turma de Amsterdam, quando a cervejaria foi aberta em 1985. De coloração dourada com leve turbidez a frio, a Zatte exibe um creme branco de ótima formação e média alta permanência, com direito a rendas belgas escorregando pelas laterais da taça. O aroma, especialíssimo, se desdobra em notas florais, herbais (ervas, grama, feno, cereais) e cítricas (abacaxi e limão siciliano). Há ainda percepção de condimentação (derivada da levedura belga) e de doçura caramelada de malte. Na boca, há picância (tanto da levedura quanto dos 8% de álcool, belamente inseridos no conjunto), doçura de caramelo e mel, suave toque cítrico (novamente limão siciliano e abacaxi) e herbal (feno, cereais e ervas). O final é levemente condimentado, adocicado, seco e quente. No retrogosto, cereais, amargor suave, cítrico e caramelo. Uma Tripel elegantíssima.

Última da caixa, a Columbus é uma Belgian Strong Ale orgânica, e os holandeses capricham no tanto no acréscimo de lúpulo quanto de álcool (são 9%). De coloração âmbar caramelada, a Columbus exibe um creme suavemente bege, de excelente formação e larga extensão. No nariz, percepção antecipada de doçura (caramelo e açúcar mascavo), condimentação (pimenta do reino) e um acentuado toque terroso, que acrescenta profundidade ao conjunto. Os aromas clássicos do estilo marcam presença em notas frutadas que remetem a ameixa e figo. A complexidade aromática se estende ao paladar: há rápida doçura inicial (açúcar mascavo), logo atropelada pelo amargor (tanto do álcool quanto do lúpulo), que traz consigo condimentação (a pimenta se apresenta de forma mais picante e há também sugestão de canela) e as notas terrosas que se destacam no nariz. Há pouco de frutas escuras, mas o tempero compensa. O final é caramelado, quente, picante e suavemente amargo. No retrogosto, terra, açúcar mascavo e amargor.

Balanço
Lançada no final de 2013, a Flink é uma provocante Blond Ale que valoriza a ação da levedura (com azedume assertivo) e o toque cítrico da lupulagem, deixando o malte de caramelo como base. Equilibrada, refrescante e deliciosa. A Dubbel da casa, ‘T IJ Natte, é mais tímida no quesito frutas escuras do que as representantes mais famosas do estilo, mas desce que é uma beleza. É quase uma Amber querendo ser uma Dubbel. A ‘T IJ Wit é a excelente witbier da casa, cítrica e condimentada na medida. A que mais gostei quando bebi na beira no moinho sede da cervejaria continua sendo uma das que mais gostei da casa, refrescante, saborosa e com incríveis 6.5% de álcool muito bem inseridos. A ‘T IJ IPA é uma India Pale Ale equilibradíssima, levemente amarga, altamente cítrica e um tiquinho caramelada. Novamente, os 7% de álcool não aparecem no conjunto, uma surpresa agradabilíssima. Em dias quentes ela deve soar ainda melhor. Primeira cerveja produzida pela turma do avestruz, a Zatte é uma Tripel alcoólica e refrescante, se isso fosse possível. Fechando o sexteto, a Columbus é uma Belgian Strong Ale condimentada por lupulagem e levedura, o que a transforma em outra coisa, e muito interessante. Há bastante sugestão de pimenta do reino, notas terrosas e açúcar mascavo na cerveja mais interessante do pacote.

‘T IJ Flink
– Produto: Belgian Ale
– Nacionalidade: Holanda
– Graduação alcoólica: 4.7%
– Nota: 3,36/5

‘T IJ Natte
– Produto: Belgian Dubbel
– Nacionalidade: Holanda
– Graduação alcoólica: 6.5%
– Nota: 3,36/5

‘T IJ Wit
– Produto: Witbier
– Nacionalidade: Holanda
– Graduação alcoólica: 6.5%
– Nota: 3,45/5

‘T IJ IPA
– Produto: India Pale Ale
– Nacionalidade: Holanda
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3,41/5

‘T IJ Zatte
– Produto: Belgian Tripel
– Nacionalidade: Holanda
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 3,49/5

‘T IJ Columbus
– Produto: Belgian Strong Ale
– Nacionalidade: Holanda
– Graduação alcoólica: 9%
– Nota: 3,51/5

Leia também
– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.