por Adriano Costa
A vida é um processo constante de acontecimentos, escolhas e relacionamentos. Resumindo de maneira bastante simplória, é por aí mesmo, não tem muito como passar longe disso. Dentro desse processo que nos colocamos habitualmente em cada esquina que dobramos ou a cada frase que conversamos com alguém, moldamos o passo seguinte. Esculpir esse passo seguinte para Alex Woods nunca foi lá muito fácil, visto que logo aos 10 anos de idade um meteorito atravessou o teto do banheiro e lhe acertou a cabeça. Os tais dos acontecimentos.
O escritor inglês Gavin Extence usa esse acidente para desenvolver a narrativa de seu primeiro livro, “O Universo Contra Alex Woods” (“The Universe Versus Alex Woods”), que conta com edição nacional da Rocco e tradução de Santiago Nazarian. Publicado na Grã-Bretanha em 2013, o livro recebeu boa acolhida por parte do público, o que fez com que os direitos se estendessem a outros países. Longe de ser a “nova voz” da literatura inglesa (como as propagandas adoram alardear), Gavin Extence apresenta um humor bem calibrado em boa parte das 400 páginas do livro.
“O Universo Contra Alex Woods” é, acima de tudo, um livro sobre crescimento na adolescência e, nesse ponto, não se difere de tantos outros já feitos. Depois do meteorito atingir o personagem principal, Alex vira uma espécie de celebridade na região (por algo tão raro), ao mesmo tempo em que lida com as consequências da casualidade que lhe deixa de herança uma epilepsia. Reclusão, falta de amigos, vida social quase zero, uma mãe protetora no caminho, o interesse quase obsessivo em questões relacionadas a ciência e ao espaço, convulsões constantes. Esse é o ambiente do jovem Alex.
Bem cadenciado no início, no primeiro terço do livro as coisas funcionam razoavelmente bem na narrativa que, se não é espetacular, não agride ao leitor. Ainda mais quando o protagonista conhece um senhor americano que vive sozinho em uma casa no campo e que, por mais um acontecimento dessa tal de vida, se transforma em uma espécie de conselheiro, uma figura paterna e confidente que ele nunca teve. Veterano de guerra e severo defensor da Anistia Internacional, este senhor é o alicerce que Alex precisa entre exposições sobre o escritor Kurt Vonnegut (de “Café-da-Manhã dos Campeões”) e considerações sobre escolhas.
No segundo terço do livro, porém, as coisas desandam e o autor tanto repete argumentos anteriores como encharca as páginas de passagens monótonas que não acrescentam nada na trama. Se essa parcela insípida de “O Universo Contra Alex Woods” não fez ninguém desistir, a recompensa, por assim dizer, vem no final, onde temas mais espinhosos são abordados e percebe-se um poder maior do autor em expor raciocínios controversos na sua essência, sem deixar de lado o bom humor e o absurdo de algumas situações.
“O Universo Contra Alex Woods” apresenta um autor tateando, experimentando (ainda que sem muito afinco) e tentando constituir uma escrita autêntica. A composição dos personagens secundários – como a mãe de Alex e a companheira de escola que vai trabalhar na loja de produtos místicos da mãe – é boa, assim como a inclusão de um autor consagrado como Kurt Vonnegut na trama como desencadeador de algumas visões de mundo. Se não fossem, sei lá, umas 100 páginas dispensáveis no recheio, seria um livro bem melhor, mas o trecho final corrige parte desse escorregão.
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop
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