Texto e fotos por Marcelo Costa
A 2ª edição do Festival Internacional de Música em Goiás (FIGO 2014), evento que busca valorizar os gêneros jazz, blues, instrumental e erudito no Estado, foi dividido em três fins de semana em três cidades diferentes do território goiano: Alto Paraíso abriu a programação recebendo, entre outros, o gaúcho Renato Borghetti e a portuguesa Cuca Roseta. Na semana seguinte foi a vez de Pirenópolis receber o evento, destacando shows do duo Finlândia e dos cubanos do Septeto Santiaguero. O Scream & Yell acompanhou o último fim de semana do FIGO 2014, 26 e 27 de setembro na capital Goiânia, e elenca abaixo os destaques.
Entre as oito atrações dos dois dias de eventos no excelente Centro Cultural Oscar Niemeyer, a curadoria escolheu, via edital, duas atrações de cultura popular (os grupos Bake Batuke e Maracatu Alto do Riviera) e duas de jazz (Fabiano Chagas Quinteto e Assum Trio). Completavam o line-up na sexta-feira o grupo argentino Escalandrum, liderado pelo baterista Daniel Piazzolla, neto da lenda, e o brasileiro Hermeto Páscoal enquanto o sábado traria o pianista goiano Ricardo Leão, homenageado desta edição do FIGO, e o pernambucano Siba, acompanhado do projeto Fuloresta.
Por uma confusão de horários, o Scream & Yell deixou de ver o show do Bake Batuke na sexta-feira, e pela excelente apresentação do Maracatu Alto do Riviera no sábado, a perda foi significativa. Grupos irmãos formados por alunos de percussão do professor Rodrigo Kaverna no Projeto Ninho Cultural, Bake Batuke e Maracatu Alto do Riviera abriram a programação nos dois dias do FIGO, e a intensidade e força do segundo grupo conquistou o ótimo público que estava no teatro. Se os grupos estiverem no mesmo nível, com certeza a vasta sessão de aplausos do sábado também aconteceu na sexta-feira, abrindo de forma impactante o evento.
No setor jazz, pequena decepção: os dois grupos escolhidos pela curadoria – Fabiano Chagas Quinteto e Assum Trio – tem como núcleo o guitarrista Fabiano Chagas e o pianista Diones Correntino, que se apresentaram tanto na sexta-feira quanto no sábado, e mesmo que cada um dos projetos trabalhe uma área especifica do jazz e da música popular, fica a questão: será o cenário de jazz e blues no Estado tão restrito a ponto de valorizar dois de trabalhos de um mesmo músico? No palco, as duas formações (o quinteto acrescido de contrabaixo, bateria e sax; o trio contando ainda com clarinete) fizeram shows corretos, em que o grande destaque foi o percussionista convidado do Assum Trio (que, sim, se apresentou como quarteto).
O sábado ainda contou com o homenageado Ricardo Leão, que relembrou histórias, como a primeira vez que vi Egberto Gismonti ao vivo, em 1977, e decidiu o que queria fazer na vida: ser músico. Em retribuição tocou “Caravelas”, do álbum “Egberto Gismonti”, de 1984. Na sequencia relembrou o primeiro festival internacional de que participou, em Montreal, com uma canção que leva o nome da cidade. O amigo Bororó, baixista famoso que havia se apresentando no dia anterior no quinteto de Fabiano Chagas, foi chamado ao palco rendendo um dos momentos bonitos do dia. Na bateria, uma aula do experiente Jurim Moreira, que já gravou discos com Gal Costa, Luiz Melodia, Maria Bethania, Chico Buarque e Lobão.
No quesito “shows emocionantes”, três momentos especialíssimos: na sexta-feira, o sexteto portenho Escalandrum subiu ao palco do centro cultural com o show do disco “Piazolla Plays Piazolla”, desconstruindo e reconstruindo de maneira exuberante as canções do mestre Astor Piazolla. Na bateria, o neto Daniel, baterista endiabrado, apresentava as canções enquanto os outros cinco músicos tratavam de entortar a melodia de forma comovente num daqueles shows que deviam durar dias. Como prêmio ganharam o convite de Hermeto Pascoal, que entrou na sequencia, para voltar ao palco e tocar uma música: “Eles vão tocar um tema e eu vou atrapalhar”, brincou Hermeto. Foi um dos grandes momentos do FIGO 2014.
Já que o assunto é Hermeto Pascoal, o show do multi-instrumentista tem como padrão não ter nenhum padrão. Ele improvisa, muda músicas, acordes, arranjos, faz o diabo no palco. Lá pelo meio da noite, confidencia: “Quem não for doido não toca comigo”. Em certo momento, incomodado com o zumzumzum da galera no bar, espeta: “Não quer assistir? Vai pra casa. É muito melhor um teatro vazio com poucas pessoas inteligentes do que um cheio de gente que não entende nada”. A galera aplaudiu. Cada integrante da banda tem seu momento de solo, e tudo culmina com o quinteto tocando… cano na beira do palco. No fundo, Hermeto sentencia: “Tudo doido”. O público ri e sacoleja com a percussão improvisada. O show segue uma fórmula de caos, e, no meio da aparente bagunça, Hermeto entretém o público. Grande show.
O momento de maior festa, porém, foi quando Siba e a Fuloresta subiram ao palco para fechar a programação do sábado. Bastou o som ecoar no teatro para que a grande maioria dos presentes deixasse suas cadeiras e fosse sambar na beira do palco ao som de ciranda e maracatu de baque solto, antecipando o carnaval de fevereiro para setembro em Goiânia. Como mestre de cerimonias, Siba conduziu o público de forma brilhante. A Fuloresta (quarteto de metais e um trio de percussão) não ficou atrás, e quando os oito desceram juntos para o meio da galera, a impressão é que a noite iria terminar com o sol raiando. No meio dos improvisos, Siba pediu cachaça, foi atendido por alguém do público, virou e continuo a festa, que não terminou quando a banda voltou para o palco: o pedido intenso de bis trouxe mais quatro músicas (e uns 15 minutos de maracatu) deixando todo mundo com o sorriso estampado na cara.
Realizado pelo Governo de Goiás, por meio da Secretaria de Estado da Cultura (Secult Goiás), o FIGO 2014 se mostrou um valoroso espaço para música autoral no território goiano. Essa segunda edição, relevando o deslize na escalação dos nomes de jazz pela curadoria em Goiânia, merece aplausos por estender o campo de alcance para outras cidades e por levar nomes da música mundial para se apresentarem de forma gratuita para um bom público. Além de abrir espaço para novos (e bons!) artistas se apresentarem frente a sua própria comunidade, como o excelente Maracatu Alto do Riviera, a escolha acertada de Escalandrum, Hermeto Pascoal e Siba e a Fuloresta – todos se apresentando frente a um ótimo público – mostram que o festival está no caminho certo para se firmar na programação anual do Estado. Que venham outros FIGOs!
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
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Os Grupos Bake Batuke, e Maracatu alto do Riviera pertencem ao projeto Ninho Cultural, e não ao projeto arte educação, o projeto arte educação foi o grande parceiro pra que fosse possivel de fazer o trabalho do ninho cultural, mas os dois projetos são formados no Ninho Cultural.
Salve Tupã
ótima analise feita sobre o evento!!
Salve Tupã