por Bruno Lisboa
Prolífico: esta é a palavra que melhor define Ryan Adams. Desde a década de 90, período em que comandava o Whiskeyton (banda representativa da cena alternative country ao lado de Wilco e Jayhawks), Ryan Adams já produzia largamente canções que associava a estética country com a crueza do punk. Após três álbuns de estúdio (“Faithless Street”, 1995; “Stranger Almanac”, 1997; e o clássico póstumo “Pneumonia”, 2001), o cantor partiu para uma (hoje extensa e) elogiada carreira solo.
Lançando basicamente um disco por ano (às vezes três, como em 2005 quando lançou os álbuns “Cold Roses”, “Jacksonville City Nights” e “29”), Ryan conquistou um contingente admirável de fãs mundo afora – entre eles alguns famosos como Elton John, Mick Jagger, Joan Baez (que regravou “In My Time of Need”) e Emmylou Harris – que se derreteram ante ao caráter passional de suas canções calcadas na estética folk, com doses de country e a visceralidade do rock de garagem.
Ao longo dos anos, Ryan Adams ainda encontrou tempo para produzir outros artistas (Willie Nelson, Jenny Lewis e Fall Out Boy), colaborar com outras tantas produções (Beth Orton, Weezer, Norah Jones, Cowboy Junkies, Counting Crows) e até escrever livros (“Infinity Blues” e “Hello Sunshine”, 2009). Tantos trabalhos podem até assustar os habituados a lançamentos artísticos espaçados, entretanto sua carreira solo estava em estado de hibernação desde 2011, quando o compositor foi diagnosticado com Síndrome de Méniere.
Doença ligada à degeneração da audição e do equilíbrio, a recuperação da Síndrome de Méniere tomou dois anos da vida de Ryan Adams, que rompe o silêncio agora com “Ryan Adams”, seu 14º disco solo. Gravado por Mike Viola e produzido pelo próprio Ryan Adams em seu estúdio particular, PAX AM, este novo álbum celebra o retorno do cantor ao seu habitat natural, composto por canções extremamente pessoais, o que, de certa forma, explica o uso de seu próprio nome para batizar o disco.
Contando com uma experiente banda de apoio composta por Benmont Tench (tecladista do The Heartbreakers, banda que acompanha Tom Petty), Jeremy Stacey (baterista da fase “Ashes & Fire” e parceiro de Noel Gallagher), Tal Wilkenfeld (baixista de Jeff Beck) e Mike Viola, o álbum abre com “Gimme Something Good”, que também foi o primeiro single, cujos versos sobre inadaptação e esperança são casados à riffs de guitarra cortantes, estridentes e com a marcante presença dos teclados de Tench.
Um sentimento de insegurança e solidão permeia a pegajosa “Am I Safe”, faixa que conta com discreta participação de Mandy Moore (atriz, cantora e esposa) nos vocais de apoio. Outro ator, Johnny Depp, também surge nos créditos como colaborador, adicionando guitarras na cadenciada “Kim” e na marcial “Feels Like Fire”, faixa na qual também participa como backing vocal . As homenagens e emulações aos seus heróis musicais dão o tom na apaixonada “Stay With Me”, puro Tom Petty, e “I Just Might”, que ecoa Bruce Springsteen em sua fase inicial.
A predominantemente acústica “My Wrecking Ball” é uma tocante canção que valoriza a autodestruição pessoal em prol da renovação. O tema reabilitação, uma das peças chaves deste trabalho, surge novamente em “Tired of Giving Up”, canção em que Ryan Adams revela estar cansado de desistir ante as dificuldades que a vida oferece. A faixa de encerramento,”Let Go”, traz em si o clima de redenção e paz ligados à aquele que buscou arduamente por tais princípios e, finalmente, os alcançou.
Três anos sem mostrar material inédito, Ryan Adams retorna com um disco que, se não representa nenhum tipo de novidade sonora, mostra um músico expurgando demônios (seja a doença, seja a perda da avó) em boa companhia. A sensação de sessão de descarrego, não à toa, foi precedida por um EP de hardcore lançado em agosto, “1984”, com 10 faixas em 12 minutos de esporro (e todos os instrumentos tocados por Ryan). Lançado um mês depois, “Ryan Adams”, o retorno do cantor após ter visitado uma casa repleta de fantasmas, ainda que urgente, é mais lírico. E mexe com a alma.
– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator e colunista do pignes.com
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E como é bom este disco. Confesso que nem botava muita fé nele, mas agora não paro de ouvir. E o texto também é muito bom.
Será que vai ser lançado no Brasil?
Acho difícil, Anderson. Como o disco é do selo dele próprio, tem que ver se algum selo brasileiro (talvez a Lab) faça parceria.