por Bruno Lisboa
Segundo consta em páginas diversas da internet um furacão (ou ciclone tropical) é um fenômeno meteorológico relacionado à formação de intensos ventos tempestuosos capazes de mudar, das mais variadas formas, o mundo como conhecemos. E talvez não haja melhor maneira de descrever a breve vida de Cássia Rejane Eller, uma cantora que nasceu em 1962, começou uma carreira de sucesso em 1990 e despediu-se da vida em 2001.
A história de Cássia pode ser revista pelo público paulistano no teatro, com a chegada da peça “Cássia Eller – O Musical” ao teatro do Centro Cultural Banco do Brasil. A peça, que conta com 39 canções, estreia na sexta-feira (19/09) e fica em cartaz até 10 de novembro. Com direção de João Fonseca, responsável também por “Tim Maia – Vale Tudo” e “Cazuza – Pro Dia Nascer Feliz, o Musical”, e Vinícius Arneiro, Cássia é interpretada pela atriz Tacy de Campos.
Após uma breve incursão no teatro e passar pelo Rio de Janeiro (onde nasceu) e Brasília (entre outras cidades), Cássia Eller mudou para São Paulo em 1988 e encontrou no tio Wanderson Clayton, que trabalhava como produtor do grupo 14 Bis, o apoio necessário para se lançar como cantora. Clayton apresentou a sobrinha para Mayrton Bahia, produtor da Legião Urbana, que tratou de arranjar um contrato com a gravadora EMI.
“Cassia Eller”, o primeiro disco, foi lançado com pompa pela EMI em 1990, e puxado por uma versão de “Por Enquanto”, da Legião Urbana, e pelos shows turbulentos da cantora, alcançou a marca de 60 mil cópias vendidas. Mostrando o temperamento forte da cantora, “Marginal” (1992), o segundo disco, amparado em versões de Jimi Hendrix e números da Vanguarda Paulista, vendeu menos que o disco de estreia, 50 mil cópias.
As coisas se acertam no terceiro disco, “Cassia Eller” (1994), em que as canções “Malandragem” (parceria inédita de Frejat e Cazuza) e “E.C.T.” (de Marisa Monte, Nando Reis e Carlinhos Brown) se tornam grandes sucessos levando o disco a alcançar 160 mil cópias, número de vendas que seria quase uma constante na carreira de Cássia, exceção apenas ao “Acústico MTV”, lançado pouco antes de sua morte, e que alcançou 1 milhão de cópias.
“Cássia Eller – O Musical” consegue, a partir de um pequeno elenco composto de sete atores, organizar de maneira crua e simples o vasto enredo, rico em personagens, canções, referências de fases e décadas distintas. O texto de Patrícia Andrade opta por utilizar a música para trazer à tona fatos conhecidos do público partindo da adolescência solitária e conturbada de Cássia até a carreira musical oscilante, o estrelato e o seu derradeiro fim.
Tal escolha de enredo busca minimizar a dramaticidade em prol da musicalidade, e ganha pontos pelo excelente trabalho de Lanlan, responsável pelo roteiro musical, que conta com 39 canções. O repertório, inicialmente, cobre os primórdios da carreira de Cássia, época em que a cantora caia de amores pelos mais variados artistas e percorre todas as suas fases ao longo do espetáculo.
Canções dos Beatles (“Come Together”, “Eleanor Rigby”) convivem naturalmente com Oswaldo Montenegro (“Pra Longe do Paranoá”), Janis Joplin (“Mercedes-Benz”) e Luiz Melodia (“Juventude Transviada”), ilustrando a versatilidade de Cássia com interprete. Suas paixões arrebatadoras são iluminadas pela rara canção própria (“Flor do Sol”), o hit “Palavras ao vento” (parceira de Moraes Moreira e Marisa Monte) e “Por Enquanto” (de Renato Russo), transparecendo o seu coração selvagem em ode a sua platônica vida amorosa.
O trabalho junto a Nando Reis aparece na reta final do espetáculo quando “Luz dos Olhos”, “Relicário”, “ECT” e outras tantas são resgatas, causando comoção geral do público presente. Para fazer jus, uma afiada banda de apoio (montada exclusivamente para o espetáculo) consegue de maneira elogiável executar ao vivo todo o longo set, evitando as armadilhas de se reproduzir meramente as canções como eram.
Tacy de Campos, apoiada pelo ótimo elenco, surge à vontade para criar a sua Cássia. Captando todas as suas nuances, a atuação magnífica da atriz capta em detalhes minuciosos todos os trejeitos da cantora. A maneira como expõe a larga timidez, a risível gagueira e empréstimo de sua voz, em tamanha semelhança, criam a empatia correta capaz de causar lágrimas em determinados momentos do musical, imperdível para aqueles que almejam relembrar um grande exemplo de autenticidade artística visualizado em solo brasileiro.
– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator e colunista do pignes.com
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