por Leonardo Vinhas
Estar sozinho é sinônimo de infelicidade? Aparentemente, o diretor inglês Mike Leigh acredita que sim. “Um Ano Mais” (Another Year), filme de 2010 que só chega ao Brasil quatro anos depois de seu lançamento, apresenta o casal Tom e Gerri (Jim Broadbent e Ruth Sheen) felizes após mais de 30 anos de união. Quem não parece estar feliz são as pessoas que habitualmente orbitam ao seu redor: seu filho Joe (Oliver Mallman), o amigo Ken (Peter Wight), o irmão de Tom, Ronnie (David Bradley) e seu filho Carl (Martin Savage). E, mais que todos, Mary (Lesley Manville), colega de trabalho de Gerri.
Embora Tom e Gerri formem o eixo em torno do qual o filme gira, ninguém é mais protagonista do que Mary: divorciada, ela arrepende-se do passado, falseia o presente e fantasia o futuro. A todo tempo, a ausência de um companheiro em sua vida é uma sombra pesada que a arrasta para um abismo de parasitismo emocional em relação ao casal central, e também numa espiral de depressão infinita.
O filho Joe não é um personagem tão lamentável, mas esconde sua solidão como se fosse uma vergonha familiar. Já o amigo Ken compensa sua vida só com doses abundantes de álcool e comida, numa voracidade caricata. E Ronnie é só mesmo sendo um homem casado e com um filho – o também solitário Carl.
A sequência de eventos banais que o filme acompanha ao longo de um ano nos permite conhecer um pouco melhor essas pessoas. Sem pressa, Leigh nos mostra seus personagens preparando chás, participando de churrascos ou conversando no bar – ou seja, fazendo o que todo mundo faz. E aí podemos – nós, espectadores – começar a ir um pouco além da casualidade simplista de “estar só é estar triste”.
Vale, por exemplo, perguntar se a pretensa empatia de Gerri não alimenta a auto ilusão predatória de Mary. E também não faz mal especular sobre as razões que levam Gerri, uma psicóloga especializada em depressão, a ter sempre a seu redor pessoas sofridas.
Vale também ver os rancores surgindo sob o verniz de simpatia e bom humor de Tom, quando uma morte na família faz com que ele aja com uma firmeza que não se via antes disso. Ou ver como Ronnie é capaz de empatia mesmo em seu momento mais triste. Ou…
Sutilezas, segredos emocionais bem soterrados e aparências que não enganam ninguém: o realismo brutal (disfarçado de banal) de Mike Leigh atiça a imaginação e incomoda se você pensar que alguma daquelas pessoas pode ser você. É verdade que algumas cenas se estendem alguns minutos além do necessário, como se Leigh tivesse prazer em esfregar na cara do espectador o constrangimento nosso de cada dia. Também é verdade que as atuações exageradas de Peter Wight e, principalmente, Lesley Manville dificultam a entrar no clima do filme e enxergar a tela como realidade – como está é apenas dramaturgia.
Porém, dramaturgia contundente e provocante. Apesar de moralismos e vacilo em alguns diálogos, Leigh (também roteirista) prende o espectador na cadeira com o dia a dia de pessoas comuns. Talvez porque, ao contrário de reality shows, a história na tela seja verossímil. E talvez existam muitas Marys tão histéricas e exageradas quanto a de Lesley Manville, e nós simplesmente preferimos não crer nisso.
“Um Ano Mais” é um filme com falhas, às vezes excruciante, mas bem-vindo e provocante. E se há as tais atuações desmedidas, há também Jim Broadbent e Ruth Sheen fazendo um trabalho notável na construção de Tom e Gerri, bem como uma força imensa nos poucos minutos em que David Bradley aparece na tela. Certamente garante um pós-cinema remoendo tudo o que foi habilmente sugerido nas falas, e principalmente nos silêncios, criados na tela. E mesmo que a intenção do diretor tenha sido fazer proselitismo da vida a dois, o filme vai te deixar pensando se isso é mesmo tão bom quanto parece ser.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yel
One thought on “Cinema: Um Ano Mais, Mike Leigh”