Texto: Marcelo Costa
Fotos: Liliane Callegari
A pequena ilha de Skeppsholmen, no centro de Estocolmo, recebe desde 1980 o Stockholm Jazz Festival, e a partir de 2012 adicionou um novo festival em seu calendário: Stockholm Music & Arts, um festival de três dias que une música (as duas edições anteriores tiveram Marianne Faithfull, Patti Smith, Antony & The Johnsons, Prince, Billy Bragg, Rodriguez e Regina Spektor, entre outros) e artes (o festival acontece na área do Museu de Arte Moderna, o principal da cidade), com exposições, instalações e apresentações de artistas.
A escalação musical de 2014 reservou para o primeiro dia de sol intenso (que só foi dormir às 22h) uma seleção que parece ter agradado o público (com média de idade na casa dos 40 anos – ou mais), que apesar de não manifestar empolgação visível (a frieza sueca não é um mito), aplaudia com animo os artistas ao final das canções. O festival abriu as portas às 13h, mas o público só foi lotar o lugar (mas nem tanto: cerca de 2 mil pessoas numa área para o dobro disso) nas três últimas apresentações do dia no começo da noite de sol.
Quando a loura Alison Goldfrapp pisou no palco às 16h15 encontrou cerca de 500 pessoas na plateia, que acompanharam a diva londrina (e um quinteto todo vestido de preto – moda na cidade – com baixo, guitarra, bateria, teclados e… violino) num show muito mais calmo, bonito e introspectivo do que o do Planeta Terra 2011 (nenhuma música tocada no Brasil apareceu no show de Estocolmo). A base do repertório foi o álbum “Tales of Us” (2013), mas canções do ótimo “Felt Mountain” (2000) apareceram no set (“Paper Bag”, “Utopia” e “Lovely Head”).
Na sequencia, Linnéa Henriksson (se apresentando para o dobro de público do Goldfrapp) surgiu em um palco colorido (rosa, lilás e roxo) estilo Programa da Xuxa Perua acompanhada de um septeto e mostrando um som pop que faz muito sucesso por estes lados, mas cujos melhores momentos não serviriam como um lado D do Abba. Quarto lugar no Idol Swedish 2010, Linnéa Henriksson soa melhor nos vídeos (em que ela não grita tanto) do que ao vivo, mas o público atendeu quando ela pediu palmas.
A próxima a pisar no palco é uma das principais damas (ao lado de Siouxsie Sioux) do pós-punk britânico. Com bota preta até os joelhos, jeans, blusinha, colete preto, gravata lilás e 62 anos de boa forma, Chrissie Hynde mostrou as boas canções de sua enfim estreia solo, “Stockholm”, álbum gravado na cidade com produção de Björn Yttling (do Peter, Björn and John), que assina 10 canções em parceria com a eterna Pretenders – outras duas são divididas com Joakim Åhlund – “Acho que errei a pronuncia do nome dele… foda-se”, disse ao apresentar “Like In the Movies”.
De muito bom humor, Chrissie divertiu a plateia: “Eu estava no tram indo para o Museu Abba, pensando: Queria soar com eles, mas não ter o mesmo visual”. Lá pelo meio do show mandou “The Loner”, do primeiro disco de Neil Young (1969): “Vou tocar essa porque Neil não vai toca-la no domingo… mentira, é porque eu não vou estar aqui”. Faixas novas como “House of Cards” e “Dark Sunglasses” (com base que lembra “Meeting Paris Hilton”, do CSS) soaram ótimas ao vivo num show que ainda teve clássicos de sua banda como “Back on The Chain Gang”, “Don’t Get Me Wrong” e “I’ll Stand by You”.
Ainda com o dia claro (às 21h), o Television subiu ao palco para tocar “Marquee Moon”, uma das obras primas do rock and roll, na integra. Show mais aplaudido do dia (e não só porque a média de idade no palco batia com a do público), a apresentação do Television foi daqueles momentos de emoldurar e colocar na parede, desde o começo com “See No Evil” , “Prove It” e “Elevation” até as raras aparições de “Guiding Light” e “Friction” culminando numa versão de mais de 12 minutos da faixa título, com solos dissonantes de Tom Verlaine. Palmas, palmas e palmas.
Com jeitão de pequeno festival local (tal como o Norwegian Wood, de Oslo) e bastante caprichado no que diz respeito a comida, bebida e serviços (a água não só é gratuita como a produção deixa copos de plástico ao lado dos bebedouros), o Stockholm Music and Arts segue movido a cervejas, cidras e com promessa de sol forte no sábado e, para o domingo (e grande dia do festival), reserva Richard Thompson, Sean Kuti & Egypt 80, The Magic Numbers, GOAT e Neil Young & Crazy Horse. A coisa toda promete… muito.
Após cabular o segundo dia do festival para cuidar de uma virose que ameaçava dar cabo no fim de semana já na manhã de sábado (Beth Orton, nos vemos numa próxima oportunidade, ok) e ouvir uma tempestade castigar as janelas do hotel durante a madrugada seguinte, o domingo amanheceu nublado e emburrado. A previsão garantia que permaneceria assim o dia inteiro (com temperatura entre 20 e 28 graus), mas o sol contrariou as expectativas e surgiu bonito iluminando o Museu de Arte Moderna da cidade.
Acompanhado apenas de um violão e de suas canções, Richard Thompson mostrou um pouco de sua história no palco do Stockholm Music and Arts para um público atento. Focando em sua carreira solo e pescando pérolas de sua parceria com Linda Thompson (como “Wall of Death”, já gravada pelo R.E.M.), Richard Thompson aprofundou as letras ao contar histórias sobre cada uma das canções que tocava e até presenteou o público com uma singela versão de “Genesis Hall”, do Fairport Convention. Um trovador em meio ao sol de Estocolmo.
Na sequencia, com pouco mais de 10 minutos de atraso devido à dificuldade de equalizar tanta gente no palco (o intervalo entre uma atração e outra no festival é de meia hora), os 12 integrantes da mítica Egypt 80 (banda que Fela Kuti montou nos anos 80 e que hoje em dia segue acompanhando seu filho, Seun, em gravações e shows pelo mundo) foram apresentados um a um e saudaram a lourada sueca bronzeada de sol com uma pancada energética de afrobeat que não deixou ninguém parado.
Oluseun Anikulapo Kuti foi convidado ao palco na sequencia e chegou chutando a porta: “Essa música é do meu disco novo e se chama “IMF”: International Mother Fuckers. Ela é dedicada ao FMI”. De sax em punho, o filho mais novo de Fela seguiu tarde adentro dando recados e fazendo o público sueco dançar e pensar mostrando que o legado do pai segue vivo. O bom público presente (cerca de 2 mil pessoas) tentou (como pode) seguir o ritmo das duas backings sedutoras, que rebolavam e instigavam a dança. Bonito de ver.
Magic Numbers, uma banda sempre eficiente no palco, foi a terceira atração do dia. Duas canções de “Alias”, o quarto disco da banda, que chega às lojas nas próximas semanas, apareceram no set list, e mostram que eles continuam românticos e melo(dio)sos, mas a apresentação conquistou a plateia, que após o suor gasto com Seun Kuti, admirou o Magic Numbers sentada na sombra e bebendo bastante café (um vício sueco). “Love’s a Game” e “Forever Lost” (com citação de “People Get Ready”) soaram belas.
Agradavelmente díspar, o line up que apresentava um trovador, uma banda de afrobeat e um grupo de rock inglês, reservava como surpresa um nome sueco (apadrinhado pela Sub Pop), o Goat, mistura empolgante de vodu, macumba, cantos afros e rock embalada por riffs psicodélicos (que ganham peso no momento cerimonial da canção), mais baixo, bateria e um mano batucando como se estivesse recebendo uma alma. Na frente, duas ensandecidas frontwomans. Todos mascarados. Um dos shows mais aplaudidos do dia.
A honra de encerrar a terceira edição do Stockholm Music and Arts ficou a cargo de Neil Young, acompanhado da sempre barulhenta Crazy Horse. Show mais esperado do festival (os seis modelos de camisetas não só esgotaram na loja de merchandising como o público – a essa altura, umas 4 mil pessoas – exibia modelos variados de umas 10 turnês diferentes), Neil Young subiu ao palco às 20h50 (com o dia claro) para 2h20 de guitarras relinchando, dando coices e ameaçando a saúde auditiva da audiência (para felicidade geral).
A festa começou com uma versão encorpada de “Love and Only Love”, que começou apitando microfonia e carregou o publico por 10 minutos inesquecíveis de solos ensandecidos. O público ainda não havia se refeito da emoção, e “Powderfinger” surgiu galopante e fez a plateia flutuar por mais seis minutos. Apresentada pela primeira vez em 2001, ainda inédita, mas recuperada para essa perna europeia da tour 2014, “Standing in the Light of Love” soou tão bem ao vivo que, ao final da canção, o público continuou fazendo o coro do refrão.
Outras duas do disco “Ragged Glory”, de 1990 (“Days That Used to Be” e “Love To Burn” em uma versão de mais de 15 minutos), “Living With War” e “Name of Love” (pescada de “American Dream”, o álbum da Crosby, Stills, Nash & Young de 1988) formam o meio do show e são a deixa para o momento solo acústico, que começa com uma versão de “Blowin’ in the Wind”, de Bob Dylan, e termina com uma singela versão de “Heart of Gold”. “Barstool Blues”, de um dos grandes discos de Neil, “Zuma” (1975), arranca sorrisos da alma.
O trecho final é aberto com “Psychedelic Pill” (faixa título do ótimo disco de 2012), ganha ares clássicos quando os primeiros acordes de “Cortez The Killer” cortam o céu agora escuro de Estocolmo por 12 minutos levitantes, e faz até os comportados suecos pularem ensandecidos gritando o refrão de “Rockin’ in the Free World”, a última. Neil volta no bis com uma música inédita escrita para esta turnê, “Who’s Gonna Stand Up and Save the Earth”, e a noite termina com os suecos gritando “Stand Up” por cinco minutos após a saída da banda. Inesquecível.
O saldo dos dois dias de shows da terceira edição do Stockholm Music and Arts foi mais do que positivo. Som impecável, serviços perfeitos (diversas barracas de comidas e bebidas variadas, água gratuita e banheiros e lixeiras em quantidade elogiável) e um line-up caprichado que tira o espectador da zona de conforto são ingredientes que merecem muitos elogios. Isso sem contar a boa dosagem em ações de marketing (várias espalhadas pela área do festival), que não desrespeitavam o espectador, foram o retrato de um ótimo festival num fim de semana especialíssimo.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
– Liliane Callegari (@licallegari) é arquiteta e fotógrafa. Veja mais fotos do festival aqui
Oi Marcelo se pudesse escolher um único e ultimo show para assistir na minha vida não pensaria duas vezes: Neil Young & Crazy Horse na cabeça.!!! Sempre me pergunto porque ninguém traz esse gênio para shows no Brasil, existe alguma razão para isso? Um abraço.