Faixa a faixa: Psychocandy e Darklands

Faixa a Faixa: ‘Psychocandy / Darklands’, do Jesus & Mary Chain
por Ramon Antoniazzi

Texto publicado originalmente no Scream & Yell em Julho/2001

Criança que é criança gosta de chocolate. Umas preferem chocolate branco, outras, meio amargo; mas a maioria gosta mesmo é de chocolate preto. A grande surpresa é a óbvia surpresa de o pai voltar do trabalho e trazer um bombom ou uma barrinha de chocolate. A infância tem gosto doce e, com o passar dos anos, o gostar de doce é apenas a lembrança dos anos iniciais, só com a diferença de que agora você mesmo compra o seu chocolate.

No ano de 1985, uma nova variedade de doce foi lançada sob o nome de “Psychocandy”. Não no formato barrinha, mas no formato bolachinha (de vinil). Logo virou febre entre os mais atormentados adolescentes ingleses. A banda era o Jesus & Mary Chain, sensação recente no Reino Unido por já ter lançado quatro outras delícias no formato single: “Upside Down”, “Never Understand”, “You Trip Me Up” e “Just Like Honey”.

“Psychocandy” era um doce de difícil digestão. Trazia uma base baixo-bateria estável e no volume 2 e uma camada de guitarras e microfonias completamente nervosas no volume 10. Era o que muitos chamaram de absurdo! A banda dos irmãos Reid (Jim, vocal, e William, guitarra) com Douglas Hart no baixo e Bobby Gillespie (que depois criou o Primal Scream) na bateria foi recebida de braços abertos pela crítica inglesa. Só faltava o público mundial. A Inglaterra, fiel, ouvia Jesus, mas o mundo ainda não os conhecia.

Em 1987, foi lançado “Darklands”, o segundo disco da banda, deixando de lado as microfonias e guitarras cortantes e explorando o seu lado mais pop. Como resultado, finalmente a banda consegue um reconhecimento mundial. O disco trazia perfeitas canções como “Cherry Came Too”, “Happy When It Rains” e “April Skies”, consolidando de vez a corrente de Jesus e Maria.

Mais sete discos foram lançados depois: “Barbed Wire Kisses” (1988), coleção de lados-b; “Automatic” (1989), disco que trazia batidas mais sintetizadas; “Honey’s Dead” (1992), bom disco que continha a clássica e censurada “Reverence”; “Sound of Speed” (1993), outra coletânea de lados-b; “Stoned and Dethroned” (1994), álbum mais calminho e acústico; “Hate Rock’n’Roll” (1995), a terceira coletânea de lados-b; e “Munki” (1998), derradeiro trabalho da banda. Ainda em 2000 foi lançada a sua “John Peel Session”, finalizando uma corrente de mais de 15 anos.

Em tempos de inverno e céus de julho, de ninho escondido e solzinho familiar, é bom lembrar-se de algumas coisas. Do primeiro gosto, forte, e que agora parece doce, de coisas que fomos e escutamos e do que, de alguma maneira, foi importante. A comparação de “Psychocandy” com chocolate é óbvia e não precisa de explicação, basta ouvir uma vez e pronto, não haveria outra maneira. Os pais alertaram e alertam quanto a ouvir Jesus.

– Ouça com moderação, diz o médico. Porque todo mundo sabe, muito chocolate, principalmente na puberdade, dá espinha.

PSYCHOCANDY

01) Just Like Honey
Canção de entrega a uma garota, leve e com pouca distorção, uma das melhores do disco.

02) The Living End
Muito barulho por tudo. Ode a si mesmo. Como diz na letra: ‘I’m in love with myself’.

03) Taste The Floor
É como estar no chão, nas últimas. Guitarras com distorção bem saturada e música lenta.

04) The Hardest Walk
É difícil não sentir-se envergonhado, diz a letra.
Mas, apesar de tudo, deve-se continuar caminhando.
Essa não é barulhenta.

05) Cut Dead
Outra mais calminha, tem até violão.
A letra fala sobre as desaventuranças amorosas.
Lembra um pouco Velvet Underground.

06) In A Hole
Letra mais ácida e guitarra – ruído. ‘There’s something dead inside my hole’, diz Jim.

07) Taste Of Cindy
Canção pop fabulosa, falando sobre uma suposta Cindy, um grande amor.
Todas as músicas, de uma maneira ou de outra, falam sobre este assunto (sem clichês).

08) Some Candy Talking
Também calminha, fácil de engolir. Mais uma canção de amor e adoração.
‘I love the way she’s walking, I love the way she’s talking’.

09) Never Understand
Podreira de primeira. A música mais empolgante do disco.
Enquanto a bateria marca e a voz e o baixo dão a melodia, a guitarra fica zunindo. Perfeito.

10) Inside Me
No começo, parece que o riff vai permanecer limpo, mas logo entram os chiados.
‘I take my time away and I see something, and that’s my story’.

11) Sowing Seeds
Guitarra dedilhada e (aparentemente) limpa. Um dos melhores vocais de Jim.

12) My Little Underground
I’m gonna run and find a place where I can hide, sun shines so high bright in the sky.
Riff matador com distorção idem.

13) You Trip Me Up
Enquanto Jim canta uma melodia doce, a guitarra desconstrói qualquer coisa atrás.
‘But you break me in two and you throw me away, and you spit in my head, you trip me up’.

14) Something’s Wrong
É difícil escolher a melhor, mas esta está entre as 15 melhores músicas do “Psychocandy”.
É maravilhosa. Guitarra e caixa bem sujinhas e o vocal, como sempre, doce.

15) It’s So Hard
Efeito na voz (esta William canta), agora só sobrou o baixo limpo, o que é genial.
‘A poem in the head of a poet that’s dead’.
E o disco acaba com a frase: ‘And it’s be in black, be in, be in black’.

DARKLANDS

01) Darklands
A grande mudança já dá para notar na primeira música: guitarra limpa e extremamente melodiosa.
“Darklands” de cara mostra o clima do disco: dark. William canta.

02) Deep One Perfect Morning
Música triste bem conduzida por um vocal baixo de Jim.
‘Better to paint my hate on the walls before the pictures goes’.
Linda em cada pequena variação.

03) Happy When It Rains
A melhor música e talvez a mais tocada deste disco. Simplesmente perfeita.
“Happy When It Rains” está entre as grandes músicas pop dos anos 80.
Letra de amor incondicional: ‘But your lips spoke gold and honey that’s I’m happy when it rains’.

04) Down On Me
Guitarra impecável. Melodia idem. Também sobre amor, só que de outro jeito:
‘Sometimes I can fake a smile but still the world looks down on me’. Identificação?

05) Nine Million Rainy Days
William canta. Violão e guitarras em perfeita sintonia.
A letra é sobre aquela história de ficar o tempo todo pensando em alguém.

06) April Skies
Outro clássico. É incrível como uma banda pode fazer canções de amor de uma maneira tão sublime!
Esta também é uma, olha só: ‘And if you walk away I can’t take it but that’s the way that you are, get back to where you came from I can’t help it under the april skies’.

07) Fall
Guitarra suja, poderia estar entre as mais calminhas do “Psychocandy”.
Letra sarcástica: ‘Everybody’s falling on me and I’m as dead as a christmas tree’.

08) Cherry Came Too
Mais uma música para afirmar o porquê de o Jesus ser uma das melhores bandas do século.
Perfeita harmonia entre instrumentos e voz.
Lembra as baladinhas anos 60 (leia-se Beach Boys) por sua simplicidade de letra e melodia harmoniosa.

09) On The Wall
O começo lembra “Walk on the Wild Side”, do Lou Reed, pela guitarra e pelo baixo, mas logo muda.
A letra não é muito otimista: I like a clock on the wall…, e aí vai. Vocal de William.

10) About You
A última música é com um violãozinho e voz doce.
Então entra uma guitarra dedilhada, como na maioria do disco.
‘I know there’s something warm, there’s something warm good about you’.

Leia também:
– “The Power Of Negative Thinking” reúne as raridades do Jesus and Mary Chain (aqui)
– Relançamentos: todos os discos do Jesus and Mary Chain em edições triplas (aqui)
– Quatro mixtapes sobre o Jesus and Mary Chain: hits, covers, raridades e influenciados (aqui)

One thought on “Faixa a faixa: Psychocandy e Darklands

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.