Texto por Paulo Terron
Fotos por Marcelo Rossi
Preciso confessar que fui ao show solo do Eddie Vedder – o terceiro em São Paulo, na noite da quinta (08), no Citibank Hall, não esperando grande coisa. Gosto do Pearl Jam desde sempre, mas suspeito demais desse esquema “vou pegar meu violão/ ukulele e fazer um sonzinho aqui sem a minha banda”. Um tempo atrás, Chris Cornell seguiu esse esquema e ficou claro o clima bate-carteira.
O preço das entradas também não ajudou a aliviar essa impressão: as mais caras custavam cerca de R$ 1 mil! Pode pesquisar, mas é garantido que você não vai encontrar esse valor em apresentações do cara fora do Brasil – e desta vez nem dá para culpar os ingressos de estudante, já que a Folha de S. Paulo noticiou que o promotor do evento limitou esse tipo de venda a 40% (seguindo ilegalmente uma lei que ainda não foi regulamentada).
Para completar, Glen Hansard fez um show de abertura tão impressionante que eu só conseguia pensar: “agora encerrou a noite de vez, talvez seja melhor ir para casa direto”. O irlandês (vencedor do Oscar de melhor canção original por “Falling Slowly”, da trilha do filme “Apenas Uma Vez”, que ele compôs e gravou com o Swell Season) tem um timing perfeito para esse tipo de show: é carismático, conta boas histórias e destroi cordas de violão como se não houvesse (mais shows) amanhã. Tocou músicas próprias, Van Morrison e ainda citou “Smile”, do Pearl Jam, para o delírio dos fãs. A cada chance, agradeceu a quem “chegou cedo” para ver o show dele. Até contou sobre a preocupação que teve com os motoboys brasileiros, completando o depoimento com uma bossa nova que incluía o verso “por favor, não morra!”.
Mas eu estava errado. Peço desculpas, Ed.
Quando Vedder subiu ao palco – decorado com fogueira, um órgão que não foi tocado e mais uma porção de badulaques (incluindo uma taça da Copa do Mundo) –, já eram quase 22h. Uma integrante da equipe fez o aviso, pedindo para as pessoas “assistirem ao show em tempo real”, sem tirar fotos ou fazer vídeos. “No primeiro dia as pessoas foram uns cocksuckers [‘boqueteiros’, na falta de uma tradução melhor]. Não sejam assim.”
A fórmula do repertório do vocalista é clara: alguns poucos hits não-óbvios da banda (ou seja, nada de “Alive” ou “Even Flow”), bastante dos discos solo e algumas covers que variam bastante. Nessa noite, a terceira música já foi “Brain Damage”, do Pink Floyd, logo depois de “Long Road”, do Pearl Jam, tudo na voz e guitarra.
Quando mudou para o ukulele, ele contou – lendo uma anotação em português – sobre como conheceu o instrumento depois de uma decepção amorosa, lembrando que “ele não ficou com ciúme quando conheci minha futura esposa – e isso é o sinal de um verdadeiro amigo”. A comunicação com a plateia foi constante nas quase 2h30 de show. Um fã de voz grave que aparentemente estava presente nas noites anteriores ganhou o apelido de “Deus”, o que levou o músico a reflexões religiosas. “Quando eu estava crescendo, meus deuses eram Pete Townshend e Joe Strummer. Fico pensando se Deus tem uma voz tão boa quanto a de Joe. Quero descobrir. Tenho tantas perguntas…”
Em outro momento, ele conversou com um fã, que pedia insistentemente “Hunger Strike”, do Temple of the Dog. “Olha só: não tenho o telefone dele, mas se você ligar pro Chris Cornell e ele vier para cá na próxima hora, eu toco. Ninguém consegue fazer aquele agudo fora ele. O que só prova que ele é o diabo.” E emendou uma longa história sobre como Cornell estava na primeira apresentação do Pearl Jam e, depois do show, fez elogios emocionados –mas como estava embaixo de uma luz negra que o deixava com os olhos brilhantes e dentes dourados, “a melhor resenha que eu já tinha recebido veio de satanás – e às vezes é bom ter satã ao seu lado”.
Antes de tocar “Love Boat Captain”, do Pearl Jam, ele revelou que era um pedido de “alguém que encontrei na rua”. Em outro momento, mostrou uma entrada para o show do Ramones no Olympia, em 1996, presente de um fã (Vedder estava acompanhando a banda na turnê, e foi a primeira vinda dele ao Brasil). Hansard voltou para tocar baixo em “Long Nights” e, mais tarde, para duetos em “Society”, “Falling Slowly” (“vou sentir falta de tocar essa”, confessou Vedder, que volta ao Pearl Jam logo mais) e “Hard Sun”. Em “Sleepless Nights”, a dupla cantou sem microfones, à frente do palco, em uma performance comovente (e para a qual o público colaborou com silêncio).
Comovente também foi o momento em que o cantor chamou ao palco um casal que havia noivado durante a apresentação da noite anterior, fazendo uma serenata particular para a dupla apaixonada. O músico nem tentava disfarçar os olhares vibrantes e sorrisos ao ver a felicidade do casal, que dividia uma cadeira ao lado dele. Já outra participação não teve o mesmo clima amoroso. Vedder decidiu convocar o tal “Deus” para cantar com ele, mas outra pessoa – no caso, um músico que se apresenta com o nome artístico Sérgio Vedder (juro) – subiu na maior cara de pau. Os amigos dele aplaudiram, parte do público vaiou. A dupla fez uma versão fria de “Should I Stay or Should I Go”, do Clash, o único momento dispensável da noite.
Tudo foi registrado por discretas câmeras GoPro, espalhadas pelo palco, e microfones posicionados também para captar o som da plateia. Disco ao vivo sendo planejado ou apenas registro pessoal? “Quando o Glen terminou o show dele, ele me disse: ‘o difícil é que agora qualquer show que vier nunca vai superar este’”, disse Vedder. “Então estamos pensando… Em alugar um apartamento e morar por aqui?”
A turnê continua com dois shows no Rio de Janeiro, domingo (11) e segunda (12). Depois de uma apresentação solo em Portugal, Eddie Vedder retoma a turnê do Pearl Jam, que passa pela Europa em junho e julho.
– Paulo Terron (@pterron) é jornalista. Assina o blog With Lasers (withlasers.blogspot.com.br/)
– As fotos do texto são da primeira noite de Eddie Vedder em São Paulo (06/05)
Leia também:
– Pearl Jam ao vivo no Brasil, Tour 2011: cinco shows, cinco textos (aqui)
Terron, vou te ajudar: “boqueteiro” é uma tradução muito palha pra cocksuckers. Na minha terra, o cara é um baita de um chuparola KKKKKKKKKK
“Boqueteiro” é o mais literal. Acho que daria pra traduzir como “pau no cu”.
Mas belíssimo texto. De dar dor por não ter visto o show.
O Pearl Jam e o Eddie Vedder sempre gravam os áudios dos shows e os lançam depois, em bootlegs.
Agora arrependido de ter perdido essa memorável noite!
Não conheço a carreira solo do Vedder, e nem sou tão fã do Pearl Jam p/ ter cogitado ir em um desses (caros) shows dele.
Mas, gostei tanto da resenha e da simpatia dele, que o show deve ter sido muito bom!
Adorei a parte sobre Townshend e Strummer, até postei no facebook agora:
https://www.facebook.com/DegradationTrip/posts/709020489156554
Essa foi a melhor resenha que li desse show até agora. Muito legal. Parabéns!
Sobre bootlegs, não existem de shows solos de Eddie, e, todos os vídeos dos shows solo, inclusive o postado aqui, são derrubados um a um pelo Ten Club
Paulo, achei bem legal também a revelação do Glen sobre como conheceu Eddie (no final de seu show) e logo depois o Eddie explicando isso (antes de LBC), foi algo bem emocionante…
A melhor resenha até agora, ficou demais o texto.. citando as noites em SP!
Foi realmente muito bom cada linha. Valeu!!
áudio de quase todo o show
https://www.dropbox.com/sh/goidjtvhj8dawge/AABSEJTIg3xM390yAxyiKYGVa