Meu nome é Lucas Paraizo, sou estudante de Jornalismo e estou realizando uma grande reportagem sobre como a internet mudou a maneira de consumir cultura – tratando especialmente sobre música e cinema. Aceita participar?
Como você avalia o impacto que os programas de troca de arquivos (que surgiram a partir do Napster) tiveram na maneira com que as pessoas consomem os produtos culturais?
A internet mudou a vida das pessoas em todos os sentidos, e ainda estamos nos adaptando, procurando maneiras de lidar com essa novidade, que já não é nem tão nova, mas a todo momento mostra algo absolutamente novo para nós. No caso da música, a mudança foi brutal, e ainda estamos nos recuperando do choque. A avaliação, no entanto, é positiva: as vendas de música caíram, mas as pessoas estão ouvindo muito mais música hoje em dia – e o surgimento do iPod e de ferramentas que tocam arquivos de música também tem um peso nisso. A questão então deixa de ser cultural (a música está morrendo? Não! Ela vive um de seus momentos mais valorosos) e passa a ser econômica: como ganhar dinheiro vendendo música? Há maneiras e maneiras, e nenhuma irá sobrepujar o auge da indústria, nos anos 80 e 90, mas é possível ganhar dinheiro sim produzindo música.
Você acha que a indústria da música já aprendeu a lidar com a internet, ao invés de tentar combatê-la?
Ainda não, mas está tateando. Sinto que ela começa a aceitar algumas práticas e tenta ir na onda do que acontece na web, ao invés de ir contra. No fundo, nenhum de nós sabe lidar com a internet ainda. A indústria da música é apenas um reflexo dessa nossa ignorância frente ao novo.
O caso do disco “In Rainbows”, do Radiohead, é bem emblemático quando falamos na relação entre artistas e internet no cenário musical. Você considera esse o exemplo mais relevante? A ideia do “pague quanto quiser” vale ser seguida pelos artistas?
Ela já é seguida, e tanto Bandcamp quanto Crowdfunding são exemplos práticos desta demanda, mas não podemos cravar que esse será o método a ser seguido. A verdade é que só existe uma única regra neste momento: não existem regras. Isso é extremamente libertário e permite que cada artista converse com seu público da forma que lhe convier. É hora de ser criativo.
Os sistemas de stream (como Spotify, Deezer e Rdio) se popularizaram bastante nos últimos anos, e, enquanto alguns dizem que essa pode ser a saída contra os downloads ilegais, vários artistas afirmam que o modelo não é nada favorável para eles. Qual a sua opinião sobre esse modelo de serviço?
Tem prós e contras. A remuneração para os artistas é bastante baixa muito porque uma burocracia imensa foi criada nos últimos 60 anos para reconhecer uma obra musical. Entre o momento que o compositor compõe a canção e você a ouve em sua casa, dezenas de atravessadores passaram pelo caminho retirando uma fatia da renda dessa obra. Mais do que discutir a viabilidade dos sistemas de streaming (que estão funcionando hoje, mas podem cair em desuso amanhã, como milhares de coisas na web) é preciso discutir o valor da obra artística, quem deve ganhar com ela, e quanto. Não basta o artista reclamar da indústria, tem que ir atrás de seus direitos.
Sobre os downloads ilegais (principalmente de música e filmes), como você avalia a importância deles na disseminação cultural?
Europa e Estados Unidos ainda tem mercados sólidos, um misto de cultura pelo que é correto (lógico, há desvios) e força da lei. No Brasil, onde reina a Lei de Gerson e a indústria musical está falida como objeto de disseminação de ideias da indústria cultural, o download ilegal transformou-se numa maneira útil para que grande parte dos artistas alcance um determinado público. Acho de extrema importância para este novo mercado, uma ferramenta valiosa de conhecimento. E ao contrário do que muita acha, o download gratuito não diminui às vendas. Muitas vezes acontece o contrário.
Já é possível perceber uma nova geração de consumidores de cultura aparecendo, formada por jovens que, graças a internet, não sabem o que é não ter praticamente todo o conteúdo desejado disponível online. Que efeito isso pode ter no cenário cultural, e, consequentemente, na sociedade?
Ainda acho cedo para discutirmos esse cenário porque a internet de alta velocidade não tem nem 15 anos no Brasil (ela começou a se popularizar de verdade em 2000). Então todos os jovens ainda são afetados por seus pais, mesmo que eles tenham um contato cada vez maior com a internet. Eles veem discos, CDs, DVDs, vitrolas, disc-man e outras coisas, há ainda uma ligação. A mudança drástica, creio eu, irá acontecer três gerações para frente, quando os bisnetos dessa molecada crescerem em um mundo que pouco deverá ter do que é hoje. Até lá, as coisas vão continuar mudando, mas não creio em tsunamis, e sim em fortes chuvas aqui e ali.
A Amanda Palmer falou durante um evento no ano passado, comentando sobre os seus projetos independentes na música, que as pessoas vêm fazendo a pergunta errada quando se trata de arrecadar dinheiro com arte. Ela disse que o certo não é obrigar o pagamento, mas sim deixar que as pessoas paguem se for interessante para elas. Esse comentário se relaciona bem com vários projetos que vimos recentemente no Brasil, com artistas lançando seus álbuns gratuitamente na internet ou em projetos de crowdfunding, como o do Apanhador Só. Seria esse o futuro dos projetos artísticos na era da internet? Com menor participação de gravadoras/produtoras e mais realização focada, direto do artista para o seu público?
Creio que sim. A Amanda foi bastante perspicaz em sua observação. Não podemos esquecer que o sentimento de posse é inerente ao ser-humano: ele gosta de ter o objeto, de toca-lo, de vê-lo. Os downloads devem aumentar, os portais de streaming também, mas as pessoas vão continuar consumindo cultura porque isso as define. A camisa do Wilco que eu uso é um código que traz em si diversas ideias. O CD do Apanhador Só não é só um disco de acrílico e papel, há revolução ali, e as pessoas ainda estão interessadas nisso. Creio que, cada vez mais, o ser-humano precisará de fichas que o definam em uma sociedade cada vez mais caótica. Dessa forma, a música é uma escolha tão emblemática quanto religião, seu time de futebol e seus pratos preferidos. Tudo isso junto (e muito mais) forma a nossa personalidade. Acho que não conseguiremos nos livrar destes valores tão cedo.