Texto por Fernando Silva
Fotos por Ricardo Biserra
No palco, Marcelo Jeneci parece querer levar a plateia a um passeio musical. E o segundo dos três shows de sua minitemporada no Sesc Pompeia, em São Paulo (no sábado, 18/01), foi uma pequena demonstração disso. Sem vergonha alguma de olhar para o Brasil, ele percorre um caminho leve e denso durante a apresentação. Não se trata, porém, apenas de boas intenções; aos poucos, a estrada se alarga.
Na primeira canção da noite, “Alento”, a banda de Jeneci entrega uma versão correta da faixa de abertura do álbum “De Graça”, lançado no final de 2013. Talvez um aquecimento, já que em “Nada a Ver” os músicos se mostram afiados num pop de primeira. Assim como na sessentista “A Vida É Bélica”, com citação a Caetano Veloso e um quê de Pink Floyd.
Na sequência, o hit “Pra Sonhar”, do disco “Feito Pra Acabar” (2010), ganha força ao vivo. O discurso romântico, casado com guarânia e uma porção de rock, levanta voo com a voz de Laura Lavieri. E Jeneci ainda infiltra até o vanerão em seu solo de acordeão. Estaríamos, portanto, vendo e ouvindo música caipira bem ali à nossa frente?
Termos e definições logo se desconstroem quando canções como “Tudo Bem, Tanto Faz” e “Pra Gente se Desprender” invadem o recinto. A primeira, a respeito do cidadão que trabalha demais e (sobre)vive na cidade, é pontuada pela guitarra de Estevan Sinkovitz e a sanfona de Jeneci. Na segunda, os contornos épicos, reforçados pelo arranjo orquestral assinado por Eumir Deodato, transformam-se e resvalam no gospel.
Em ambas, a interpretação de Laura Lavieri é precisa e tranquila. Simples tal qual seu transparente vestido azul celeste. Simples também como a homenagem a Luiz Gonzaga (1912-1989) em imagem projetada no fundo do palco, no início da roceira e deliciosa “Temporal”.
O aceno à história da música brasileira aqui não é gratuito. A cover de “Vamos Passear de Bicicleta?”, de Hyldon, acelera o ritmo do show – em uma trinca completada com “Pense Duas Vezes Antes de Esquecer” e “Sorriso Madeira” – e evidencia as raízes de Jeneci.
Aos 31 anos, o cantor e compositor vem cultivando a própria árvore tanto com elementos da Tropicália, do BRock dos anos 1980, do sertanejo e do forró quanto com pitadas de artistas como Guilherme Arantes e Roberto Carlos (e, mais recentemente, com psicodelia, seja a dos Beatles, seja a do Tame Impala).
Entre os frutos há “De Graça”, divertida espécie de tecnobrega que encerra o bis e o show. Mas antes dela, e em meio a alguns tímidos pedidos do público, surge “Felicidade”. Em um mundo de discriminações e de pobreza material e mental, à vista por aí todos os dias, não deixa de ser reconfortante escutar alguém cantar sobre as alegrias mais singelas. Dessas com que qualquer um pode se deparar.
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Confesso que a primeira vez que ouvi Felicidade, embora tenha até simpatizado com a música, achei que se tratava de um novo “Jorge Vercilo\AnaCarolina desses da vida” e nem me animei em ouvir o disco. Graças a uma amiga que tinha “baixado” ouvi e percebi que estava errado. É um artista de qualidade que tem potencial e merece mais reconhecimento. Tomara que consiga.