Entrevista: Finlândia
Conexão Latina por Leonardo Vinhas
Quatro discos, dezoito países e muitas milhas acumuladas, tudo isso em menos de quatro anos de banda. A matemática do duo Finlândia só impressiona menos que sua música, que passeia pelo folclore da América do Sul (e de uns outros países “forasteiros”) e chega ao ouvinte acompanhada de muitas texturas e soluções eletrônicas.
Raphael Evangelista (violoncelo) e Mauricio Candussi (acordeão, piano e programações) continuam morando em países separados (o primeiro em São Paulo, e o segundo na argentina Córdoba), tal como era ao se conhecerem, mas a música e a estrada os mantém unidos. É mais correto dizer até que a estrada lhes é mais domiciliar que os próprios lares, já que a banda conseguiu uma agenda agitada de turnê após turnê, destoando de todo o chororô que permeia a produção independente de seus países de origem.
Bons de palco, o Finlândia exibe habilidade semelhante para gerir sua carreira. Raphael e Mauricio vivem da banda, e são seus próprios empresários e roadies. Da mesma forma, souberam criar laços entre produtores, o que fez com que sua música fosse ouvida ao vivo por plateias da América do Sul, América Central e Europa. E é ao vivo mesmo, com a peculiar habilidade de Raphael ao violoncelo e a versatilidade de Mauricio com suas teclas, que a mescla de saya, huayno, candombe, baião, frevo e outros ritmos ganha força, subvertendo as tradições folclóricas ao mesmo tempo em que as homenageia.
O Scream & Yell chamou a banda para uma conversa na qual foi possível repassar a breve e intensa trajetória do duo. O papo rolou, como convém ao ritmo da banda, no lobby de um hotel em Porto Alegre, dois dias após a apresentação da banda no festival El Mapa de Todos 2013. O duo se apresenta em São Paulo no próximo domingo, 08/12, dentro da programação especial da Semana Internacional de Música, a SIM (mais informações aqui). Confira o bate papo:
De que forma começou a história de dois caras de países diferentes começarem a tocar juntos?
Raphael: Eu tocava com uma banda de rock de São Paulo chamada Dilei, e em 2009 fui fazer uma turnê por Argentina e Chile. O MySpace era bem forte na época, e por meio dele marcamos de tocar com uma banda que era bem famosinha em Córdoba (Argentina), Los Cocineros. Conheci o Mauri lá, ele era dos Cocineros, mas já tinha começado o Finlândia, que era um projeto experimental dele – por isso o nome Finlândia, porque era uma coisa bem melancólica.
Mauricio: Nesse mesmo ano eu viajei com os Cocineros, e eu e o Rapha começamos a gravar algumas coisas em hotel. Em 2010 eu viajei pra São Paulo com a [cantora] Sol Pereyra, e foi aí que eu e o Raphael começamos a gravar algumas coisas.
Raphael: A banda nasceu em 1º de julho de 2010, e o primeiro show foi em Santiago, no Chile. A ideia era fazer só mais dois shows em São Paulo, mas acabou que tivemos muitos convites e a turnê acabou tendo 53 shows! A gente viu: “isso tá dando certo”, e decidimos continuar. Desde então não paramos, e é por isso que a gente tá aqui nesse hotel, continuando a viagem (risos).
Vocês conseguem manter a regularidade de ter shows todos os meses?
Raphael: Sim. E parece que 2014 vai ser o ano mais intenso, a gente praticamente não volta pra casa. São agendas de SESC, centros culturais e tal, que muitas vezes se chocam. Mas a frequência é constante. Já passamos por 18 países. Esse formato de dois caras viajando torna tudo mais fácil e é mais sustentável, e esse roteiro contínuo também colabora.
Isso torna inviável projetos paralelos, suponho.
Raphael: Quando a gente para, até dá. Nesses dois anos que fiquei morando em Pelotas [Raphael estava em processo de mudança no período da entrevista], eu tocava até em CTG (risos – CTG é a sigla para os centros de tradição gaúcha, comuns no interior do país). Eu toquei num grupo de arte circense, mas o Finlândia ocupa a maior parte do tempo, e não há disponibilidade nem cabeça para muitos projetos paralelos.
Pelo que eu vi no El Mapa de Todos, o show é bastante dançante. A ideia lounge inicial foi descartada?
Mauricio: Nem tanto. Quando o show é um pouco mais extenso, apresentamos coisas um pouco mais tranquilas nos primeiros quinze ou vinte minutos. Depois o show começa a “subir” e fica dançante.
Raphael: Porque se não for assim, você mata todo mundo do coração ou faz cortar os pulsos (risos).
Mauricio: Começamos a experimentar com ritmos que não são muito conhecidos fora de seus países, só músicas de Carnaval – do Brasil, da Argentina, do Chile e do Peru. Coisas alegres, para dançar. E tudo foi ficando bem dançante. Esse último disco é assim. Isso veio da nossa vontade de experimentar, claro, mas também de gostar de fazer as pessoas dançarem ao som de música instrumental, é um desafio interessante!
Imagino que o público europeu veja vocês pelo lado do exotismo…
Raphael: Sim!
…mas por aqui, no nosso Brasil, a coisa esbarra mais no desconhecimento. O cara que está lá na plateia vê o violoncelo e pensa: “tango!”. Mas a gama musical de vocês vai além. Vocês têm essa pretensão, essa proposta de querer esclarecer isso, de educar esse sujeito?
Raphael: Sim. O show do El Mapa foi meio atípico: como o tempo era curto, a gente foi meio naquela de (agitando os dedos) “vamos com tudo”. Mas a gente está vindo agora de uma turnê pelo Nordeste que teve muitos SESCs. Então eram teatros, e dava para fazer shows mais explicativos: “A gente agora vai tocar um huayno”. É legal posicionar as pessoas em relação à sonoridade e de onde ela vem. Mas no fim todo mundo é meio vizinho, são países que estão do nosso lado e desconhecemos a música. Eu mesmo não conhecia alguns dos ritmos que a gente toca hoje, e vim a me apaixonar por eles. A gente dá prioridade a coisas que não são tão “for export” como o tango e a bossa nova. Buscamos mais coisas como um baião, por exemplo, que o pessoal não ouve na Argentina. Vamos atrás dessas coisas mais regionais, mais extremas, e é isso que eu acho massa! Você vê a galera lá no interior do Ceará dançando uma milonga, que nunca tinham escutado, o velhinho puxando uma velha… Foi demais aquilo!
E isso não precisa parar na América Latina, né? Acredito que possam entrar mais coisas, do Leste Europeu talvez…
Mauricio: Já entrou! No último disco tem uma espécie de polca, gravamos com um acordeonista finlandês (Antti Paalanen, em “Avopain”). É folclore finlandês, parece polca, mas não é. Gravamos com uma cantora russa (Jelena Jangfeldt-Jakubovich, que empresta a voz a “Yegorushka”), uma espécie de flamenco russo.
Raphael: E teve um DJ japonês que fez uma loucura sonora maravilhosa com nossa música!
E como vocês conseguiram essa agenda mundial?
Raphael: A gente tem uma rede de produtores. No princípio, ficávamos buscando oportunidades, agora já temos convites. Então ficamos mais gerenciando datas agora.
E como vocês veem iniciativas como a do El Mapa de Todos, que une estilos musicais diferentes?
Raphael: (empolgado) Demais, cara! Porque é exatamente a cara do que a gente procura fazer. Você vê, terminou o show do Esteban (Copete), a gente entrou pro camarim e ele falou: “A gente tem que fazer algo juntos!”. E conecta! Conecta a música e os músicos…
Mauricio: Sim, é isso mesmo!
O tipo de som vocês é difícil de registrar em disco. Para virar uma maçaroca na mão de técnicos e produtores menos sensíveis, não precisa muito. Como vocês fazem para zelar pela qualidade sonora do registro – e também ao vivo?
Raphael: Depende muito do evento. Em janeiro vamos tocar no Teatro da Caixa, e lá temos a possibilidade de levar videomapping, técnico de som próprio… Mas quando é em formato reduzido, só nós dois, a gente dá uma conversada com os técnicos, para pontuar que as bases não são bem bases, são como se fossem um outro músico, pedimos maior preocupação com os graves… É bem difícil, um desafio às vezes. Até para rotular. Já nos chamaram de “folk eletrônico”, a agência na França falou que é um “world elétrico”… (risos) É uma coisa nova, ajuda muito a vender, a chamar gente pela curiosidade, mas também tem o outro lado: é uma barreira, poxa. Tem uma identidade meio nova, para assimilar tem que prestar atenção… O cara vê o violoncelo e pensa: vão tocar um Bach aí…
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yel
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