Texto por Tiago Agostini
Fotos por Flávio Charchar
Uma noite mineira em São Paulo, com show de Graveola e o Lixo Polifônico e Fernanda Takai. Assim, depois de 13 anos rodando o Brasil – em especial Minas, Bahia e Pará –, o Conexão (ex-Conexão Vivo) desembarcou em São Paulo para uma extensa programação que culminará em uma série de shows gratuitos na Praça das Artes, em 23 e 24 de novembro, trazendo para a capital paulista o que o projeto tem de melhor: encontros entre gerações de músicos e ocupação de áreas livres da cidade. Nesta noite, por exemplo, Graveola receberia O Terno no palco enquanto Fernanda Takai convidada Roberta Campos.
Abrindo os trabalhos, o Graveola e o Lixo Polifônico subiu ao palco do Auditório Ibirapuera para lançar seu primeiro DVD, “Graveola – Ao vivo no Palácio das Artes”, gravado em Belo Horizonte, 2012. Um dos principais nomes da efervescente cena que agita Belo Horizonte, o Graveola é também representante de uma geração que aprendeu a processar as diversas influências e ritmos musicais do passado resultando em uma nova música brasileira fresca e atual. Tradição e tecnologia andando lado a lado, marcados o tempo inteiro pelo baixo preciso e versátil de Bruno de Oliveira, capaz de dar todos os climas que as músicas precisam.
Abrindo a apresentação, os mineiros usaram “Farewell Love Song”, um exemplo perfeito da mistura do Graveola. “Deixe estar que a gente vai sobreviver”, cantam, de forma suave, os vocalistas José Luis Braga e Luiz Gabriel Lopes, em uma balada que atualiza a lírica e a poética da música tradicional mineira usando toques de forró e camadas bem construídas de guitarras. O set trouxe ainda quatro músicas novas: a climática “Back In Bahia”, “Mint Sun Drops” (do repertório do projeto Tião Duá), “Vozes Invisíveis” e a gilbertogiliana “Maquinário”, todas previstas para o próximo disco da banda.
Uma pena que o show tenha sido no belo, mas sisudo, Auditório Ibirapuera, pois o Graveola produz uma música leve e lúdica perfeita para se ouvir com um copo americano cheio de cerveja em clima de roda de amigos. O delicioso sambinha “Desdenha”, por exemplo, que fez as cadeiras balançarem no teatro, implora para ser acompanhado por um grupo de garotas rodando seus vestidos na pista. Ou então o samba-rock suingado “Babulina’s Trip”, que encerrou a parte dos mineiros da apresentação. Se puder, viaje a BH para um show do Graveola. Jogando em casa, com um público a favor – e as mineiras na plateia, óbvio –, a mistura sonora da banda fica ainda mais gostosa, quase tão boa quanto mexidão e tutu.
Foi só então, após um set de quase 40 minutos, que o Graveola trouxe ao palco o trio paulistano O Terno, promovendo os encontros musicais que são marca do Conexão. Casamento praticamente perfeito no palco, a eletricidade d’O Terno completou a brasilidade do Graveola em cada uma das canções interpretadas: a cover de Gil – olha ele de novo – “Crazy Pop Rock” e as deliciosamente divertidas músicas de desamor “Enterrei Vivo”, dos paulistas, e “Blues Via Satélite”, dos mineiros, do verso contemporâneo “eu não tenho seu e-mail / ninguém ama somente por e-mail”.
Antes de ir embora, as bandas finalmente conseguiram interagir com o público, que demorou toda a apresentação para se soltar e gritar com pedidos de beijos e músicas. Ainda teve tempo para Luiz, do Graveola, mandar um abraço a todos os membros do Movimento Passe Livre, confirmando que, além da inspiração musical, esta geração assimilou o lado político de seus antepassados tropicalistas e se tornou a música da revolução. Em tempos de Procure Saber, isto é um enorme alento.
Para a segunda parte da noite, melhor esquecer tudo que você sabe sobre a carreira de Fernanda Takai. Pela primeira vez em mais de 20 anos, a cantora não está escudada no palco pelo marido e guitarrista John Ulhoa – e isso faz uma grande diferença. Preparando o segundo disco solo – anunciado oficialmente na noite –, a cantora utilizou o palco do Ibirapuera para testar uma nova banda, formada só por meninas – Mônica Agena (guitarra), Nath Calan (bateria), Camila Lordy (teclado e vocais) – e o baixista Thiago Braga, único remanescente da banda que acompanhava Takai antes, devidamente trajando um kilt para se enturmar.
Quando lançou “Onde Brilhem os Olhos Seus”, seu disco de interpretações de Nara Leão, Fernanda falou repetidas vezes que não planejava uma carreira solo. Não fazia sentido para alguém com uma carreira solida e de sucesso com o Pato Fu se aventurar longe da banda, mas o carisma e a figura de Fernanda parecem ter se sobreposto a esta convicção. Assim, a cantora parece fazer a única coisa possível no momento: se distanciar de John – afinal, as musicas que ele tão bem aprendeu a compor para ela devem entrar em um prometido novo disco da banda.
Em momento de transição, melhor não arriscar muito. Assim, o repertorio é uma das poucas coisas familiares em cima do palco. Fernanda passeia pelos melhores momentos de seu projeto homenageando Nara – “O Barquinho”, “Diz que Fui Por Aí” –, as boas covers utilizadas na turnê passada – “Bem”, de Michael Jackson – e uma boa releitura de “Mesmo Que Seja Eu”, de Erasmo Carlos. Sem fugir dos arranjos que usava na turnê “Luz Negra”, a cantora facilita o trabalho para a banda, possibilitando a boa performance da guitarrista Mônica Agena.
E se a noite era de quebrar promessas, também vieram no setlist duas do Pato Fu: “Por Perto” – “Porque afinal eu a compus”, brinca – e “Antes que Seja Tarde”, escolha da convidada Roberta Campos e cantada em dueto com a mineira. Fernanda e Roberta ainda se uniriam na bela “De Janeiro a Janeiro”. Se outra coisa permaneceu, aliás, foi a simpatia e o domínio de palco de Fernanda. “Minha empresaria me disse hoje que meu negocio agora é brega e pop. Tô bem?”, brincou antes de tocar sua versão de “Debaixo dos Caracóis dos seus Cabelos”.
Fernanda ainda tocaria “Menino Bonito”, de Rita Lee, conexão indireta com Os Mutantes, a quem o encontro do Graveola com O Terno foi comparado no saguão após o show, assim como o Pato Fu também foi comparado, há 20 anos, com o trio dos irmãos Dias. “Não subi no palco antes com os meninos porque não tivemos tempo de preparar nada”, disse Fernanda durante seu show, saudando os representantes de uma nova geração. A noite mineira com toques paulistanos serviu para mostrar que a música brasileira se retroalimenta e continua bebendo nas mesmas fontes. Sonoramente, ainda bem.
– Tiago Agostini (@tiagoagostini) é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2006
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Tem um erro na matéria, “De janeiro a janeiro” não é do Nando Reis. Essa música foi lançada no primeiro álbum independente da Roberta Campos, todo composto por ela. No segundo disco, quando ela assinou com a Deck, a música foi regravada com a participação dele.