Boteco: Três excelentes cervejas caseiras

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por Marcelo Costa

Quando fui presenteado com duas garrafas da Zap Firebird Lovers em março, a orientação do cervejeiro caseiro Willian Fernando Petla, de Joinville, era simples: “Beba uma logo e deixe a outra descansar uns seis meses”. A primeira foi consumida em abril, e surpreendeu. Willian queria fazer uma cerveja que fosse “forte no álcool, mas que 1) fosse fresca e 2) fosse fácil para harmonizar”, e o resultado (na primeira prova) foi uma Golden Strong Ale de muita responsa, alcoólica e bastante adocicada (perfeita para uma harmonização em contraste ou até mesmo acompanhando uma sobremesa). Seis meses depois, a sensação de que o álcool está mais intenso surge assim que a garrafa é aberta, e dispersa notas frutas e alcoólicas. Na taça, a coloração segue entre o dourado e o âmbar, com creme de boa formação e longa permanência (com direito a rendas belgas). O aroma, ainda especial, parece mais intensificado nesta segunda prova (do mesmo lote), e a força do álcool acompanhado do melaço do malte remete a cana de açúcar (quando se quebra a cana), sensação que se sobressai sobre as notas frutadas presentes na primeira prova (abacaxi e banana, ainda presentes). No paladar, a textura é sedosa, quase licorosa, e a doçura parece saltar a frente da acidez, que bate alcoólica no céu da boca. As notas frutadas percebidas na primeira vez continuam presentes (banana e pêssego em calda), e o que remetia a chiclete seis meses atrás, agora se aproxima de mel. O final é longo, alcoólico e adocicado (o amargor, como era de se esperar, desapareceu), e, quando menos se espera, se transforma em retrogosto. Baita cerveja. A guarda melhorou o conjunto.

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A Walking Cat Brew Co., de São Paulo, é comandada pelo cervejeiro caseiro Marcio Kovacs, que resume sua inspiração: “Sempre que tomo uma breja boa penso em criar minha interpretação pessoal do estilo e boto na minha lista de ‘cervejas a serem feitas’. Organizar essa lista e decidir qual delas vai sair do papel é mais complicado”. Esta Wee Heavy, por exemplo, é uma Strong Scoth Ale que surgiu do namoro com dois ícones cervejeiros: a curitibana Bodebrown Wee Heavy e a Founders Dirty Bastards, de Michigan. Na taça, a Walking Cat Wee Heavy apresenta uma coloração preta, com feixes avermelhados no fundo da taça. O creme exibe bela formação e longa permanência. No aroma, assim que se abre a garrafa já é possível sentir algo que remete a baunilha e canela, e a sensação fica mais nítida com a cerveja na taça dispersando notas adocicadas (açúcar mascavo, melaço de cana) que se aproximam de frutas escuras (ameixa em calda) e trazem algo de amadeirado. “Fiz uma Obama Imperial Stout e curti o desafio de fazer uma breja mais forte e com utilização de especiarias”, conta Marcio, que colocou nesta Wee Heavy pau de canela que ficou descansando em “um restinho de cachaça artesanal de Lençóis Paulistas”, conta. O paladar, de textura sedosa e corpo de médio pra denso, surpreende positivamente por não ser tão doce quanto o aroma prenuncia. Os 8% de álcool ficam mais presentes conforme a cerveja aquece, mas estão muito bem inseridos. Baunilha, canela e melaço compõe o perfil de uma cerveja de final longo e envolvente, com um leve traço de defumado que remete a charuto e conhaque. O retrogosto reforça a canela e a baunilha. Para aquecer o peito.

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A Dead Panda Brew é responsabilidade do cervejeiro caseiro Alysson Steimacher, de Maringá, que já conta com três receitas no currículo: “A primeira foi uma Blonde Ale e a segunda uma Witbier. Depois dessas duas, bateu a vontade de fazer uma cerveja um pouco mais complexa”, conta Alysson, que optou criar, após passar por Bruxelas, uma dubbel que traz uma boa mistura de malte Pilsner com pequenas doses de Caramunich, Carared, Castle e aveia, mais lúpulos Goldings, East Kent e Saaz, e, ainda, adição de rapadura substituindo o candy sugar belga. Nascia a Maria Bonita. De coloração âmbar e belo creme bege, de ótima formação e permanência, a Maria Bonita traz no aroma uma forte sensação herbal (pinho e mate) acompanhada do dulçor do malte tostado e da presença da rapadura, que remete levemente a caramelo, melaço, aveia e frutas escuras. No paladar, a textura fica entre o sedoso e o fristante enquanto o corpo médio sugere aquecimento, e uma leve acidez (proveniente da união do leve amargor dos lúpulos mais os 6.8% de álcool) bate ponto no primeiro ataque ao lado da doçura (menos intensa do que numa dubbel tradicional), balanceando o início da dose. Assim que a cerveja se aconchega (caramelada pela rapadura e pelo álcool) é possível perceber nuances que remetem a frutas escuras e reforço das notas herbais presentes no aroma, e não tão comuns no estilo, mas ainda interessantes. O final é maltado, herbal e tão longo que se confunde com o retrogosto, marcante. Uma bela experiência, que Alysson não deve repetir: “É difícil manter um padrão com a rapadura, diferentemente do candy sugar”, diz o cervejeiro. Ela parece um pouco fora do estilo, mas é uma releitura bem interessante e agradável. Sem contar o rótulo, ótimo!

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