texto de Marcelo Costa
São Paulo, 18 de setembro de 2013. Os dezesseis integrantes da E Street Band entram no palco 10 minutos após as 21h, um a um, e a fila é encerrada por Bruce Springsteen. Uma barreira separa a extensa área vip da plateia comum, e cerca de 6 mil pessoas, o menor público de toda sua turnê (excetuando, claro, o primeiro show da tour, no lendário Apollo Theather, em Nova York) se preparam para a maratona de mais de 3 horas de duração que irá começar, mas Bruce pega todo mundo de surpresa.
Com riff mastigado de guitarra na introdução, a loura Soozie Tyrell nos chocalhos, e percussão emulando samba, Bruce abre o show cantando “Sociedade Alternativa”, de Raul Seixas, em versão big band. Boa parte do público parece não acreditar, e, ao final da canção, Bruce berra: “Essa foi pro Brasil”. É só a primeira música, e esse show já parece único. “We Take Care of Our Own”, o single do último disco, “Wrecking Ball”, vem na sequencia, e é bem recebida, mas é “Badlands” a primeira a incendiar o lugar.
A marcha celta “Death to My Hometown”, uma das canções mais emblemáticas de “Wrecking Ball”, serve para a E Street Band mostrar a que veio, e a banda não decepciona num arranjo que, no fim, se transforma em um soul poderoso, e que se emenda com “Spirit in the Night”, canção de seu primeiro álbum (de 1973), momento em que o moleque de 64 anos se joga sobre o público e é carregado pela audiência enquanto sua banda cria uma massa sonora musculosa e dançante.
“Darkness on the Edge of Town” e “Prove It All Night” surgem em arranjos vigorosos, e o som absolutamente perfeito que sai das caixas faz com que ninguém entre os presentes se lembre de que está em uma das casas com piores acústicas da cidade. Bruce então recolhe do público o primeiro cartaz da noite pedindo uma canção, e “No Surrender”, a letra que diz que “aprendemos mais com uma canção de três minutos do que jamais aprenderemos na escola”, emociona.
O homem não para no palco. Arremessa a guitarra para um roadie e começa a apertar as mãos das pessoas na primeira fila. Na lateral do palco, se emociona com algumas vovós (ele voltará a elas mais de uma vez durante a noite) enquanto acaricia a barriga de uma jovem grávida. No meio do caminho pega outro cartaz: um cara não só escreve que quer ouvir “Bobby Jean” (do multiplatinado “Born in the U.S.A.”, de 1984) como também quer a palheta após a canção ser tocada, e os dois pedidos são atendidos.
Outro cartaz e Bruce deixa a audiência cantar a primeira parte inteira de “Hungry Heart”, a canção que ele escreveu para os Ramones – mas seu empresário o impediu de dar o presente: ela viria a se tornar o primeiro single da carreira de Bruce a bater no Top 5 da Billboard. No meio da música, caminha pelo público, recebe um copo de cerveja de algum fã e, sem pestanejar, vira inteiro. “The River”, com a gaita ecoando em todo o ambiente, emociona, e o clima denso segue com “American Skin (41 Shots)”, canção sobre quatro policiais a paisana de Nova York que dispararam 41 tiros sobre um jovem negro desarmado em 1999.
Vídeos feito por M. Franklyn
“Because the Night”, parceria clássica com Patti Smith, leva a plateia ao delírio e “She’s the One” rende outro momento inesquecível: Bruce olha um cartaz e sorri; ele espera a virada melódica do arranjo da canção para pegar o tal cartaz e mostrar para a banda e para o público: “Boss, let me ask her to MARRY ME in your stage! She’s the One”. O Chefão então puxa para o palco o casal Rafaella e William, e o rapaz pede a namorada em casamento na frente de 6 mil pessoas. Ela responde sim e Bruce abençoa a futura união.
A sensação é de que cada momento da noite parece o auge do show, mas a canção seguinte sempre supera a anterior, e, com menos de duas horas de show, já há a certeza de que Bruce Springsteen está fazendo uma das melhores apresentações que essa pobre terra esquecida já viu. A banda é impecável, e o destaque de “Shackled and Drawn” (outra de “Wrecking Ball”) é a backing vocal Cindy Mizelle, que solta o vozeirão gospel tornando a canção mais um dos grandes momentos da noite.
Em “Waitin’ on a Sunny Day”, Bruce segue o roteiro tradicional de todos os shows, e pega uma garotinha da plateia para cantar o refrão. Ela fica toda tímida, balbucia alguns trechos da letra no microfone, e Bruce a coloca nos ombros. O trecho final traz “The Rising”, o hino “Thunder Road” e “Land of Hope and Dreams”, que encerra a primeira parte da noite após duas horas intensas. Muitas pessoas começam a deixar o Espaço das Américas enquanto Bruce, que não deixou o palco, começa o bis avisando que a próxima canção é sobre fantasmas que não nos abandonam, e toca “We Are Alive”.
Em certo momento, Bruce pede desculpas por ter demorado tanto para vir ao Brasil, e diz que voltará logo. A batida marcial de um de seus maiores hits toma o local com Bruce criticando duramente a nação que abandona seus filhos, e lamenta: “Nasci nos Estados Unidos”. Então surge “Born To Run”, em versão galopante e inesquecível, e “Dancing in The Dark”, em que o Chefão retira várias pessoas da fila do gargarejo para repetir no palco a dança que Courteney Cox eternizou no clipe. O bumbo da bateria e o piano marcam a entrada de “Tenth Avenue Freeze-Out”, e o público segue junto no ôôô.
Vídeo feito por M. Franklyn
O show já passa das três horas de duração, mas Bruce quer mais, e retira da cartola duas sensacionais versões, a primeira de “Shout”, do Isley Brothers, que transforma a pista (já com as luzes acesas) do Espaço das Américas em um enorme salão de dança. A pegada suingada continua com “This Little Light of Mine”, versão para uma canção gospel de 1920, momento em que Bruce aproveita para apresentar toda a banda, que se despede, enquanto ele, sozinho no violão, toca mais uma, “This Hard Land”, a última da noite.
No total foram 29 músicas em 3h17 (um minuto a mais ou a menos, dependendo do relógio) de show sem que Bruce deixasse o palco um segundo sequer. Encharcado de suor, água e cerveja, o Chefão fez em São Paulo aquilo que vem fazendo há muito tempo: um dos melhores shows do mundo. É um daqueles eventos em que o espectador não apenas observa a festa, mas se sente parte dela. Como escreveu Tony Parsons em 1978, “o dicionário de superlativos pode ser revirado”, mas não há como discordar: “Ele é o cara”. E a E Street Band é “a” banda. Um show inesquecível. Uma noite histórica. O melhor show da vida.
SET LIST
01) “Sociedade Alternativa”
02) “We Take Care of Our Own” (“Wrecking Ball”, 2012)
03) “Badlands” (“Darkness on the Edge of Town”, 1978)
04) “Death to My Hometown” (“Wrecking Ball”, 2012)
05) “Spirit in the Night” (“Greetings from Asbury Park, NJ”, 1973)
06) “Darkness on the Edge of Town” (“Darkness on the Edge of Town”, 1978)
07) “Prove It All Night” (“Darkness on the Edge of Town”, 1978)
08) “No Surrender” (“Born in the U.S.A.”, 1984)
09) “Bobby Jean” (“Born in the U.S.A.”, 1984)
10) “Hungry Heart” (“The River”, 1980)
11) “The River” (“The River”, 1980)
12) “American Skin (41 Shots)” (“Live in New York City”, 2000)
13) “Because the Night” (“The Promisse”, 2011)
14) “She’s the One” (“Born To Run”, 1975)
15) “Darlington County” (“Born in the U.S.A.”, 1984)
16) “Working on the Highway” (“Born in the U.S.A.”, 1984)
17) “Shackled and Drawn” (“Wrecking Ball”, 2012)
18) “Waitin’ on a Sunny Day” (“The Rising”, 2002)
19) “The Rising” (“The Rising”, 2002)
20) “Thunder Road” (“Born To Run”, 1975)
21) “Land of Hope and Dreams” (“Wrecking Ball”, 2012)
Bis
22) “We Are Alive” (“Wrecking Ball”, 2012)
23) “Born in the U.S.A.” (“Born in the U.S.A.”, 1984)
24) “Born to Run” (“Born To Run”, 1975)
25) “Dancing in the Dark” (“Born in the U.S.A.”, 1984)
26) “Tenth Avenue Freeze-Out” (“Born To Run”, 1975)
27) “Shout”
28) “This Little Light of Mine” (“Live in Dublin”, 2006)
Segundo bis
29) “This Hard Land” (“Greatest Hits”, 1995)
Vídeo feito por M. Franklyn
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Leia também:
– Discografia comentada: Todos os discos de Bruce Springsteen, por Marcelo Costa (aqui)
– “Wrecking Ball”, retrato do lado podre das pessoas em arranjos suntuosos (aqui)
– A passagem da turnê “Wrecking Ball” em Trieste, na Itália, por Marcelo Costa (aqui)
– Três horas de Bruce Springsteen ao vivo em Roma, por Marcelo Costa (aqui)
Simplesmente fantástico!! Como o Mac colocou “uma das melhores apresentações que essa pobre terra esquecida já viu”!!! Pra mim ao menos, a melhor!! Show da vida!
Show da vida. ” The Spirit”, como disse o Boss.
fuck, e eu não pude ir =/
anyway, belo relato do show, espero que tenha sido inesquecível pra todo mundo que foi
Foi simplesmente impressionante. Que banda é essa!!! Não teve cenário mirabolante, não teve troca de figurino, não teve coreografias, mas o Bruce provou que é a verdadeira DIVA. Outra coisa MAC, foi proibida a venda de ingressos para menores de 30 anos?
Como assim? Eu tenho 27 anos e fui! E tinha um ou outro mais novo também…agora, menos de 20 anos acho que não tinha. Talvez porque a ultima vez que houve um contato de Bruce com os jovens foi quando eu o conheci, no “The Rising”, em 2001. Ele chegou a tocar na MTV, que na época ainda era bem relevante e tal. Depois disso, não houve mais renovação de público.
Quanto ao show, excepcional, mas não perfeito: longo e cansativo demais, deixando uma ou outra “barriga”; talvez pudesse ter 2h30. Para isso, bastava cortar as músicas 12 a 16, que acho que poucos reclamariam (adoro “Because The Night” e foi foda no show o solo do Nils, mas enfim…), e há inúmeros clichês nele, que apesar de parecerem espontâneos não são. Claro, o saldo é positivíssimo, mas acho importante também pontuar um ou outro ponto negativo.
Quanto a show da vida, tenho dúvidas entre esse do Bruce e o do R.E.M. no Via Funchal em 2008…
Eu tenho 18 e fui, estava na boca do palco. Perto de mim, estava um garoto que tinha no máximo uns 13 anos. Sem contar a garotinha, que cantou Sunny Day.
Amigos bruno e leandro, sei que tinham pessoas com menos de 30 anos. Só quis dizer que a maioria do publico presente no show era digamos mais madura. eu tenho 31 e foi e me considero jovem apesar das dores no pé após ficar quase 4 horas sem sentar. Ocorre que a música do Bruce para mim soa atemporal e sem faixa etária, e ao meu ver nossos jovens não se interessam por um artista e uma banda como a que vimos na quarta. em comparação a outros shows o publico era realmente mais velho. isso não é uma critica, foi só uma constatação.
Eu estava la, mais ao fim do show Bruce me da um beijo e um abraço quando me ve chorando. Foi incrivel
Então Thiago. Dois anos depois, estou respondendo hahaha.
Venho acompanhando de perto e acredito que agora o Bruce tenha uma boa proporção de público jovem no Brasil, principalmente depois do rock in rio. Lembro que o show foi no sábado e na segunda-feira em uma escola que visitei me supreendi: duas meninas de aproximadamente uns 14/15 anos super entusiasmadas comentando coisas do tipo: “Nossa, você viu o show do Bruce? Íncrivel…”
É que é complicado tomar como parâmetro o show em si. O preço foi salgado (por ser em um lugar menor) e o horário é complicado para os menores arrastarem os pais pro show. Ainda mais em uma quarta-feira…
Acho que só vamos ter uma melhor visão disso quando ele anunciar uma volta ao Brasil e olharmos a repercussão, que na minha opinião, será bem maior que a última vez.
Alguns viveram o BOOM causado pelo Born In The USA e agora estamos vivendo o BOOM causado pelo Rock in Rio. Mas pra chama não ficar fraca de novo, ele tem que manter contato. Volta, Bruce! 🙂
O foda é que para alguns o show da vida a ser lembrado a partir de agora é Queen + Adam Lambert.
nao tive a sorte de estar nesse primeiro show, mas tive a sorte de vê-lo no rock in rio, com o born in the usa inteiro, mas babei nessa crônica do show de sampa….aqui vai a minha impressão do inesquecível show do rock in rio https://umcadinhodesongs.blogspot.com/2013/09/o-pastor-em-acao-uma-experieencia.html