por Marcelo Costa
Pode um filme ser estilisticamente maravilhoso e, ao mesmo tempo, absolutamente tedioso? Chato? Sim. Principalmente se o cineasta em questão for Terrence Malick, norte-americano com uma carreira de mais de 40 anos marcada por uma obra personal que, em 2011, dividiu opiniões com “Árvore da Vida”: uns amaram (o filme saiu do Festival de Cannes com o Palma de Ouro); outros odiaram (pretensão, a que me tens de regresso). É quase impossível manter-se alheio ao cinema de Malick.
“Amor Pleno” (To the Wonder, 2012) é mais 113 minutos de Malick em estado bruto. Desta vez, ele não quer contar a história da humanidade, apenas de um casal (e mais três ou quatro personagens) aparentemente perdido entre o amor carnal e o amor sacro. O tom, como era de se esperar, é grandiloquente e pretensioso: “Amor Pleno” não traz diálogos, apenas uma narração em off que busca pontuar as cenas, migalhinhas de pão em meio a um estranho (e por vezes bonito) exercício de estética.
A trama gira em torno de Neil (Ben Affleck mudo parece um grande ator) e Marina (a ex-modelo ucraniana Olga Kurylenko, que já foi uma bond-girl e, em alguns momentos, lembra Fiona Apple). Neil é um norte-americano viajando pela Europa que se apaixona pela lindíssima francesa Marina, que é mãe da pequena Tatiana. Os dois vivem um pequeno romance europeu (com direito a belas paisagens da Normandia) até que o rapaz a convida para ir morar com ele nos Estados Unidos, mais precisamente em Oklahoma.
A mudança de cenário é quase um trauma. Os monumentos parisienses e os grandes parques dão lugar para uma paisagem aparentemente rural de uma pequena cidade norte-americana em que nada, absolutamente nada acontece. A filha não consegue se enturmar na escola, o relacionamento degringola e só resta a Marina dançar, e ela faz isso praticamente o filme inteiro enquanto a câmera, na contraluz, filma céus, sóis, copas de árvores (quando não está filmando lagos, riachos e oceanos).
A história ainda destaca, paralelamente, o interessante microcosmo do Padre Quintana (Javier Bardem), que começa a ser corroído pela dúvida da existência de Deus, e o reaparecimento de uma ex-namorada de Neil, Jane (Rachel McAdams), no momento em que ele vive uma crise com Marina, criando um interessante duelo de personalidades: de um lado a (loura) norte-americana que, mesmo com o coração partido e a vida (falida) em cacos, transmite firmeza e segurança; do outro a (morena) francesa sonhadora.
Nada é tátil em “Amor Pleno”, e tudo se repete. Após a primeira meia hora, em que o espectador está se acostumando à narrativa e conhecendo a história, “Amor Pleno” flui. A segunda metade, porém, nada acrescenta a primeira e torna o filme maçante e desnecessário ao ponto de tornar-se uma tarefa inglória suportar os últimos 20 minutos. Há pessoas que não se entediariam tanto em duas horas numa fila de banco, assistindo a um show do Kings of Leon ou ouvindo três vezes o disco da Clarice Falcão.
Ainda assim, mesmo que alguém saia do cinema odiando o filme, uma coisa é impossível de negar: a fotografia é esplendorosa (embora alguns fotogramas pareçam sobras descartadas de “Árvore da Vida”, não se preocupe, não há dinossauros, apenas búfalos) e consegue o mérito de ser nada óbvia quando o personagem em cena é uma das cidades mais fotografas e filmadas do mundo: dificilmente algum espectador terá visto em toda sua vida imagens tão belas e impressionantes sobre Paris.
Quase um power point pretensioso, “Amor Pleno” deixa a sensação de que Terrence Malick aposta demasiadamente na subjetividade, no (usando um termo popularesco) “jogar um verde”, e esquece o aparente tema central de sua própria história, no caso, a degradação (da fé, do romance, da natureza), e tudo se perde num vai e vem tão poético quanto bocejante. Há buracos na trama (Marina teve um segundo filho?), há imensos vazios preenchidos por belas imagens e, sobretudo, há falta de foco. E sobra tédio. Zzzzzzzzzzzzz
Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Fui assistir esse filme por acaso e, com meia hora, um terço das pessoas tinham saído da sala. Deveria ter feito o mesmo…
O filme tem tanto significado e conteúdo nas entrelinhas…
Malick merece ser aplaudido de pé por horas, dias, anos!
Um diretor tem que ter bolas para numa época tão mastigada cinematograficamente fazer esse tipo de cinema sussurrado, parado, repleto de poesia e arte. E o que ele mais tem são bolas!
Clap clap clap para o Malick.
Malick é um cineasta de outro mundo. Sua estética é forte e inspira a reflexão metafísica. Ainda bem que ele faz filmes assim, para muita gente.
Abs, Wlvr
Não concordo, Mac. Ouvir o disco da Clarice UMA vez já dá tédio. De resto, assino embaixo de tudo (Rs)