por Leonardo Vinhas
2013 marca os 30 anos de carreira dos Paralamas do Sucesso, banda essencial para o rock brasileiro. Em sua trajetória, Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone desbravaram, literalmente, a estrada, levando seu show a palcos no interior do país que nunca haviam visto bandas de rock, principalmente no Nordeste, quando estouraram na metade dos anos 1980. Essa década, na qual muitos queriam soar ingleses ou americanos, também foi marcada pela postura do trio, que não teve medo de trazer a música brasileira e africana para seu som, criando obras-primas como o reconhecido “Selvagem?” (1986) e o pouco comentado “Bora-Bora” (1988). Quando a distorção grunge imperava, o trio buscou inspiração no sofisticado pop argentino de Fito Páez e Charly García, e pagaram o preço por isso: o disco “Os Grãos”, de 1991, foi impiedosamente atacado pela crítica. Ainda houve um mergulho experimental em sonoridades nunca ouvidas por aqui no incompreendido “Severino” (1994) – um disco que o tempo vem revalorizando –, antes da banda retomar o frescor pop em “Vamo Batê Lata” (1995) e “9 Luas” (1996).
De qualquer maneira, do pop ingênuo de “Cinema Mudo” (1983), estreia fonográfica da banda, nada restou. Chamar a obra dos Paralamas de “consistente” é subestimar seu valor. De O Rappa a Nação Zumbi, de Jota Quest a Ivete Sangalo, são muitos os artistas que têm ou tiveram na banda um forte referencial. A trajetória do trio quase foi interrompida por uma tragédia: o conhecido acidente de Herbert Vianna com um ultraleve em 2001, que vitimou sua esposa e lhe custou o movimento das pernas. Com Herbert recuperado, lançaram três excelentes discos de estúdio – “Longo Caminho” (2002), “Hoje” (2006) e “Brasil Afora” (2009) – além de três ao vivo (quatro, se contarmos o registro de seu show no primeiro Rock In Rio) que, verdade seja dita, pouco acrescentaram à excelente discografia da banda.
Recentemente, encontrei João Barone para conversar com o baterista a respeito de seu trabalho como escritor – ele já lançou os livros “A Minha Segunda Guerra” e “1942 – O Brasil e sua Guerra Quase Desconhecida”. Nas quase cinco horas que passei com o músico, entre viagens de jipe e conversas em seu sítio em Araras (RJ), tive a oportunidade de tocar em assuntos referentes à banda. Foram horas de boa conversa: João não perde o encantamento pela música, que começou com os Beatles e o acompanha pelos anos. Também não se preocupa em dar respostas meticulosamente articuladas. Sua fala é fluida, como se fosse um papo numa mesa de jantar. Os trechos mais pertinentes desse papo estão presentes com exclusividade para o Scream & Yell, abaixo:
A turnê de 30 anos
“A intenção não é a de recuperar canções esquecidas do nosso repertório, como já fizemos em turnês passadas. É uma coisa de greatest hits mesmo. E tem sido muito bom, há tempos não ficávamos tão empolgados com o roteiro de um show. Meio que montamos o espetáculo em bloquinhos: as baladas, as mais pesadas, as mais rápidas, as com influência africana, as com cara de reggae… Tem funcionado muito bem para o público e para nós”.
A relação entre os integrantes nessas três décadas
“É óbvio que a gente já quebrou o pau algumas vezes. Ninguém aqui é escoteiro. Mas sempre houve muito respeito, muito entendimento. E o período pós-acidente teve uma coisa muito forte: nossa única preocupação era que o Herbert ficasse bem. Todos nos concentramos nisso. Em última instância, isso também nos renovou como banda. ‘Longo Caminho’ ainda tinha um clima pesado, mesmo com a maioria das canções tendo sido compostas antes do acidente. Ficou um disco meio sombrio. ‘Hoje’ é um disco no qual voltamos a nos encontrar como banda, tem uma sonoridade mais marcante.”
Material novo de estúdio
“Estamos ainda vendo o que vamos fazer. Tem umas coisas que sobraram do ‘Brasil Afora’, outras que o Herbert fez mais recentemente e que estamos pensando em burilar. Mas ainda não sabemos se isso vai virar um álbum. Estamos pensando em singles ou EPs, que provavelmente serão lançados pela internet. Andamos pensando se ainda vale a pena esse modelo de álbum. É um investimento muito alto, e o retorno não é proporcional. Se é para sair em turnê com coisa nova, talvez valha mais a pena disponibilizar esse material novo para download. Seja como for, será para 2014.”
O palco ontem e hoje
“Nossos shows tinham muito espaço para o improviso no passado, Herbert puxava uma canção fora do roteiro ou um cover e a gente seguia atrás. Após o acidente, ele ficou mais contido com isso. Essa turnê de 30 anos teve um pouco a intenção de estimular isso nele, estimular esse resgate. E em certa medida, tem rolado. Estamos fazendo ‘Whole Lotta Love’ antes de ‘O Calibre’, por exemplo, E às vezes pinta uma coisa nova, diferente.”
Por que tantas regravações em discos ao vivo (quatro nos últimos nove anos)
“Se você analisar as versões que estão presentes em cada disco, vai ver que elas são bem diferentes. Têm bandas que tocam as músicas exatamente iguais em todos os shows. Nós gostamos de fazer pequenas modificações, na forma, no andamento, e geralmente cada registro acaba ficando diferente do outro. Simples assim. Led Zeppelin e o Police mudavam tudo ao vivo, sempre gostamos disso neles.”
Carreiras-solo
“Quando o Herbert começou a compor umas coisas que não se encaixavam nos Paralamas, ele começou a mandar essas composições para outros artistas. Ele é muito criativo, inspirado, e isso foi crescendo. Ele precisou de um espaço para dar vazão a todas as coisas que ele criava e vieram os discos-solo. Eu e o Bi somos ‘autossatisfatórios’ (risos). O que a gente faz nos Paralamas já nos diverte bastante.”
A repercussão de “Brasil Afora”
“O disco foi feito sem contrato com gravadora. Com a EMI, tivemos apenas um contrato de distribuição, não teve essa coisa de adiantamento, verba para o disco, nada. Fomos nós quem bancamos. Eu acho que não vendeu nem 20 mil cópias. É estranho, tem músicas bem pop lá, tem a versão de ‘El Amor Después del Amor’, do Fito Páez, que ficou linda, uma das melhores que já fizemos. Passou em branco.”
O mercado brasileiro de música
“Não existe meio-termo entre o sucesso massivo e o underground desconhecido. Quando houver esse meio-termo, vai ser a descoberta da pólvora. Porque está claro que esse modelo hoje não ajuda muita gente. A democratização dos meios de produção musical tem seu lado obviamente bom, mas também aumentou tanto a oferta que hoje a música nova não vem mais até você, é você quem tem que ir atrás dela. Por outro lado, o cenário nunca foi tão popularesco quanto hoje, de ter a predominância de coisas de apelo fácil.”
Os discos em espanhol
“Não gostamos muito da coletânea que gravamos em 1991 (intitulada simplesmente ‘Paralamas’). Até nossos fãs da América do Sul vinham falar com a gente e diziam: ‘olha, canta em português que é melhor’ (risos). Mas quando fomos gravar o segundo, a versão castelhana do ‘9 Luas’, chamamos um cara que pertencia à banda chilena Los Upa para fazer as versões junto com o Herbert. O resultado ficou bem melhor. Repetimos a parceria no ‘Dos Margaritas’ [composto em grande parte por canções de ‘Severino’, mais faixas-bônus exclusivas), e os dois discos tiveram ótima resposta por lá”.
A influência do rock argentino
“Eu acho que Charly [García] e Fito [Páez] influenciaram o Herbert mais que qualquer artista brasileiro. Quando, nos anos 1990, fomos tocar na Argentina, nós todos fomos muito impactados pela forma apaixonada como eles se relacionam com o rock. É quase como se eles o tivessem inventado (risos). E vimos muitas bandas incríveis. Certamente, foi uma influência enorme para todos nós. Inclusive tem uns covers que fazemos de bandas argentinas que são obrigatórios em nosso repertório quando tocamos por lá: ‘Que Me Pisen’, do Sumo, e ‘Rap de las Hormigas’, do Charly García. Não sei por que nunca os gravamos. O público sempre pede, e a casa vem abaixo quando nós tocamos” .
[Nota: os Paralamas já gravaram versões de vários artistas argentinos. Em “Os Grãos”, há “Track-Track”, de Fito Páez; em “9 Luas”, “Lourinha Bombril” (“Párate y Mira”, no original dos Pericos) e “De Música Ligera”, do Soda Stereo (depois regravada pelo Capital Inicial num drive mais lento, e rebatizada de “À Sua Maneira”); “Heroína”, do Sumo (em medly com “Cagaço” no DVD “Vamo Batê Lata”); “Viernes 3AM”, do Serú Giran em “Hey Na Na”; e “El Amor”, outra de Fito Páez, em “Brasil Afora”. Além disso, Charly, Fito e o franco-espanhol Manu Chao já participaram de gravações dos Paralamas].
A biografia da banda, “Vamo Batê Lata”
“Não gostei muito, não. Ficou raso, né? Acho que, por tudo o que coletou com a gente, o Jamari (França, autor do livro) tinha material para fazer uma coisa mais substancial. Parece que foi uma coisa feita às pressas. Não sei se ele estava com o prazo apertado, alguma coisa desse tipo. Ficou parecendo uma coisa feita um pouco nas coxas”.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yel
Leia também:
– “Brasil Afora” mostra um Paralamas inspirado e inspirando-se, por Marcelo Costa (aqui)
– “Legião Urbana e Paralamas Juntos” é retrato exemplar de época, por Mac (aqui)
– Especial: Herbert Vianna encontra Mestre Vieira?, por Ismael Machado (aqui)
Tenho um baita respeito pelo Paralamas.
Pela postura sempre íntegra em relação as concessões que se faz ou não durante uma carreira na música pop e, claro, pelo som de primeira qualidade.
Primeira banda dos anos 80 a abraçar o Brasil. Depois os Titãs flertaram com o país em O Blesq Blom e então veio a geração 90 e fincou os pés na Terra Brasilis
Claro, sem deixar, como diria Chico Science de olhar para imensidão.