por Marcelo Costa
Você está na sala de cinema e, de repente, é brindado com o trailer (que encerra esse texto) do novo filme do brilhante diretor espanhol Pedro Almodóvar, a comédia “Os Amantes Passageiros” (“Los Amantes Pasajeros”, 2013), e após um minuto e tanto de constrangimento, imagina: “Puta que pariu: esse novo filme do Almodóvar deve ser um desastre” (piada involuntária com o fato do filme se passar em um avião voando em círculos, devido a problemas). A tabela de notas do Guia da Folha, encartado no jornal Folha de S. Paulo, apenas confirma o acidente de percurso: “Apertem os cintos, Almodóvar sumiu”, escreve um, “Apertem os cintos, Almodóvar dormiu”, espeta outro.
Já dizia algum ditado besta (e ditados bestas sempre são oportunos em algum momento) que é importante não confiar tanto na primeira impressão (aquela que fica) tanto quanto desconfiar da crítica (desta inclusive), e as duas (ou três) questões são colocadas em xeque com “Os Amantes Passageiros”, comédia menor e despudorada do cineasta espanhol, mas de maneira alguma dispensável. Talvez seja a alta expectativa, afinal, após sua maturidade artística, que se inicia no emblemático “Carne Tremula” (1997), Almodóvar especializou-se em criar obras fincadas no drama (“Tudo Sobre Minha Mãe”, “Fale Com Ela”, “Volver”, “A Pele que Habito”), mas com um golpe fatal de ironia, e este novo filme é “apenas” divertido.
O ponto de partida de “Os Amantes Passageiros” é um voo que está deixando a Espanha rumo a Cidade do México. Antes do embarque, Almodóvar se dá ao luxo de usar Antonio Banderas (como León) e Penelope Cruz (Jessica) em uma cena de pouco mais de dois minutos, que será crucial para a história: Jessica pilota o carrinho que leva as malas para o avião enquanto o marido León organiza os procedimentos para a partida da aeronave. Ela sente náuseas, um amigo diz que ela está grávida, e ela confirma, para surpresa de León. “Percebi que seus peitos cresceram, mas não achei que fosse gravidez”, diz ele, levando-a para a enfermaria.
A confusão no procedimento de partida faz com que um peso que impedia a roda do avião de se mover fique amarrado a um dos pneus, e, assim que é feita a descoberta, a aeronave passa a voar em círculos esperando que os controladores de voo consigam um aeroporto espanhol para um pouso de emergência. Toda classe turística é dopada (incluindo as comissárias) restante apenas os poucos passageiros da classe executiva e um trio hilário de comissários gays, um deles cachaceiro de primeira, e péssimo mentiroso. Resultado: todos os seis passageiros da classe executiva ficam a par do incidente, e o que se segue é uma aula de domínio de cena e muita putaria, por Pedro Almodóvar.
O esquema é teatral: cada um dos passageiros tem um solo, e surge contando seu drama (e suas ironias): há um homem que se apresenta como guarda-costas (José Maria Yazpik), um empresário à beira da falência (José Luis Torrijo), uma dominatrix (Cecilia Roth) que presta “serviços” para as 100 pessoas mais influentes da Espanha, um ator (Ricardo Galán) fugindo de uma apaixonada maluca (Paz Vega), uma virgem (Lola Dueñas) e um casal de noivos (que transa alucinadamente, principalmente quando ela está sonambula). Sem contar a dupla de pilotos (um bissexual e outro enrustido) e o trio de comissários comandado pelo ótimo Javier Cámara.
Cerca de 80% do filme se passa no ambiente fechado da classe executiva, o que valoriza a atuação teatral e exagerada do elenco, que não decepciona em um roteiro preocupado em criar ambiência e distribuir piadas, sendo a da mescalina deliciosamente nojenta (e perspicaz). Refém das expectativas, “Os Amantes Passageiros” está bem longe de ser uma comédia exemplar, mas também não é o filme ruim que muitos pintam por ai. A sensação é de que Almodóvar escreveu um passatempo feito para não ser levado a sério, apenas divertir (a Espanha, tão sofrida nos últimos anos, anda precisando se distrair). A questão é saber se você quer rir ou se surpreender. Se o seu intento é o segundo, espere pelo próximo Almodóvar. Apesar de que…
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
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Caro autor. Da pra ver que você desfruta muito do seu trabalho e isso se espelha na qualidade do seu trabalho. Já marquei nos favoritos seu blog e irei acompanhá-lo daqui em diante.