Viagens do Vlad #2
Un Saludo para El Comandante
Texto e fotos por Vladimir Cunha
Valparaíso. Meia-noite. Cortando a cidade de cima abaixo, a Calle Cummings é uma espécie de centro nervoso e boêmio do lugar. É nela que estão concentrados os melhores bares de Valpo, como é chamada pela rapaziada local. De todos eles, o mais interessante é El Gato En La Ventana. Mistura de boteco com casa de shows, ele abre a noite toda. A qualquer hora que você aparecer por lá, vai ter sempre cerveja gelada, vinho bom e música de qualidade.
O bar é despojado. Cadeiras de plástico, bandeirinhas do Chile enfileiradas de uma parede a outra, uma pintura do Condorito (uma espécie de Zé Carioca latino-americano) no fundo do palco, balcão de madeira rústica e uma freqüência diversificada.
Como em quase todos os bares do Chile, aqui é permitido fumar. Acendo um cigarro, peço uma cerveja e espero a banda da casa começar o show. Os músicos sobem ao palco e mandam uma seqüência de rumba, salsa, cumbia e merengue. Uma atrás do outra, sem anúncio, sem falação. Aos poucos, os casais vão se formando. E a coisa vai esquentando enquanto eles passam de um ritmo a outro, com batidas e linhas de baixo cada vez mais quentes. A banda mantém o pulso e costura todas as conexões possíveis entre o Pacífico Sul e o Caribe. Do Chile à Colômbia, passando pela Martinica, Guianas, Dominicana e Cuba.
Cuba. O último porto, a última parada. E onde o grupo de quatro músicos supera minhas expectativas e deixa de fazer música para fazer um pouco de mágica.
“Hasta Siempre Comandante Che Guevara”, do cubano Carlos Puebla, pega a todos de surpresa. Um bolero lento. Um canto exaltado, composto no auge da Guerra Fria e no calor da Revolução Cubana. A tradução musical e poética da célebre foto de Alberto Korda. Um daqueles casos nos quais o mito se tornou maior que os fatos e a História. E, por isso mesmo, impermeável a qualquer confronto ideológico ou dialético.
A música belisca a todos no nervo certo. Difícil não se emocionar ou sentir uma alegria inesperada com o clima de festa e celebração. De repente todos no bar começam a cantar, animados com a repentina homenagem ao Comandante. Por todo El Gato, as pessoas se cumprimentam, se abraçam e brindam.
Aos amigos, à vida e a uma Revolução que ninguém sabe se um dia virá.
O show prossegue por mais uma hora e meia com mais rumba, salsa, cumbia e merengue. Bem de acordo com o clima portuário e decadente de Valparaíso. Enquanto desço a Calle Cummings, fumando o último cigarro, açoitado pelo vento gelado do Pacífico, não consigo tirar da cabeça o momento em que Comandante Che Guevara fez com que as pessoas do bar entrassem em um espírito de comunhão difícil de ver por aí
O momento em que, por alguns minutos, ela foi a canção mais importante do mundo.
– Vladimir Cunha é jornalista e assina o blog Tudo Jóia, um compêndio de cultura pop, gastronomia e vagabundagem disfarçada de cool hunting. Vlad também é um dos diretores do documentário “Brega S/A” e escreverá sobre viagens e comida no Scream & Yell.
Leia também:
– Viagens do Vlad #1: O Sabor do Peixe, em Tânger, Marrocos (aqui)
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