por Marcelo Costa
Localizada em Vlezenbeek, cidadezinha nos arredores da capital Bruxelas, na Bélgica, a Brouwerij Lindemans produz, desde 1811, o mais antigo estilo de cerveja do mundo: Lambic. Ao contrario das cervejas (ales e lagers) convencionais, que seguem um cuidadoso processo de fermentação que exclui bactérias e leveduras selvagens, as Lambics necessitam de fermentação espontânea. Ou seja, a cerveja é exposta em tachos para sofrer a ação de leveduras selvagens e de bactérias que ficam no ar do Vale do Senne, nos arredores de Bruxelas. Apenas nessa região, conhecida como Pajottenland, se produz cervejas do tipo lambic.
O processo é simples: após a fermentação, em que o mosto sofre a ação das leveduras selvagens e bactérias e a inclusão de lúpulo velho (os fabricantes de lambic não desejam o amargor do lúpulo, mas sim suas propriedades conservantes), a cerveja é disposta em antigos e enormes tonéis de vinho do Porto e Jerez (de 11 mil litros) onde descansa de quatro meses até anos. O resultado (diferente de tonel para tonel) gera a Lambic pura, que, quando jovem, mantém uma acidez intensa que remete a sidra, e, quando envelhecida, se torna mais suave, com sabores frutados intensos – sem nenhuma adição de frutas, apenas com o trabalho das leveduras.
O ato de misturar uma lambic de safra nova, ou seja, ácida e exuberante, com uma lambic envelhecida, suave e intensa, cria a Gueuze – encontro de uma cerveja em fermentação (a nova) com uma já maturada (a envelhecida). A Gueuze é bastante carbonatada e remete a champagne. Sua acidez é intensa, mas há uma vigorosa doçura frutada. Uma Gueuze pode surgir do cruzamento de vários barris diferentes de produtores diferentes resultando, sempre, em uma cerveja única e particular. A adição de frutas (geralmente framboesa, cereja e pêssego) no momento da refermentação transforma a Lambic numa Lambic Framboise, Kriek ou Fruit, gerando assim uma terceira subcategoria – tão especial quanto as outras.
A Lindemans Gueuze funciona como uma perfeita introdução do apaixonado por cerveja no território das Lambics. Não é tão azeda e ácida quanto uma Lambic tradicional (por ser uma Gueze) e nem tão intensa quanto a Lindemans Gueuze Cuvée René, mas mostra seu charme já no aroma azedo e avinagrado, que traz uma leve doçura frutada, que remete a pêssego e maçã verde, vinho prosecco e champagne. O paladar é surpreendido no primeiro toque, azedo e intenso, mas assim que se acostuma surge a percepção de uvas e maçãs verdes ao lado do vinagre e um salgado intrigante numa cerveja áspera, licorosa e envolvente. É deliciosa.
A Lindemans Faro Lambic é praticamente a Lindemans Gueuze acrescida de açúcar. Ou seja, uma Lambic jovem, “ácida e exuberante” (nas palavras de Garrett Oliver) misturada com uma Lambic maturada, “suave e intensa”, com a acidez e o azedo marcando presença. Não aqui. O açúcar presente na fórmula contrabalanceia a perfeição o azedo e o ácido e faz da Faro quase uma Cidra, mas uma Cidra saborosa e de qualidade. O aroma é perfumado com reminiscências de frutas vermelhas, uvas, licor, pera, maçã, malte e acidez bem suave. O paladar é tudo isso e mais um pouco num conjunto suave, adocicado e levemente azedo. Cuidado: pode viciar.
O maior sucesso da cervejaria belga é a Lindemans Framboise. Basta retirar a rolha da garrafa para entender o porquê da paixão: aromas intensos de framboesa (que são inseridas na fórmula como suco) tomam conta do ambiente antes mesmo de derramar a cerveja no copo. O liquido é de um vermelho intenso e brilhante com um belo colarinho rosa. Apesar da força da framboesa no aroma, a acidez marca presença de forma moderada antecipando o paladar. São apenas 2,5% de álcool, mas não brinque com uma lambic, mesmo com uma de framboesa: aqui, doçura e acidez estão perfeitamente combinadas em uma cerveja altamente refrescante.
Além destes três rótulos acima, também já estão disponíveis no Brasil outros dois: a Lindemans Pecheresse (com Pêssego) e a Lindemans Kriek Cuvée René (a versão especial da Kriek de Framboesa). O cardápio todo da cervejaria ainda traz outras surpresas como cervejas com maçã e cassis. Seu processo cuidado e demorado reflete-se no preço final: as cervejas nas versões em garrafas 375 ml podem ser encontradas entre R$ 25 e R$ 35 enquanto as garrafas de 750 ml chegam aos R$ 50. Para ocasiões especiais, valem muito a pena. Na verdade, para qualquer ocasião. Se você estiver em Bruxelas, procure bares que sirvam Lambic tradicional. Caso a acidez esteja intensa, há açúcar na mesa. Ele está ali para adoçar a cerveja.
Faro Lindemans
– Produto: Lambic
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 4,5%
– Nota: 3,55/5
Gueuze Lindemans
– Produto: Lambic Gueuze
– Nacionalidade: Escócia
– Graduação alcoólica: 4,2%
– Nota: 3,79/5
Kriek Lindemans
– Produto: Lambic Kriek
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 2,5%
– Nota: 3,55/5
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