por Adriano Costa
O falecido arquiteto mexicano Luis Barragán Morfin escreveu em determinada ocasião que “a arte é feita pelos anônimos para os anônimos”. Tal afirmativa pode muito bem ser direcionada a obra de Banksy, pseudônimo de um artista inglês que ninguém sabe quem é, mas que a cada dia que passa conquista mais admiradores pelo mundo. Porém, considerando que a arte tem como tradição sempre exigir doses complementares de amor e ódio, a quantidade de hostis cresce proporcionalmente.
A produção deste oculto grafiteiro ganhou uma edição nacional em livro no final do ano passado. “Banksy – Guerra e Spray” (”Wall and Piece” no original) foi originalmente publicado no Reino Unido em 2005 e foi um sucesso de vendas, só agora desembarca no país. Com lançamento da Editora Intrínseca em formato grande (26×21cm), conta com 240 páginas e tradução de Rogério Durst. Com uma leve introdução e seis capítulos posteriores, são retratadas algumas intervenções feitas até aquela data, aliadas com pequenas histórias.
Durante os anos muito se especulou sobre a verdadeira identidade de Banksy. O tabloide inglês Daily Mail chegou a cravar que ele é Robert Banks, nascido em 1973 na região de Bristol, na Inglaterra (local de origem de seus primeiros trabalhos). Outros especulam que Thierry Guetta, o protagonista do documentário que concorreu ao Oscar em 2011, “Exit Through The Gift Shop” (com Banksy destacado como diretor – assista no final da página), seja o procurado, e teorias ainda consideram que o nome Banksy seja na realidade a ferramenta de um conjunto de artistas de vários países.
Independente de quem seja, a verdade é que o trabalho de Banksy oferece impacto e colisões constantes. O anonimato causa mais interesse e até funciona como um golpe de marketing (segundo Banksy no livro, o perigo está nas mãos de três individuos: publicitários, políticos e grafiteiros), mas é o cutucão na sociedade que suas obras causam que mais interessa. Convidados a dar uma declaração, o porta-voz da Polícia Metropolitana de Londres respondeu: “Não há a menor chance de você conseguir uma declaração nossa para usar na capa do seu livro”. A frase estampa a contra-capa do volume.
Utilizando seu spray e praticando estêncil (uma espécie de desenho feito com buracos em uma superfície de cartolina – logo no começo do livro o artista explica o motivo da escolha: velocidade), as tintas usadas não isentam ninguém. Governos, religiões, cotidianos, polícia. Todos são alvos. Com o tempo, o artista estendeu seus ataques a orelhões, cameras de segurança, notas de 10 libras falsas (estampadas com o rosto da Princesa Diana) e até instalações que simulavam tubarões em parques londrinos, tudo registrado pelo próprio artista, e publicado no livro.
Pérolas de sabedoria são distribuidas pelas páginas. Um dos trechos diz que “é preciso muita coragem para, numa democracia ocidental, se erguer anonimamente e clamar por coisas em que ninguém mais acredita – como paz, justiça e liberdade”. A assertiva que pode parecer ingênua em um mundo que sucumbe cada vez mais a aceitação de ideias prontas e do lema do “isso não é comigo”, funciona mais do que o esperado, pois incomoda e perturba a mente de conservadores, reacionários e omissos de quaisquer estirpes.
É fato que o discurso de Banksy extrapola alguns pontos, como em relação a invasão de propriedade privada e as máculas em monumentos históricos, mas mesmo isso não chega a ser ofensivo. Outras questões como a arte com alcance gratuito, copyright e lucro também são inerentes perante alguns produtos gerados pela marca cada vez maior do artista. No entanto, mesmo estes questionamentos acabam por expirar perante o significado das manifestações assinadas pela alcunha.
Tratando o grafite como uma “das mais honestas formas de arte disponíveis”, ele consegue contrapor de modo inteligente a “sujeira” provocada pelas suas pinturas com aquelas que as empresas e governos fazem legalmente e que enchem as ruas de propagandas e coisas do tipo. O ferrão irônico e provocador produz situações como a de policiais se beijando ou a menina Phan Kim Phúc sendo acompanhada por Mickey e Ronald McDonald na famosa foto da Guerra do Vietnã tirada no ano de 1972.
E quando trata de situações em que governo, guerra e política são explorados, é que o livro se abrilhanta mais, porém sem esquecer das injustiças sociais. Em uma das passagens temos:
“A raça humana promove o tipo mais estúpido e injusto de corrida. Muitos dos corredores não calçam um tênis decente nem têm acesso a água potável. Alguns já nascem largando muito na frente, recebem toda a ajuda possível ao longo do trajeto e ainda assim os fiscais de prova parecem estar do lado deles. Não surpreende que muitos desistam de competir, preferindo se sentar na arquibancada, comer porcarias e gritar que foi tudo marmelada. O que a corrida humana precisa é de muito mais nudistas invadindo a pista”.
As criações de Banksy invadiram outros países como Estados Unidos, Israel, Japão, Espanha e até o Muro da Segregação, na Palestina, onde o artista foi confrontado por um idoso: “Você pintou o muro. Ficou bonito”, disse o homem. Banksy agradeceu: “Obrigado”. Desgostoso, o homem retrucou: “Não queremos que ele fique bonito. Nós odiamos esse muro. Vá embora”. Já um ataque ao British Museum, com uma obra que ironizava caracteres rupestres e ficou oito dias exposta sem que a direção do museu percebesse, entrou para a coleção da instituição e hoje integra o acervo.
Entre pegadinhas com transeuntes e críticas repletas de humor negro e ironia, as obras de Banksy serviram para sacudir a apatia e a falsa sensação de conforto que se espalha como um vírus no ar. Em um dos trechos finais do livro, ele afirma que “é sempre mais fácil conseguir perdão do que permissão”. Desta forma podemos esperar muito mais pela frente, além daquilo que já está retratado nesse ótimo “Guerra e Spray”.
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– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop