Boteco: Cerveja Coruja, um mito sulista

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por Marcelo Costa

Em 2004, os arquitetos Rafael Rodrigues e Micael Eckert decidiram criar uma cerveja especial, que não passasse pelo processo de pasteurização, não fosse submetida a temperaturas elevadas e não tivesse conservantes. No linguajar cervejeiro, uma cerveja viva. Para isso, teriam que mantê-la refrigerada do término da fabricação até o consumo acreditando que a melhor cerveja é aquela retirada do tanque. Nascia a Coruja Viva. De lá pra cá, novos rótulos foram lançados e a produção – que inicialmente era feita em Teutônia, a 130 quilômetros de Porto Alegre – cresceu e foi transferida para Forquilhinha, Santa Catarina.

Debutante da cervejaria catarinense, a Coruja Viva nasceu com lúpulo, fermento, água e três vezes mais malte de cevada do que as tradicionais. Para valorizar o produto, os arquitetos optaram por uma garrafa de remédio antiga – hoje clássica. Sem pasteurização e sem conservantes, a Coruja Viva tem um breve tempo de vida. O aroma floral remete a campo, banana e pão – a dose tripla de malte valoriza a sensação. No paladar, um reforço da sensação do aroma com o lúpulo cumprindo sua função deixando um leve amargor. A sensação fica entre o adocicado (e amanteigado) e o azedo num conjunto refrescante, leve e particular.

A versão Extra Viva (também em garrafa de ‘remédio’ e também não pasteurizada) surgiu em 2007, uma Premium American Lager que de tão robusta quase parece uma Vienna Lager. O aroma é um capricho de linhagem tradicional com malte e lúpulo presentes em doses generosas e um pouco de cítrico. No paladar, o malte sai à frente deixando notas de mel, caramelo, aveia, madeira e trigo pelo caminho. O lúpulo vem na sequencia caprichando no amargor que gruda no céu da boca e equilibra o conjunto. O álcool (6,5% aqui contra 4,5% na versão Viva) também é mais perceptível, mas a força do malte causa a melhor sensação.

A Coruja Otus Lager é a versão pasteurizada da Coruja Viva, produzida para durar mais tempo nas prateleiras e alcançar locais mais distantes do reino do Rio Grande do Sul. O aroma, assim como na Viva, relembra (de forma menos intensa) uma casinha no campo com destaque para trigo e pão. O paladar novamente reforça o aroma com algo de floral e cítrico. Caso fosse um bocadinho mais leve poderia se encaixar no território das witbier, mas o lúpulo marca boa presença amargando tudo aquilo que o malte quer adoçar (num jogo muito bem balanceado que cumpre a missão de dar uma ideia da área de atuação da cervejaria).

Por sua vez, a Coruja Strix Extra é a versão pasteurizada da Coruja Extra Viva. Aqui, de forma diferente, o que era uma Premium American Lager se transforma em uma Munich Helles no processo. No aroma, a presença de trigo e fermento se faz marcante (mérito do malte de cevada) e o lúpulo surge leve. No paladar, a primeira sensação é de pão, depois biscoito. Depois vão surgindo notas derivadas do malte, mel e caramelo, além do lúpulo, que equilibra bem o conjunto interessante, mas algo me incomoda, talvez seja o trigo e/ou fermento, que risca do céu da boca até o fim da garganta. Ainda assim, uma bela cerveja.

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Partindo para a linha tradicional, a Coruja Alba Weizen junta malte de cevada com malte de trigo, e os dois são bastante perceptíveis no aroma, que, claro, remete a banana, mel e cravo (no meio do caminho entre uma Weiss alemã e uma witbier belga). O paladar segue as notas antecipadas pelo aroma, mas de forma mais intensa. O adocicado do melaço sai à frente, com o fermento surgindo na retaguarda. O dulçor que remete a banana está presente, mas não é tão intenso como o das Weiss alemãs (assim como o cravo). Aqui, a grande estrela é o trigo, que domina o conjunto de uma ótima cerveja.

Lançada em 2011, a versão Weisenbock da Coruja Alba é muito mais intensa – como era de se esperar. No aroma, as notas de banana são atropeladas pelos cinco tipos diferentes de malte, que deixam uma tonalidade de caramelo no ar (e também algo de trigo, floral e álcool). No paladar, as notas de malte de caramelo e banana disputam a atenção. O álcool ganha mais evidência (são 6,8% de graduação) enquanto citações de cravo e canela surgem para temperar o conjunto. Conforme esquenta no copo, vai ficando mais melada e temperada. Bem interessante.

Além da linha tradicional, a Coruja lançou em 2012 um linha apropriadamente chamada de Fora de Série, que é sazonal. Para estrear essa linha, eles chamaram o instituto de arte e humanismo Studio Clio e desenvolveram a Coruja Baca, uma Amber Lager Libertária (no dicionário da cervejaria), que une água, malte de cevada, lúpulo e… polpa de pitanga. O resultado é uma cerveja cujo aroma (um dos mais deliciosos que já experimentei) remete a trigo em grãos, lúpulo e pitanga. No paladar seco, o jogo do doce e azedo se destaca: a pitanga vai delicadamente, o lúpulo dá a porrada. Arrependido de ter pegado apenas uma garrafa…

A segunda cerveja da linha Fora de Série foi uma parceria dos arquitetos da Coruja com o roqueiro Wander Wildner. Era uma cerveja de porão (Keller Bier) que recebeu malte Vienna e extrato de pimenta (isso mesmo, pimenta). Apelidada como Rock Bier, a Coruja Labareda traz no aroma notas de tostado e defumado que remetem a bacon e peito de peru, mas de uma forma mais comportada que as ariscas Schlenkerla. Há ainda a percepção de condimentado devido a pimenta. O paladar é forte. Malte e lúpulo surgem equilibrados enquanto a pimenta risca o céu da boca e desce a garganta como um bom molho mexicano. Excelente.

No Beer Experience 2012, em São Paulo, a Coruja apresentou a Coice, terceira Fora de Série da casa, uma lager escura de 12% de álcool e com pau de canela na fórmula. Porém, a grande questão: se a Corujas Viva e Extra-Viva tem curto tempo de vida, onde encontra-las? Em São Paulo é possível compra-las no Empório Frei Caneca, Empório Alto de Pinheiros, Titus Bar e Rota do Acarajé, entre outros. As garrafas (de 1 litro) Viva e Extra Viva custam entre R$ 28 e R$ 35 (alguns lugares cobram o vasilhame). As da linha tradicional (Alba, Strix e Otus) saem por volta de R$ 14 (600 ml) enquanto as especias Baca e Labareda estão sendo vendidas por volta de R$ 14/R$ 15 (310 ml).

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Coruja Viva
– Produto: Premium American Lager
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4,5%
– Nota: 3,23/5

Coruja Extra Viva
– Produto: Premium American Lager
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6,5%
– Nota: 3,28/5

Coruja Otus Lager
– Produto: Premium American Lager
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4,5%
– Nota: 3,13/5

Coruja Strix Extra
– Produto: Munich Helles
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6,3%
– Nota: 2,90/5

Coruja Alba Weizen
– Produto: German Weizen
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5,5%
– Nota: 3,14/5

Coruja Alba Weizenbock
– Produto: German Weizenbock
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6,8%
– Nota: 3,46/5

Coruja Baca
– Produto: Fruit Beer
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5,7%
– Nota: 3,83/5

Coruja Labareda
– Produto: Keller
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6,7%
– Nota: 3,73/5

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