por Marcelo Costa
Neil Percival Young tem 66 anos, teve poliomielite na infância e operou um aneurisma aos 60. Participou de bandas como Buffalo Springfield e Crosby, Stills, Nash & Young, já lançou mais de 35 discos solo e certa vez foi processado por uma gravadora por “não ser ele mesmo”. Em 2012 lançou dois discos (“Americana” em junho; “Psychedelic Pill” em outubro) e uma autobiografia que revela um homem místico, sentimental e muito mais preocupado com os projetos do futuro do que com as lembranças do passado.
Sobre “Psychedelic Pill”, um dos grandes discos de 2012, você pode ler aqui. Há um parágrafo sobre “Walk Like a Giant”, a grande música de “Psychedelic Pill”, aqui. Essa música já serve como parâmetro para entender a inquietação de Neil Young. Gravada entre agosto e setembro com a Crazy Horse, ela traz no álbum uma primeira letra de apenas dois parágrafos, que foi estendida assim que o compositor caiu na estrada acrescentando uma frase emblemática: “Eu e alguns amigos estávamos tentando mudar o mundo, mas o mundo mudou”.
Essa pressa em gravar e lançar algo inacabado sugere um receio com o passar do tempo, a velhice e os desígnios superiores. Sem meias palavras, Neil Young tem medo de morrer ou enlouquecer. O leitor esperto pode argumentar: mas quem não tem? A questão, no entanto, não é ter ou não ter, mas sim a forma como o medo age sobre cada pessoa. No caso de Neil Young, ele apressou o lançamento de seus álbuns e registrou suas memórias de forma descoordenada em uma biografia reveladora. E, interessante, focou o futuro.
Em “Neil Young – A Autobiografia”, lançada no Brasil pela Globo Livros, o roqueiro canadense deixa claro em vários momentos que está muito mais preocupado com os dias que vão vir do que com os dias que se foram. De certa forma, o fã curioso sairá decepcionado da leitura. Neil reconstrói sua história de forma confusa, repete trechos e parece mais estar escrevendo um diário, e não uma biografia. Ele se entrega a suas principais paixões (carros, trens de brinquedo e ao Pono) e fala pouco, muito pouco sobre guitarras. Parece evitar o assunto.
“Tenho uma atração especial por transporte, carros, barcos, trens”, diz o músico em certo momento. Essa paixão o levou a comprar parte da Lionel Corporation, uma fabricante de brinquedos que fez fortuna (principalmente entre 1900 e 1970) com ferromodelismo (não diga trenzinhos!) e, nos últimos anos, perdeu mercado para os produtos chineses. Foi quando Neil entrou em cena e a fábrica mudou-se para China. “Mostro para Stephen Stills meus trens, e vejo escrito na testa dele: ‘Neil enlouqueceu’. Mas não me importo: eu preciso disso”, justifica.
Neil Young também é viciado / fascinado por carros. É possível imaginar o som do motor de dezenas de modelos de anos e fábricas diferentes citados em várias páginas do livro, mas a grande fixação atual do músico canadense é o Lincvolt, um Lincoln Continental 1959 que foi transformado em um veículo que usa combustível híbrido (sustentabilidade!) e é tema de diversas palestras do músico mundo afora (Brasil incluso, no SWU em 2011). Há até uma página no Youtube com diversos vídeos de Neil falando do projeto.
Outra fixação atual é o combate à baixa qualidade da música no mundo moderno. Segundo ele, o que nós ouvimos em um MP3 é “menos de 5% dos dados disponíveis num arquivo master ou num álbum de vinil”. Por isso ele criou um projeto chamado inicialmente de Puretone (hoje em dia, Pono), em que as pessoas poderão comparar a qualidade das canções e ouvir a música como ela realmente é. “A Puretone é para os amantes da música”, ele garante. Boa parte do início do livro é gasta com Neil relatando reuniões com chefões da indústria. Ele é insistente.
A primeira vez que Neil entrou em um estúdio foi em 23 de julho de 1963, em Winnipeg, no Canadá. Sua banda, The Squires, gravou um compacto em 45 rotações que trazia “Aurora” no lado A e “The Sultan” no lado B. As duas canções foram relançadas em 2009 no box “Archives, Vol. 1” (com oito CDs de raridades), o que não impede do compacto original, segundo Neil, aparecer no eBay de vez em quando. Em outubro de 2012 havia apenas uma cópia à venda. Preço: 4 mil dólares. “Tenho um assinado pela banda”, gaba-se.
Uma vez, na Califórnia, no auge do movimento hippie, Neil Young deu carona para dois rapazes. Um deles virou seu principal produtor, e Neil – além de sonhar escrever um livro chamado “A Vida e a Época de David Briggs” – cita algumas frases marcantes do amigo (as mais marcantes de toda leitura não são de Neil Young, mas de David Briggs), como: “A vida é um sanduiche de bosta. Coma ou morra de fome”. Ou “Seja excelente ou suma”. David trabalhou nas melhores gravações de Neil Young. “Segundo ele mesmo”, avisa Neil.
Uma das biografias que inspiraram Neil Young a escrever a sua foi a repercussão e o sucesso de “Vida”, de Keith Richards, e uma curiosidade une os dois músicos: “Malagueña”, um grande sucesso de Ernesto Lecuona nos anos 60. Keith tocava a canção a pedido de seu avô na Inglaterra quando começou a aprender a tocar violão. Neil tocava a mesma canção para sua mãe no Canadá. “Eu nem conhecia a música, mas gostava de improvisar na mudança de acordes, que eu achava genial”, ele conta. Isso foi muito antes deles serem quem são.
Neil também elenca os favoritos da casa. “Pearl Jam é uma banda que respeito bastante”, ele conta. “Nirvana e Sonic Youth também”, e aumenta a lista: “Mumford & Sons, My Morning Jacket, Wilco, Givers e Foo Fighters são apenas algumas de minhas (bandas) favoritas”. A receita: “Respeito bandas que me dão algo delas que posso sentir (já bandas metidas me desagradam de forma geral).” Isso também serve para pessoas. Um cineasta: Jean-Luc Godard (“Eu gostava das sequências longas, sem cortes, que iam até o fim e contavam uma história”, ele explica). Um livro: “As Brumas de Avalon”, de Marion Zimmer Bradley (“Há muito neste livro que tem a ver comigo pessoalmente”, revela).
Um dos raros momentos em que fala de guitarra, o instrumento, rende um belo trecho da leitura: “Like a Hurricane”, diz ele, “exibe provavelmente o melhor exemplo do timbre da Old Black (uma Gibson Les Paul 1952), ainda que baste ouvir com atenção para perceber todos os erros e todas as falhas da minha execução. Mesmo assim aquela foi uma gravação cósmica e transcendente”, ele relembra. “A gravação master (de ‘Like a Hurricane’) usada na versão final da faixa traz a versão que toquei para mostrar a canção ao pessoal da Crazy Horse. É por isso que o corte está no início. Não houve início. Não houve fim. Foi uma daquelas performances que jamais serão repetidas”, ele conta.
Ele também relembra Bob Dylan. “A primeira vez que ouvi Bob foi em Winnipeg, em 1963. Comecei a ouvir mais e mais. (…) Ele falou por muitos de nós sem saber. Evitei ouvi-lo por um longo tempo no final dos anos 60 e começo dos anos 70, por medo de assimilá-lo tanto a ponto de copiá-lo sem perceber. (…) Um dia, finalmente consegui pegar a gaita sem medo de copiar Bob, apenas me sentindo influenciado por ele”, avisa honestamente o músico. Bob Dylan (e “Like a Rolling Stone”) também é citado em “Twisted Road”, uma das canções de “Psychedelic Pill”, o que de certa forma mostra que livro e disco se unem e se confundem.
“É melhor queimar do que se apagar”, frase da música “Hey Hey, My My (Into The Black)”, lançada no álbum “Rust Never Sleeps”, de 1978, se tornou-se mítica. “John Lennon discordava disso. Kurt Cobain citou essa frase em sua última carta (de suicídio)”, ele relembra. Neil diz que as pessoas perguntam sobre esse verso desde que ele cantou pela primeira vez. “Isso é rock and roll. Partir no auge dos seus poderes”, tenta resumir. Neil escreveu a canção logo após a morte de Elvis Presley.
Não há em “Neil Young – A Autobiografia” o apanhado de exageros (como descreve Philip Norman na biografia de Mick Jagger) que faz de “Vida”, de Keith Richards, um livro saboroso, ou a poesia que faz de “Só Garotos”, de Patti Smith, um livro lírico. Por sua vez, há um caráter realmente autobiográfico que faz do livro um retrato do músico. Você não precisa juntar peças do passado para conhecer Neil Young, parece defender o canadense. Neil Young, o homem, é esse cara apaixonado por guitarras, carros, trens e desejo de mudar o mundo. É passado, presente (o homem que largou álcool e maconha para se concentrar na biografia) e futuro.
Ainda assim, o último quarto do livro é carregado de emoção. Neil Young avisa. “Se você chegou até aqui, prepare-se: a coisa toda vai ficar pesada”. Ele consegue passar com leveza e insuspeita aceitação / dedicação pelo fato de ter dois filhos com paralisia cerebral (de esposas diferentes), mas quando confronta a morte e se despede de amigos que “ficaram” pelo caminho, deixa escorrer pela testa uma gota de suor que reflete aquele momento em que não nos sentimos totalmente à vontade com os fantasmas. É neste longo trecho final que a personalidade de Neil vem à tona ajudando o leitor a entender o homem.
Fãs, na maioria das vezes, estão muito mais dispostos a um autógrafo do que a uma conversa. Neil, por sua vez, usa o livro para conversar com seu público. Desta forma, não pegue “Neil Young – A Autobiografia” esperando ler sobre sessões de gravações, inspirações de músicas, causos absurdos do rock’n roll e festas movidas a drogas (ainda assim há um pouco, muito pouco, de tudo isso no livro), senão você se decepcionará. O que Neil Young propõe é um passeio por seus vícios, suas paixões, seus sonhos e medos. Um passeio pelo mundo de Neil Young. Vale a pena.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Leia também:
– “Psychedelic Pill” sugere que Neil Young não desistiu de mudar o mundo, por Mac (aqui)
– “Wake Like a Giant”, uma das 10 melhores músicas de 2012, por Marcelo Costa (aqui)
– “Heart of Gold”: o coração de ouro de Neil Young, por Marcelo Costa (aqui)
– ““Live in Chicago 1992”, Neil Young -> versões cruas e emocionais, por Mac (aqui)
– 500 Toques: “Cinnamon Girl”, um tributo feminino para Neil Young, por Mac (aqui)
Em 1993 no show do Macca no Pacaembu havia uma projeção com vários artistas de várias épocas.
Um deles era Neil Young que eu pouco conhecia – apenas pelas notas bem empolgadas de “Freedom” e “Ragged Glory” na finada revista Bizz.
Mas ao ouvir descobri pq tantos gênios do calibre de Thurston Moore e Michael Stipe gostam tanto dele … é só ouvir “Heart of Gold” e sentir 🙂
Um artista como não se faz mais hoje!
Uma das minhas metas de vida é fazer um show em homenagem ao velho Neil. Sua obra me marcou muito, e ainda me surpreende.
O seu interesse tão grande por carros, algo ao meu ver bastante fútil, não deixou de me desapontar!
Fernando, para de querer pagar de anarquista, e dizer o que é ou nao futil, o cara é uma mente brilhante fez historia, enquanto vc ta atras do pc criticando achando que isso nao é futil. Para de querer ser moralista, cada um gosta do que sente prazer e já era.
Os nascidos em 12 de novembro como ele tem problemas muito sérios psicológicos e lutas internas impossíveis de se decobrir. São escorpianos… Eu fiquei casada com um por 22 anos e quase enlouqueci. Tenho principio de crises epiléticas quando me sinto confusa e quando tenho mania de perseguição.