Conexão Latina: Pez

por Leonardo Vinhas

A sensibilidade e a fúria que Ariel Minimal coloca em sua música não são antagônicas. Guitarrista de habilidade rara e personalíssima tanto nas seis cordas elétricas como nas acústicas, ele soma quase trinta anos dedicados à música em formatos e bandas diferentes, do punk ao jazz-progressivo. Com o Pez, banda que formou em 1994, realizou algumas de suas melhores obras e fixou seu trabalho mais constante.

Porém, é mais provável que os poucos que o conhecem no Brasil tenham como referência o período em que foi guitarrista dos Fabulosos Cadillacs (1995-2002). Ariel contribuiu para os três melhores discos da banda: o pop pesado e multifacetado de “Rey Azúcar” (1995), as inclassificáveis mudanças rítmicas de “Fabulosos Calavera” (1997) e a dança jazzística de “La Marcha del Golazo Solitario” (1999) são momentos em que a numerosa agremiação foi além de sua fusão de ska e ritmos caribenhos para alcançar um som mais consistente e longevo.

Ou o álbum “Flopa Manza Minimal” (2003) gravado em parceria com Mariano Esain e Florencia Lestano, um projeto semiacústico realizado com outros dois artistas do cenário independente argentino que encanta com sua linguagem folk particular, belo a ponto de ser considerado obrigatório em qualquer lista dos melhores discos do rock argentino da década passada.

Os palcos brasileiros só o conheceram com o Pez: a banda, cuja formação mudou várias vezes ao longo de quase vinte anos (e quatorze discos!), veio ao país pela primeira vez em 2011, e em 2012 trará novamente seu intenso show. Cada álbum tem sua identidade muito clara, e embora poucos se assemelhem entre si, todos dialogam com uma “essência” (na falta de palavra melhor), imediatamente identificável – não só pela voz aguda e firme de Minimal, mas principalmente por um conceito musical, que une canções punk que, mesmo em dois minutos têm “quebras” no ritmo e mudanças de andamento, a obras mais densas e psicodélicas.

De certa forma, é como se tudo que importou para o rock nos anos 1990 – o grunge, o hardcore, Neil Young, o resgate setentista, a psicodelia pesada – se agrupassem e recebessem um tempero spinettano (em referência a Luis Alberto Spinetta, falecido em 2012, um dos maiores nomes do rock em espanhol e influência fundamental para Minimal), resultando numa sonoridade coesa, ainda que muitas vezes de difícil assimilação imediata.

A discografia completa da banda – incluindo faixas outrora raras, sobras de estúdio e farto material ao vivo – está disponível para download gratuito no site da banda (www.pezdebuenosaires.com.ar). “O disco é só um souvenir”, diz Minimal, defensor da música gratuita. Os interessados pela urgência sonora podem passar por “El Porvenir” (2009), enquanto os mais afeitos ao progressivo encontrarão em “Folklore” (2004) uma paisagem para se contemplar. Ou se preferir algo mais perto do indie rock noventista, tem “Pez” (2010). Ou talvez seja melhor começar com a introdução geral à banda que é “¡Viva Pez!” (também de 2010), um poderoso registro ao vivo. Ou simplesmente baixar tudo e mergulhar na obra da banda. É um passeio desafiador, mas que compensa na enorme maioria dos casos.

Recentemente, Minimal lançou discos solo, com Florencia Lestano e com El Siempreterno, banda da qual fazem parte dois ex-Cadillacs – o vocalista Sergio Rotman (que tocava sax nos LFC) e o baterista Fernando Ricciardi. O papo com o S&Y tratou desses projetos, sobre o passado, e claro, sobre sua banda do coração. O apressado Minimal respondeu da mesma forma que compõe suas letras: ora direto, ora evasivo, e, quando possível, críptico.

Pez já tem muitos anos e muitos discos. Isso não é nada comum nas cenas independentes da Argentina ou do Brasil. Quais são os fatores que permitem à banda manter-se ativa e vigente por tanto tempo, sempre com material novo?
Vontade. Vontade por mais música, mais, lugares, mais vida!

Por outro lado, seus outros projetos tiveram duração mais curta. Quanto do seu passado (Cadillacs, Martes Menta, Flopa Manza Minimal e outros) permanece no seu presente, seja como influencia ou como exigência do público?
O público sabe que não pode exigir nada de nós. Ele pega o que lhes damos. Quanto aos outros projetos… tudo fica em algum lugar, nada desaparece.

Me chama a atenção que, apesar das mudanças musicais, o Pez sempre mantém uma identidade muito clara – um senso de estética ou uma personalidade que transcende os diferentes arranjos. Você acredita que exista essa unidade, esse – digamos – “DNA musical”?
Deve ser a composição e o som do trio básico (Nota: Minimal é o único da formação original a permanecer na banda, mas o baterista Franco Salvador e o baixista Gustavo “Fósforo” Garcia estão na banda desde 1995 e 1996, respectivamente. Porém, houve momentos em que já foram quarteto, e até quinteto). Ou a minha voz. Mas sim, Pez é sempre Pez, ainda que seja diferente.

As mudanças acontecem porque mudam os músicos ou porque suas ideias não se conformam com a homogeneidade?
As duas coisas. As diferentes formações da banda condicionaram seu som. Até porque eu compunha pensando em quem ia interpretar a canção.

Sei que é pouco lógico que alguém seja cobrado por algo que disse ou escreveu há quase vinte anos, mas em “Cabeza” (1994) havia o verso “Vou morrer de velho / Não vou estar lesado / Não tenho nada a ver com a sua ideia de rock”. Agora que já está um pouco mais velho, acha que envelheceu como sonhava?
Faço o que gosto. Esse é meu trabalho, meu prazer. Tenho sorte, mas também trabalho bastante.

O fato de vocês terem o próprio selo e se autogerirem é um estandarte, uma declaração de princípios? Ou foi uma necessidade de mercado mesmo?
Tudo isso junto!

Pez já tocou no Brasil em 2011 e agora vai fazê-lo novamente. Como tem sido sua relação com o público daqui?
Boa. Em BH até gritavam “Argentina, Argentina”! (risos)

Vocês chamaram o Macaco Bong para o PezFest (festival de bandas independentes que o Pez organizou em Buenos Aires). Do que você gosta na música deles? Com quais outros artistas brasileiros você gostaria de dividir o palco?
A música do Macaco é pesada e muito rítmica. Gosto disso! Lamentavelmente não conhecemos muito da música atual brasileira…

O que aconteceu que os Cadillacs não te convidaram para o regresso da banda? E já que o assunto são companheiros: por que seu projeto com Flopa seguiu sem Manza? Afinal, “Flopa Manza Minimal” é um dos discos independentes mais celebrados da Argentina.
A mesma resposta para ambas as perguntas: a vida. As coisas mudam, as pessoas se movem… E Mariano [Esain, o Manza] está dedicado a sua banda, Valle de Muñecas.

Você ainda toca com Sergio Rotman no El Siempreterno. Até onde sei, também é amigo do Flavio Cianciarulo e de outros ex-integrantes dos Cadillacs. Essa postura da banda não se interpõe à amizade?
Pergunte aos Cadillacs…

Você sempre se mantém perto do punk rock, seja com o Pez ou com El Siempreterno. É a linguagem mais importante da sua formação musical?
Acho que sim. Foi o que mais teve impacto em mim quando tinha 15 anos, e o que você gosta nessa idade é o que você vai gostar por toda a vida.

A música de Spinetta é uma referência notável no seu trabalho. Você tinha uma relação pessoal com ele? Como sua morte o afetou?
Não, eu não era seu amigo. Sua morte me afetou como a todos seus fãs. Tristeza não tem fim…

Voltando ao Pez: se sempre há mudanças a cada disco, o que podemos esperar para o sucessor de “Volviendo a las Cavernas”? O que vai pintar depois dessa tormenta conceitual que foi esse último disco?
Mais distorção!

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

Leia também:
– Entrevista: a carreira solo do Señor Flavio, ex-Fabulosos Cadillacs (aqui)
– El Siempreterno, uma esbórnia incestuosa do underground portenho (aqui)
– “Nueva Ola”, de Sr. Flávio: uma obra coesa e divertidíssima (aqui)
– “La Luz del Ritmo”, o retorno dos Fabulosos Cadillacs, por Leonardo Vinhas (aqui)

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