por Leonardo Vinhas
Baixista de passado punk torna-se referência no seu instrumento ao passar a interpretar jazz, funk e ritmos latinos com uma ótica muito pessoal (a tal “pegada visceral”). Um resumo rápido e justo para apresentar Flavio Oscar Cianciarulo, homem que já usou muitas assinaturas diferentes em quase 30 anos de carreira musical, mas que ficou mais conhecido como Sr. Flavio.
Flavio foi, de 1985 a 2002 (e depois no regresso, 2008 e 2009), integrante-chave dos Fabulosos Cadillacs, banda que a partir dos anos 1990 marcou presença em quase todos os países do dito “mercado latino” e que gozou de certa popularidade até nos EUA (e gozava de alta rotação na MTV brasileira de priscas eras).
Pelos idos de 1993, ajudou os Cadillacs a congregar influências tão díspares como Red Hot Chili Peppers, Mano Negra, Mr. Bungle e Thelonius Monk para reinventar a sonoridade de sua banda, que havia iniciado como um combo de ska. Cinco anos depois, conduziria uma guinada em que jazz e Frank Zappa se somariam ao bolo e renderiam os melhores discos da banda, os indefiníveis “Fabulosos Calavera” e “La Marcha del Golazo Solitario”.
Em paralelo, produziu diversas bandas (inclusive o Satélite Kingston, conhecido dos palcos brasileiros), escreveu livros de contos, apresentou programas de rádio e, claro, firmou uma carreira “solo” – as aspas estão aí porque ora ele assinava como solista de fato, e em outras dividia o crédito com bandas como Misterio, Flavio Mandinga Project, La Mandinga e Flavio Calaveralma Trio, totalizando sete LPs e três EPs, fora o excepcional “Peso Argento” (1997), em parceria com Ricardo Iorio, do Almafuerte.
Lançado em 2011, “Nueva Ola” vem sendo seu disco de maior sucesso comercial. Merecidamente: o alto nível de composições encontra uma produção simples, mas de categoria, que valoriza seu lado mais pop. Em uma turnê que já se estende há mais de um ano, o álbum já rendeu três hits (“El Secreto”, “Las Olas” e “Dulce Babalú”) e colocou em evidência a parceria musical com seu filho, Astor Boy, que na época da gravação tinha apenas 13 anos. Longe da “fofurice” de pai com filho: Astor é um baterista com pegada de respeito, que chegou a encarar públicos de dezenas de milhares no regresso dos Fabulosos Cadillacs, quando se juntava à veterana banda para uma versão raggamuffin de “Guns of Brixton”, do Clash.
Num momento “alto astral” que condiz com o clima do álbum, Flavio conversou com o Scream&Yell sobre o sucesso de “Nueva Ola”, a relação com o filho e sobre o passado, porque dele não dá para escapar…
Você sempre escolhe nomes diferentes para assinar seus discos. Isso tem mais a ver com a identidade criativa de cada álbum ou com os músicos que te acompanham?
São diferentes projetos de arte em uma mesma pessoa, que sou eu. Todos estão enlaçados em algum ponto entre si. Cada álbum é uma mise en scène diferente, com diferentes matizes, matizes novas.
Independentemente dos nomes, sempre fica claro que seus discos são projetos solistas. Mas em “Nueva Ola”, Astor Boy também está em evidência. Além de filho, ele é também um parceiro musical?
É o baterista da banda que me acompanha hoje em dia, e isso é muito grande para mim. Tem 15 anos, e toca comigo desde os 8.
Já que falamos sobre parceiros: muitos artistas colaboram com você, e vice-versa: gente como Ricardo Iorio, Guille Bonetto (vocalista de Los Cafres), Walas (do Massacre) e tantos mais. O quanto isso é importante para você?
É ótimo dividir canções e convidar artistas que admiro, como os que você citou, e outros.
“Nueva Ola” vem obtendo grande sucesso. Você continua em turnê com o disco, já tem três singles – é seu maior sucesso solista. Quais te parecem ser as razões para esse bom momento?
Pois não sei… O grande sucesso de “Nueva Ola” é a boa vibração e a harmonia que são geradas quando tocamos ao vivo, muita energia e boa dança… Além disso, não creio que seja um disco “de sucesso” em termos de mercado, mas sim para meu coração e minha alegria.
Musicalmente, qual é seu conceito de “nova onda”? Afinal, você usa essa expressão em muito do que já fez (N. No EP “Welcome to Terrordance”, há até uma canção chamada “Ian Dury”, que reverencia o ícone new wave).
Bom, é a década em que me tornei um músico de rock, os anos 1980. Admiro e amo sua música: Devo, Costello, Blondie… etc, etc, etc. Por isso a evoco sempre, vez ou outra.
Os últimos discos dos Cadillacs antes do regresso tinham uma forte influência de jazz. Aliás, era uma época na qual você estudava com Javier Malosetti (baixista fundamental para o jazz contemporâneo argentino). Mas na sua carreira solo você se aproximou mais do ska e do rockabilly. O que aconteceu com o jazz?
Veja, o jazz é algo lindo, mas acontece que o punk rock também me fascina. É que em meu mundo de admirados convivem tanto Jaco Pastorius como Sid Vicious. Gosto muito de escutar jazz, mas me custava muito tocá-lo. Então, naturalmente, ficou melhor que eu só escutasse.
Sei que em uma trajetória tão extensa é difícil escolher, mas quais são os favoritos entre seus discos?
“Nueva Ola”. Com Los Fabulosos Cadillacs, “El León” (1992).
Além da longa carreira musical, você já escreveu livros e contos. Nunca tentou fazer nada para cinema ou quadrinhos? Pergunto isso porque me parece que a parte visual lhe é muito importante, você tem toda uma iconografia própria…
Adoraria fazê-lo! Mas não surgiu oportunidade. Creio que eu deveria me juntar a algum outro artista e formam uma equipe de trabalho criativo para fazer isso. Sempre fantasio que um dos meus livros ou contos será lido por algum cineasta, e ele o levará ao cinema em formato de filme B.
Tem muito do México ao seu redor: as máscaras de luta livre, as caveirinhas… O que te encanta na cultura mexicana?
Estou apaixonado pelo México já faz uns 1000 anos mais ou menos. Amo seu povo, sua cultura, suas cores, sua essência… e a comida!
Você escreveu uma canção chamada “Buenos Tiempos para las Malas Canciones”. Além disso, sempre teve uma relação muito próxima com o rádio. Com base nisso, como você vê as rádios hoje?
Estão bem, estão bem… Tem muitas, como tudo hoje em dia, e tem de tudo… Só precisa saber escolher o que escutar.
Do ponto de vista estritamente artístico, como você avalia os dois discos feitos pelos Cadillacs depois do regresso?
Bom, eu sempre fui o principal impulsor para que façamos algo novo (Nota: na época da separação da banda, o vocalista Vicentico disse: “se depender de Flavio, a conversa sempre vai ser ‘continuemos gravando’”). Deixando de lado qualquer comparação [com os discos anteriores], digo que fazer algo novo é sempre melhor que não fazer nada.
O que podemos esperar de seus próximos projetos?
Tocar, tocar, tocar, cantar, tocar. Onde for, para quantos forem, compor canções – o de sempre. Ah! Escrever muito também: tenho um livro de contos de mistério que estou terminando.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.
Leia também:
– “Nueva Ola”, de Sr. Flávio: uma obra coesa e divertidíssima (aqui)
– “La Luz del Ritmo”, o retorno dos Fabulosos Cadillacs, por Leonardo Vinhas (aqui)
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