por Marcelo Costa
Na lista dos 16 melhores filmes de todos os tempos para Woody Allen, a Itália é representada com cinco títulos (dois de Vittorio De Sica – “Ladrões de Bicicleta” e “Vítimas da Tormenta” – e três de Fellini – “Amarcord”, “8 e ½” e “A Estrada da Vida”), o que de certa forma levanta a questão: amando tanto o cinema italiano, como Woody Allen nunca tinha filmado no País? Após passar por Londres, Barcelona e Paris, o cineasta finalmente desembarca na capital italiana com “Para Roma com Amor” (“To Rome With Love”, 2012), e, em entrevista ao Collider, não foge da questão: “Foi estritamente financeiro”.
A questão ‘cinema de turismo’ que Woody vem praticando desde que pisou em Londres para filmar “Match Point” (2005) permite uma boa discussão, mas todo mundo tem que trabalhar, e Woody não fantasia sobre o assunto: ele tem ido onde o dinheiro está, e lhe permite filmar à vontade. A opção tem soado mais positiva (“Match Point”, “Vicky Cristina Barcelona” e “Meia-Noite em Paris”) que negativa (os londrinos “Scoop” e “Você Vai Conhecer o Homem dos Sonhos”, este último provavelmente o ponto mais baixo da carreira do cineasta), e se “Para Roma Com Amor” fica no meio do caminho, a culpa não é da cidade.
Em “Para Roma Com Amor”, Woody Allen escreveu um roteiro dividido em quatro histórias que não se relacionam em nenhum momento, tendo a cidade como única forma de ligação. No fiel da balança, o filme fica ligeiramente no meio entre o bom e o ruim exatamente porque uma das histórias é ótima, a outra é apenas boa, uma terceira é uma singela homenagem ao diretor italiano preferido de Woody (o que tira certo brilho de sua trama, apesar da coisa toda funcionar) e a quarta derrapa sem dó. Uma coisa é fazer um filme, a outra, mais complexa, é fazer quatro ao mesmo tempo (mesmo que curtas).
Uma das virtudes da melhor história de “Para Roma Com Amor” é trazer Woody Allen para a frente da tela novamente, lugar que ele não ocupava desde “Scoop” (2006). Algumas das melhores gags do filme são reservadas ao seu personagem, Jerry, um produtor musical aposentado, casado com a psiquiatra Phyllis (Judy Davis) e pai de Hayley (Alison Pill), garota que se apaixona pelo italiano Miguel Ângelo (Fabio Armiliato). Ao viajar para Roma para conhecer os pais do futuro marido da filha, Jerry descobre um tenor talentoso, com apenas um pequeno defeito: ele só canta bem debaixo do chuveiro. Deliciosamente cômico.
Na história que homenageia Fellini, Woody recria quase toda a trama de “Abismo de Um Sonho” (“Lo Sceicco Bianco”, 1952), segundo filme da carreira do italiano e primeiro assinado unicamente por ele, uma deliciosa fábula de erros – aos moldes de Shakespeare (e de vários filmes de Woody). Na trama dos dois filmes, um casal do interior chega a Roma recém-casado, a esposa deixa o hotel, e quando vê está nos braços de seu ator de cinema favorito enquanto o marido precisa lidar com a família. Woody acrescenta um elemento substancial à trama (Penelope Cruz, e ela dá um show), mas o restante é quase que uma refilmagem.
O ponto fraco de “Para Roma Com Amor” reside na história que une Juno e Mark Zuckerberg, ou melhor, Ellen Page (Monica) e Jesse Eisenberg (Jack). Primeiro erro: atribuir sensualidade à atriz. Ela é uma gracinha, uma fofura, mas tão sexy quanto um pão integral. Sua virtude não é a sexualidade, e isso joga por terra toda a premissa da história, que remete ao fraco “Igual a Tudo na Vida”, de 2004, outro dos pontos baixos da carreira do cineasta. Woody Allen ainda desperdiça Alec Baldwin (apesar das sacadas ótimas de seu personagem sobre o universo das citações), e essa história só vale pelas imagens do Trastevere, um dos lugares mais aconchegantes de Roma, do Coliseu e do Parco della Musica.
Para fechar, Roberto Benigni. Ele é meio intragável (a menção ao seu nome faz relembrar o pesadelo de sua festa no Oscar), mas caiu perfeitamente bem na história mais profunda de “Para Roma Com Amor”, que analisa com bastante ironia a fama, transformando simples mortais em grandes astros da televisão, que opinam sobre tudo, dormem com as mulheres mais bonitas do mundo, e nunca precisam esperar uma mesa num restaurante. Leopoldo, o personagem, quase enlouquece com a fama repentina, mas depois de experimentar a droga, fica viciado. Woody Allen, novamente, não despista: “É bem melhor ser rico e famoso”.
O que de certa forma decepciona é que “Para Roma Com Amor” é uma comédia leve e dispensável. Há boas gags (algumas visuais que remetem diretamente aos primeiros filmes de Woody Allen nos anos 70, quando o cineasta era fortemente influenciado pelos Irmãos Marx), algumas premissas interessantes, mas falta profundidade ao filme. Falta… alma, e isso é um pecado numa cidade tão passional quanto Roma. Pior só o encerramento, quase um anúncio da Secretária de Turismo da cidade. Inevitável lembrar de “Roma”, de Fellini, um retrato muito mais pungente da cidade, apaixonado e ao mesmo tempo destrutivo.
“Para Roma Com Amor” funciona como diversão despretensiosa, um filme bonitinho de sessão da tarde que está longe do melhor da filmografia do diretor, e só decepciona quando se transforma em mero cartão postal, porque Woody Allen, teoricamente, não precisa vender seu cinema para uma agência de publicidade turística. Seu jeito particular de olhar o mundo, de aceitar que a vida é uma deliciosa desgraça que passa rápido demais, foi revigorante em suas três primeiras décadas cinematográficas, e sua atual rendição aos finais felizes (como em “Tudo Pode Dar Certo” e “Meia Noite em Paris”) pode simbolizar um amolecimento da idade.
Ao contrário de “Match Point”, um caso de falso final feliz (pelas questões morais que a felicidade levanta), o Woody Allen dos últimos filmes tem limado as arestas e se concentrado no “estar vivo”, no aqui e no agora (até Boris, de “Whatever Works”, termina bem, afinal tudo pode dar certo). “Para Roma Com Amor” marca um pequeno retorno dos desencontros (na história de Monica/Jack, que peca por soar tão rasa quanto o personagem de Ellen; e na de Benigni, de final cruel: o viciado que não consegue mais a droga, no caso, a fama), mas carece de profundidade. A gula cinematográfica traiu Woody. Para ver, sorrir e torcer pelo próximo.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Leia também:
– Sobre todos os filmes de Woody Allen de 0 a 10, por Marcelo Costa (aqui)
Bacana a crítica. Engraçado como uma lista de filmes do Woody é variável de pessoa para pessoa. Na Mostra histórica do CCBB, há uns dois anos, colocaram umas vintes pessoas para dar seu ranking de melhores e piores e comentar, foi engraçado ver certos filmes entravam na lista dos piores para uns e melhores para outros. Para mim, por exemplo, “Você vai conhecer…” é um filme que gostei muito, um filme amargo (sem ser pesado como os tramas bergmanianos dele, que adoro também) que coloca a questão das ilusões,seja místicas ou sociais, e do ruído de comunicação que foge dessa tendência para finais felizes que você disse. É o olhar sombrio sobre o mesmo tema do “Tudo pode dar certo”. Preciso conferir esse para dar opinião, mas é bom ver o lançamento dos filmes dele aqui. Não faz muito tempo havia uma demora para isso que podia passar de um ano,com risco de não acontecer.
Gostei muito do filme. Pra mim o arco mais fraco é justamente o da Ellen Page e por um erro crasso de casting pois as demais personagens da trama estao excelentes. Mas já li outras criticas e comentários achando qualquer um dos outros arcos como o pior, o que evidencia que mais do que em outros filmes, os filmes do Woody Allen sao extremamente pessoais, subjetivos… Depende do quanto cada um se deixa levar. Eu gostei muito mas estava me deixando levar por qualquer coisa talvez pelo fato de que era meu primeiro sábado livre em um bom tempo.
PS: eu curti “Voce vai conhecer…”
Eu também curti muito o “Vc vai conhecer …”. Não entendi a birra que a crítica tem com esse filme. Apontá-lo como o ponto baixo da carreira do Woody Allen é um pouco de exagero, né?
“Para Roma Com Amor” é muito, mais muito divertido. E o filme mais injustiçado de sua fase européia é “Scoop” que é melhor do que todos os filmes de comédia dos últimos 15 anos. E só mais um detalhe : Ninguém fez tantos filmes legais, divertidos e amargos sobre a vida, o amor e os relacionamentos como ele. Ou seja : O melhor cineasta do mundo por tudo que já fez e tem feito!!!
Faço das suas as minhas palavras, pois considero a melhor crítica deste filme até o momento, assim como a referência às demais obras de Woody Allen.
Gosto muito dos filmes dele, mas este quase me fez dormir no cinema!