por Leonardo Vinhas
Ainda moleque, Sergio Rotman discotecava nas noites portenhas do começo dos anos 1980, sendo responsável por apresentar muitas bandas de reggae e de pós-punk para muitos que viriam a se tornar músicos influentes na década seguinte. Logo após, começou como saxofonista (e imediatamente depois, vocalista) da banda punk Cienfuegos. Poucos meses depois, era também um dos integrantes dos Fabulosos Cadillacs, e foi com essa banda que Rotman permaneceu durante 12 anos, passando do circuito dos bares ao estrelato internacional.
Porém, a inquietude, o ego e a falta de vontade de dividir espaço com Vicentico e Flavio, os principais compositores dos Cadillacs, fizeram com que Rotman deixasse a banda e passasse a ser um dos artistas independentes mais prolíficos de seu país. E sem a direção musical dos ex-parceiros, dividiu-se entre suas duas paixões: com os Cienfuegos registrou quatro discos permeados de influência direta de punk, pós-punk e new wave. Com a esposa, a porto-riquenha Mimi Maura, dedicou-se ao reggae, calipso, salsa e outros ritmos latinos e caribenhos.
Seu temperamento explosivo detonou os Cienfuegos (que se reagruparam sem ele no final do ano passado) e deu início a uma série de projetos efêmeros até que, mais uma vez ao lado da esposa, encontrou um foco com El Siempreterno, que lançou seu epônimo álbum de estréia no ano passado e já se prepara para desovar mais um antes de junho deste ano.
“Sempre quis fazer uma banda como o X”, chegou a declarar Rotman. “Adorava ver John Doe e Exene Cervenka juntos, pensar em uma banda punk feita por um casal que se ama, acompanhado de amigos”. Assim é o Siempreterno: Sergio e Mimi nos vocais, Ariel Minimal (líder do Pez e ex-Cadillacs) na guitarra, Alvaro Sanchez (ex-Los Sedantes, um desses projetos de curta duração de Rotman) no baixo e o parceiro de todas as horas Fernando Ricciardi (ex-Cadillacs, ex-Mimi Maura e ainda no Cienfuegos) na bateria. Dessa esbórnia incestuosa do underground portenho resultou a banda que parece deixar todos os seus integrantes mais relaxados do que em seus projetos originais.
É engraçado: apesar do som perseguir as mesmas obsessões algo sombrias de seu frontman (a dor como benção, a impossibilidade do amor no mundo moderno, as guitarras em tons menores e com timbres graves), há um clima insuspeitamente “pra cima” nas composições. Pegue-se “Contradíos” como exemplo: mesmo com versos do naipe de “olha essa gente / apocalipzando-se / tendendo a desaparecer / Outra vez / contra Deus / sem piedade e sem dor”, é uma canção curta, dançante e – por que não? – empolgante, uma festinha no clima de “o mundo está acabando e não estou nem aí”. Um clima que se repete em outros momentos, como “Más de lo Mismo”, “Rohypnol” e “Inyección de Amor”.
Parte do disco são composições que nunca foram gravadas pelo Cienfuegos, e a sombra da banda é perceptível nas faixas mais punk, como “7-11” e a já citada “Inyección de Amor”. Mas o equilíbrio entre a voz grave e intensa de Rotman com a potente doçura do canto de Mimi faz a diferença. E há espaço para delicadeza, seja na balada retro “La Vieja Casa” ou na derramada “Bebendo Ansiedad”.
El Siempreterno é uma banda que, superficialmente, vive do passado. Mas a entrega de seus músicos e o espírito inquieto de Rotman conferem um sentimento às canções que faz com que elas não só não pareçam datadas mas também lhes confere uma sensação de urgência, de viver o presente com paixão apesar (ou por causa) das dores que inevitavelmente surgem e ameaçam tomar conta.
– Leonardo Vinhas assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell e já escreveu sobre O Rock Argentino Depois De Cromañon (aqui) e entrevistou a banda Superhéroes (aqui)
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