por Renata Arruda
O ano é 2003 e a Lona Cultural Hermeto Pascoal, na zona oeste do Rio de Janeiro, se prepara para receber o show de uma cantora semi-desconhecida do grande público, que acabara de lançar sua segunda música de trabalho. Sem nenhuma cerimônia, entra em cena a banda, que poderia ser qualquer uma das bandas de amigos que tocam nos inferninhos roqueiros da cidade, e à frente desta, Pitty, aos 20 e poucos anos, usando pompons no cabelo, calça roxa e uma blusa dos Ramones cortada nas mangas. Na plateia, alguns curiosos e muitos pré-adolescentes que a conheceram pela MTV. Pitty faz seu show concentrada em si mesma e, com um repertório ainda desconhecido, consegue empolgar mesmo com um cover embromation de “In Bloom”, do Nirvana, e “Máscara”, música que a projetou e que finaliza uma apresentação sem bis.
Corta para 2012. Quase nove anos se passaram desde a apresentação na abafada lona de Bangu, e o que vemos hoje é uma artista naturalmente mais experiente e segura de si, que mesmo ainda seguida por um público adolescente fiel, começa a conseguir se desvincular do rótulo de ídolo teen e ganhar o respeito principalmente de parte da mídia especializada; devendo, em parte, à realização deste projeto Agridoce – que divide com Martin Mendonça – onde Pitty, buscando arriscar explorar uma faceta completamente nova em sua carreira, apareceu mostrando composições mais poéticas e pessoais apoiadas em canções sensíveis e delicadas, que pouco lembram a rebeldia dos seus discos solos.
O local escolhido para apresentar pela primeira vez no Rio o show deste projeto foi o teatro Oi Casa Grande, localizado no Leblon, e nem mesmo a data (uma quarta-feira) ou os altos preços dos ingressos afugentaram o público, que encheu o teatro. No palco, o cenário simulava uma sala de estar, dando à apresentação um clima aconchegante e fazendo com que a plateia se sentisse testemunha de um evento íntimo. Aproveitando o ensejo, a dupla protagonizou uma espécie de “teatrinho” ao entrar no palco, com Pitty sentando-se ao piano e tirando de uma garrafinha algo que parecia ser suco de laranja e Martin fingindo ler um jornal, enquanto Luciano Malásia (percussão) e Loco Sosa (programações) assumiam seus lugares.
Sem dizer nenhuma palavra, o quarteto abriu o show com “Upside Down”, que ganhou força com a acertada decisão de usar material pré-gravado – o que aconteceu durante toda a apresentação – “preenchendo” as lacunas que se notavam nas primeiras apresentações. Concentrados, tanto Pitty quanto Martin emendavam as canções sem se dirigirem ao público, o que só foi acontecer após a versão da dupla para “Please, Please, Please, Let Me Get What I Want”, dos Smiths, oitava música da noite. Antes de se levantar do piano e, ao lado de Martin, assumir ora a escaleta, ora o xilofone em duas canções compostas durante a estadia na serra – “130 anos”, que trouxe o clima da casa para o teatro ao reproduzir imagens dos dois sentados à beira da piscina, em plena gravação da faixa, e “Embrace the Devil”, que abre o disco –, Pitty finalmente cumprimentou e agradeceu a presença da plateia, falando de timidez para explicar a visível tensão: “Como está no meio do show, eu já posso falar. No início a gente fica meio tímido mesmo”. Mais relaxada, faz uma brincadeira sobre o microfone estar “broxa” e a tensão da primeira metade do show – também refletida no receio do público em aplaudir – é dissipada; deixando o resto da apresentação mais leve e divertida.
Passando por todo o repertório conhecido, a dupla apresentou canções em português, inglês e francês interpretadas com confiança e perceptível evolução de Pitty como cantora, em uma noite onde os destaques foram as versões da queridinha “Romeu”, que ganhou um belo vídeo gravado por Ricardo Spencer (“na brodagem”), citando com os efeitos da paixão em imagens sutis de uma espécie de atendimento médico (enfermeiras; uma espécie de “raio X” do pulmão; a palavra “respiração”; uma bolsa de sangue); a melancólica “Epílogos”, com Pitty cantando versos como “Primeiro os aniversários / As festas, balões coloridos (…) Depois os funerais / As camas de hospitais” em um megafone, enquanto o telão projetava imagens de flores crescendo e desabrochando e, já no trecho final, o hit “Dançando”, acompanhada em uníssono por toda a plateia.
Finalizando com a climática “O Porto”, uma parte do público já começava a abandonar o teatro quando o quarteto voltou para o bis. “A gente vai tocar mais duas… e vocês que estão indo embora… mas que falta de união!”, foi a bronca em tom de galhofa dada por Martin, que fez com que todos voltassem aos seus lugares para a execução de uma versão de “La Javanaise”, de Serge Gainsbourg, seguida por “Alvorada”, faixa que em sua versão demo chegou a ser divulgada no MySpace da dupla, mas acabou ficando de fora do álbum. Retornando ainda uma terceira vez, para repetir “Epílogos” (o show estava sendo gravado para um especial do canal Multishow HD), o Agridoce encerrou sua apresentação com o público pedindo pela repetição de “Romeu” (“Vocês acharam ruim, é?”, brincou Martin) e com um grupo de adolescentes aglomerados em frente ao palco para conseguir autógrafos e chegar perto de uma simpática Pitty que, mais tranquila, não parece querer provar mais nada para ninguém.
– Texto por Renata Arruda (@renata_arruda). jornalista e colaboradora na empresa Teia Livre, na Revista Cultural Novitas e assina o blog Escrevedora
Leia também:
– Pitty: “No final das contas, deixamos a coisa voar para o lado que desse vontade” (aqui)
Muito boa a matéria.
Agridice(por mais que alguns fãs não curtam) é um projeto bom e inovador, que se encaixa em cada trexo da sua vida!
É tipo uma historinha.
As fotos são de Cristina Granato. 🙂
Ou melhor, a primeira é de Rodrigo Amaral e a segunda que é da Granato.