por Renata Arruda
“O rock está estagnado pra quem não procura se informar. A mídia fica sufocada pelo jabá e, se ela não traz boa música, você tem que ir atrás dela. Garanto que o rock por aqui tá bem vivo”, afirma Jajá Cardoso, líder da banda soteropolitana Vivendo do Ócio, que disponibilizou seu terceiro álbum “O Pensamento é um Imã” para audição no Facebook antes do lançamento oficial, previsto para o dia 10 de fevereiro.
Após receber o prêmio “Aposta MTV” em 2009, a banda formada por Jajá (voz e guitarra), Luca Bori (baixo e vocal), Davide Bori (guitarra) e Dieguito Reis (bateria) volta em 2012 disposta a fazer jus ao voto de confiança, prometendo contribuir com a sua parte para manter a longevidade de um gênero que vem ganhando menos espaço nas paradas de hits nacionais.
Em “O Pensamento é um Imã”, a Vivendo do Ócio busca caminhos menos óbvios e demonstra sinais claros de amadurecimento reunindo num mesmo álbum pitadas de western spaghetti, poesia de Vinícius e um certo experimentalismo ao misturar eletrônico a Los Hermanos (como na interessante “Dois Mundos”) ou apostar no regionalismo para compor “Mais Clichê”, música que ganhou o reforço do baixo gravado pelo ex-Novos Baianos Dadi.
As letras ainda não abandonam por completo os temas joviais como bebedeiras, mas já passam a refletir também as questões de quatro rapazes que se depararam com a necessidade de sair de Salvador para dividirem moradia juntos em uma cidade como São Paulo. E é pela saudade da terra natal que surge a sincera “Nostalgia”, cujo lamento “eu só queria / passar um tempo lá em casa / me deu saudade da Bahia”, é capaz de despertar a empatia de todos que alguma vez se viram a obrigados a ficar longe de casa.
Não por acaso, os também migrantes Pitty e Martin foram convidados a participar da faixa: “Estávamos no Estúdio Tambor, no Rio de Janeiro, finalizando as mixagens do disco do Agridoce quando Rafael Ramos nos mostrou algumas faixas do disco novo do Vivendo o Ócio. Ele já tinha a ideia de acrescentar os backings e um violão nos refrões de “Nostalgia” e coincidentemente essa foi a faixa que mais bateu, e bateu muito! O solo dobrado foi uma forçadinha de barra que eu dei e acabou ficando massa. Difícil foi encontrar com o Jajá depois e explicar que tinha gravado um solo por cima do dele”, conta. Pitty acrescenta: “Não sei se bateu pra gente por sermos baianos, e por de vez em quando sentirmos um certo “banzo” em relação a isso. O refrão soa como uma visita / homenagem à Caymmi, e a letra toda tem um duplo sentido que poderia ser aplicada à uma saudade de alguém. Por isso aceitei participar, porque me identifiquei com esses sentimentos todos e porque a música em si é muito boa.”
Produzido por Chuck Hipolitho (atual Vespas Mandarinas) e Rafael Ramos (Pitty, Cachorro Grande) e masterizado por Brian “Big Bass” Gardner (Foo Fighters, Queens of the Stone Age), o álbum não deixa de lado as influências de bandas britânicas como Arctic Monkeys e The Strokes e traz ainda o potencial hit “Radioatividade”, mostrando que a Vivendo do Ócio pode ser capaz de não decepcionar nem aos antigos fãs da banda nem aos jovens órfãos de novidades no moroso rock nacional.
Às vésperas do lançamento de “O Pensamento é um Imã”, Jajá Cardoso conversou com o Scream & Yell. Confira o bate papo e ouça duas músicas.
Como se deu o envolvimento de vocês com música?
Todo mundo começou desde cedo, na faixa dos 13, 14 anos, aprendendo sozinho. Sonhar em viver de música é normal pra qualquer pessoa que tem uma banda, mas não tínhamos isso realmente como um foco, tocamos por diversão e a banda é uma consequência da nossa amizade. Então nos escrevemos no GAS Sound 2008, acabamos vencendo e ganhando um disco e consequentemente um contrato com a Deck. Em julho de 2009 fomos pra Sampa apenas pra divulgar por uns meses o “Nem Sempre Tão Normal”, mas as coisas foram acontecendo e ficou impossível de voltar. Desde então, fincamos nossa base na terra garoa e nem cogitamos a ideia de mudar.
Apesar de ainda tratarem de alguns temas jovens, a banda se mostra mais madura em relação aos discos anteriores, inclusive no som.
Tudo mudou, já temos cinco anos juntos, toda a experiência que acumulamos desde então está explicita nesse segundo disco. Em 2009, com o lançamento do primeiro disco nos mudamos pra Sampa e moramos juntos até o momento. Com certeza esse foi um dos fatores principais para o nosso amadurecimento, com o trabalho ficando mais coletivo estamos fortalecendo cada vez mais nossa identidade.
E como é o processo de composição? Vocês buscam influências também em filmes, livros?
Com certeza, inclusive a canção “Por Um Punhado de Reais” tem influência do faroeste “Per Un Pugno di Dollari”. Eu particularmente gosto muito de ler e de uma forma ou de outra as letras acabam recebendo influência dos livros, é inevitável. Nossas músicas refletem nossas experiências e o processo de composição é livre, não temos padrão. Por exemplo, se eu começo uma letra, já chamo Luca pra escrever, aí já entra outro no meio, dá um palpite na base e etc. e vamos fazendo, deixamos fluir naturalmente.
Li que “Silas” é um motoboy amigo da banda que “não pensa no amanhã”. Como surgiu essa ideia de escrever sobre ele?
Silas é uma figuraça, um cara muito legal que vive a vida pensando “no agora”. Ele é primo do Dieguito e na época que estávamos em Morro de São Paulo trabalhando as composições do disco, um dia falando sobre ele, veio a ideia da música.
E a ideia do clipe ser gravado na Itália?
Apenas aproveitamos a oportunidade, estávamos lá, gravamos sem compromisso, não tínhamos muita ideia do resultado final e o melhor foi que acabou superando nossas expectativas. Nos juntamos com nossos amigos Rodolfo Craia, que é diretor de teatro, e Federico di Marco, que é fotógrafo e diretor, e pegamos as estradas da região Marchegiana.
Aliás, a banda já tocou também na Europa. Como foi?
Em 2010 fomos convidados para o Brazilian Day London, foi nosso primeiro show internacional. Tocamos na área externa do O2 Arena, tinham mais de 15 mil pessoas. Foi demais! Na mesma época ainda fizemos mais dois shows: Den Haag – Holanda e mais outro em Londres no Dublin Castle. Em 2011 tocamos na 25ª edição do Itália Wave Love Festival, que aconteceu em Lecce, sul da Itália. Foi uma das nossas melhores experiências até agora, tivemos a honra de tocar no mainstage logo depois do Lou Reed, demorou pra cair a ficha! Ainda vimos shows de ótimos grupos do mundo inteiro, entre eles: Jimmy Cliff, Kaiser Chiefs, Verdena e Serge Gainsbourg Experience. Trabalho mais divertido não existe!
No ano passado, vocês participaram de um “mockumentário” chamado “Vive Le Rock”, sobre um rapaz que desiste de se suicidar ao se envolver com o rock. Queria que contasse um pouco sobre o convite.
O diretor Alessandro Valenti e sua equipe nos conheceram através da produção do Italia Wave; fomos convidados pra fazer uma participação, mas com o decorrer das gravações eles foram tendo outras ideias e fomos entrando cada vez mais no filme. Foi uma experiência incrível! Além de boa parte do mockumentário funcionar naturalmente, com cenário e “figurantes reais”, também traz várias referências históricas do rock. Estamos ansiosos para ver o resultado final.
E você acredita que a música tem o poder de salvar uma vida?
Com certeza, acredito que a música tem o poder de libertar e transformar a vida de qualquer pessoa.
O nome do disco significa que “o pensamento tem poder de atração, como um imã”. Diz respeito ao chamado “pensamento positivo”?
Justamente isso, é bem simples. A sua vida ocorre de acordo com as energias que você canaliza, se você pensa e faz coisas boas, com certeza tudo vai refletir e atrair positividade.
Como foi a parceria com Dadi em “O Mais Clichê”?
Novos Baianos faz parte das nossas influências e o Dadi ter aceitado gravar foi uma grande honra. Mandamos a música, ele curtiu, gravou uma linha de baixo fantástica e mandou de volta, quase não acreditamos! Esperamos ter o grande prazer de conhecê-lo pessoalmente em breve!
Qual a história de “Nostalgia”? Ela quase não entrou no disco…
Ela foi a ultima musica a entrar no disco, a lista já estava pronta, mas ela não tinha como não entrar. Quando mandamos a pré(-produção) para o Rafael Ramos e o Chuck eles piraram. Tudo começou com uma jam que fizemos com nosso amigo Pablo Dominguez. Luca lançou um riff, Dieguito misturou uma batera meio reggae meio rock, Pablo já puxou um refrão e um caminho pro verso, eu cheguei completando os versos e tive a ideia de colocar o trecho de um poema do Vinícius de Moraes, “O Incriado”, que traduz bem o sentimento de estar distante da sua terra. E para finalizar ainda tivemos o prazer de ter a participação da Pitty nos backing vocais e Martin duelando comigo na guitarra. Todos nós gostamos muito dessa canção, ela traduz muito bem nossa saudade.
E a relação de vocês com o público baiano? Vi que o álbum teve pré-venda exclusiva em Salvador. Foi uma forma de retribuição?
O público da Bahia é demais, fico sem palavras pra descrever a energia da galera, a sensação de tocar em casa! Tínhamos que fazer alguma ação por lá, já que por causa da agenda em Salvador não foi possível fazer um show de lançamento oficial, mas o ano só está começando e vamos voltar pra fazer o show novo realmente como queremos.
E como vocês enxergam a cena roqueira da Bahia?
O Rock da Bahia sempre gerou bons frutos e vem se transformando desde Raul Seixas. O que sempre atrapalha é a falta de espaço na mídia e também pra tocar. Mas de qualquer forma a galera é fiel, tem sangue no olho e batalha pra manter vivo o que a Bahia tem de melhor.
Foi difícil se mudar e adaptar à São Paulo?
Nos adaptamos bem, São Paulo assusta um pouco de início, mas com o tempo isso passa. Moramos juntos numa casa e rotina é uma palavra que quase não existe no nosso dicionário (risos).
Eu soube que a banda chegou ao Festival de Verão de Salvador através da mobilização dos fãs. Como foi isso?
Na edição desse ano tocamos por causa de uma ação do nosso fã clube Ócio do Vivendo, eles fizeram um evento no Facebook “Queremos Vivendo do Ócio no Festival de Verão” e mandaram e-mail pra produção. Depois de algumas semanas recebemos o convite.
Como é a relação de vocês com a internet?
A VDO é totalmente ligada à internet. Desde o inicio em 2006, já começamos lançando um single e disponibilizando pra download. A internet é uma ferramenta de divulgação poderosa, basta saber usar. Cada coisa que acontece com a banda, postamos imediatamente. Outra coisa que é muito importante é que ela acaba criando uma proximidade com o público e isso é essencial pra qualquer artista.
Uma matéria recente da Folha mostrou que o rock nacional estava estagnado e muito se fala sobre o “fim do rock”. Lá fora, o baterista do Black Keys creditou essa “morte” à falta de exigência do público. Como você enxerga esse cenário?
Fico triste com a visão pessimista do batera do Black Keys. Porém concordo em partes com ele com a falta de exigência do público, é só a gente parar pra analisar o que “bomba”, principalmente no Brasil, e isso é um problema geral, mais da mídia e indústria musical em si do que diretamente das bandas. Pra mim é uma visão acomodada, está estagnado pra quem não procura se informar. A mídia fica sufocada pelo jabá e se ela não traz boa música, você tem que ir atrás dela. Garanto que o rock por aqui tá bem vivo, não faltam boas bandas pra provar isso, elas só precisam de mais espaço e também estamos aqui dando nossa contribuição.
Dessa forma, qual a importância de ganhar um prêmio como o “Aposta MTV” pra vocês?
O prêmio é importante, não foi um prêmio só pra nós, foi um premio para o rock nacional e, por sinal, foi uma escolha do público. Fazendo um contraponto com a resposta anterior, tem muita gente que quer uma mudança, não só no rock, mas na “música de verdade” e o idealismo é justamente esse: Verdade. O Brasil tá cheio de grupos que só porque tem uma guitarra distorcida já acha que é rock. Ter uma banda é fácil, qualquer um pode ter; ser uma banda que é difícil.
– Texto por Renata Arruda (@renata_arruda). jornalista e colaboradora na empresa Teia Livre, na Revista Cultural Novitas e assina o blog Escrevedora
Leia também:
– Pitty e Martin falam sobre o projeto Agridoce. Ouça “Dançando”, por Renata Arruda (aqui)
Discordo. O rock NÂO está estagnado pra quem não procura se informar. Pra quem procura se informar e ir atrás e vez por outra acaba esbarrando com bandas tipo essa vivendo do ócio, a impressão que fica é que pior que estagnado, o rock está patético.
Caras e bocas e pedantismo. Pra uma banda que tem no nome o orgulho de se viver da improdutividade, não dava pra esperar outra coisa né…