Entrevista: Rosie and Me

por Renata Arruda

Uma nova direção. Esta é a mensagem que a banda curitibana Rosie and Me quis transmitir ao batizar seu primeiro CD de “Arrow of My Ways”, e ilustrar sua capa com um moinho. “O nome “Arrow of My Ways” é um trocadilho com a expressão “error of my ways”, em referência às dificuldades que enfrentamos nos anos anteriores. Substituindo “error” (erro) por “arrow” (seta), procuramos demonstrar que, depois de cometer vários erros, finalmente estamos seguindo um caminho certo”, conta Rosanne Machado, compositora, vocalista, violonista e líder da banda formada também pelo baterista Tiago Barbosa, o baixista Guilherme Miranda, o violista Ivan Camargo e o guitarrista Thomas Kossar.

Passaram-se quase seis anos desde a formação da banda e suas primeiras demos caseiras, que ficaram conhecidas internacionalmente através do site Last.fm, até o lançamento do seu primeiro álbum, em uma trajetória já conhecida por muitos após a boa repercussão do elogiado EP “Bird and Whale”, cujas canções de influência twee pop e levada folk caíram rapidamente no gosto do público e crítica, tendo a deliciosa balada dançante “Bonfires”, que ficou conhecida como “a música do comercial da Claro”, como carro-chefe. No ano passado foi a vez de “Darkest Horse” surpreender, sendo selecionada para o episódio final da oitava temporada do seriado americano One Tree Hill.

Também no ano passado, a banda enfrentou um contratempo com o selo Curve Music: meses após o pedido para deixar o selo, a banda teve todas as suas músicas e vídeos retirados das contas como Soundcloud, Bandcamp e Youtube – incluindo os vídeos pessoais – após denúncia feita pelo selo, que alegava ser dono do copyright. Foram meses de disputa, que incluíram denúncias mútuas e pressão dos fãs, mas finalmente selo e banda chegaram a um acordo e as páginas do Rosie and Me voltaram ao normal. Sobre o assunto, Rosanne prefere não entrar em detalhes e resume: “Basicamente, tivemos alguns desentendimentos quanto à forma de condução da nossa carreira. Queríamos liberdade para interagir diretamente com o público, imprensa, lançar músicas, downloads gratuitos etc., o que gerou atrito com o selo. Conseguimos resolver o assunto amigavelmente e não tivemos problemas desde então”.

De volta à carreira independente, o Rosie and Me ficou livre para se concentrar em seu primeiro álbum. “Arrow of My Ways” foi gravado em um estúdio montado na casa de Rosanne, que compôs todas as músicas e tocou quase todos os instrumentos nas faixas “Light You Up” (violão e guitarra), balada cuja melancolia é reforçada pelo vocal arrastado, e “Treehouse” (violão, guitarra e trompete; bateria de Tiago Barbosa), uma canção rapidinha e fofa, que lembra bastante o primeiro EP. Rosanne também se encarregou de produzir e mixar sozinha todo o álbum e conta: “Não existe “dedo” de ninguém nele, seja de gravadora, produtor, estúdio; isso é algo de que nos orgulhamos bastante neste novo álbum”, completando, “a composição e a produção são minhas, mas o trabalho é do Rosie and Me como banda”.

Na música que dá título ao álbum, e também a escolhida como primeiro single, Rosanne divide seu vocal suave com o cantor nova iorquino Greg Thomas em uma balada indie que versa sobre encontrar forças no amor de alguém (mas que também serve como metáfora à obstinação da banda, em versos como “Like a horse you cannot break/I was restless and astray”, e que, mesmo sem refrão, cumpre bem o seu papel de canção pop, não devendo nada às populares do gênero.

Mantendo a simplicidade característica e apostando nas composições em inglês, o disco também conta com a participação especial de outro cantor, o britânico Joshua Thomas, na já divulgada faixa de abertura, “Home”, e na seguinte, o country ensolarado e romântico “Where the Heart Is”, que abre caminho para uma sequência de baladas que parecem contar uma historinha de relacionamento: se “Where the Heart is” é uma música alegre sobre um casal apaixonado, as faixas seguintes vão se tornando cada vez mais introspectivas na medida em que as letras falam sobre desentendimentos (“I cursed your name out loud/I loved you all along”, diz a letra de “Shotgun to the Heart”, que você pode ouvir no player acima); arrependimento (“I’m trying to clear out my thoughts/’cause i just cannot give up the one thing that/keeps me alive”, canta Rosanne em “Light You Up”) e desilusão (“You just wash off the dust and go home/everything just turns out wrong”, de “Southern Home”).

A sequência então é quebrada com a cativante “I Couldn’t Reach You”, country dançante e um dos melhores momentos do disco, com sua letra direta, que diz coisas como “I’m tired my head is pulsing like a bomb/I was found on the ground (…) you know they have no respect for us”, que inevitavelmente remete ao recente imbróglio da banda com o antigo selo. O CD ainda traz a supracitada “Treehouse”; a tocante balada “Jamie”, que já vinha sendo tocada nos shows e cuja versão demo já havia sido liberada em seu site, e fecha com “Carry On”, canção que aborda a temática do loser, sem sentir pena de si mesmo, em uma letra busca oferecer algum conforto: “leaving nothing goog but a broken pride(…)so carry on, my darling”.

Em “Arrow of My Ways”, o Rosie and Me passeia por diversas influências que vão desde The Weepies, Bon Iver e Band of Horses a lendas do country clássico como George Jones e Buck Owens, resultando em um álbum autoral e coeso, onde a voz doce de Rosanne Machado canta pequenas alegrias, amores, desilusões e solidão, em músicas delicadas que ora nos fazem ter vontade de dançar sob o céu estrelado, ora servem como companhia perfeita para as chuvosas noites de verão. O CD pode ser baixado de graça no facebook (http://www.facebook.com/rosieandme) e no site de banda (http://www.rosieandmemusic.com), mas os que quiserem também podem adquirir via iTunes (aqui) ou mesmo a versão física (aqui).

Para o lançamento, Rosanne concedeu uma entrevista exclusiva ao Scream & Yell, contando detalhes sobre o álbum, as direções da banda, e a turnê de lançamento, que começa em março. Confira:

“Bonfires” foi um single bem sucedido e “Darkest Horse” fez parte da trilha de One Tree Hill. Como você vê isso e o que acha que mudou de Bird and Whale pra cá?
A repercussão do EP nos pegou de surpresa. Trabalhamos intensamente na divulgação, mas não esperávamos um retorno tão bom do público. O uso das músicas em propagandas e seriados é sempre uma ótima ferramenta de divulgação, mas não faz milagres, se não houver uma estratégia definida. No nosso caso, foi um bom cartão de visitas para a banda. O Rosie and Me mudou bastante desde a gravação do EP. Arrisco dizer que, musicalmente, quase tudo. As composições, desde o início, seguiram para uma vertente mais pop e, de folk mesmo, tinham só a levada. Depois de acrescentar outros instrumentos, como guitarra e banjo, a sonoridade do CD novo ganhou um toque de country clássico bem distinto. As músicas também estão mais longas e com letras mais focadas. É nesse estilo que pretendemos construir nossa música.

Como foi o processo de composição para o novo álbum?

Algumas músicas que entraram neste álbum foram compostas em meados de 2010, outras em 2011. Foi um processo natural, sempre que surgia inspiração, eu sentava com o violão no colo, abria o bloco de notas no computador, e a música saía aos poucos. Todas as músicas são autobiográficas e falam de momentos importantes da minha vida. Algumas pessoas escrevem em diários, eu escrevo músicas.A parte da produção ficou por minha conta mesmo: conduzi todas as gravações num pequeno estúdio que montei em casa, produzi e mixei as faixas. A proposta do disco é seguir à risca o conceito de lançamento independente. As músicas não são superproduzidas, não foram utilizados equipamentos e efeitos avançados, e isso manteve o CD fiel ao nosso estilo.

E a parceria com os cantores convidados?
É tudo resultado de amizades feitas pela Internet. Tanto o Greg Thomas quanto o Joshua Thomas (que, a propósito, não são parentes) acompanhavam o nosso trabalho por sites de mídia. Acabei conhecendo a música deles por esses mesmos sites e achei que a voz dos dois seria uma boa adição ao álbum.

Você disse que letras em português não combinam com o tipo de música que vocês fazem, comentando que seria tão cafona quanto tentar cantar uma traduzida de Death Cab for Cutie, por exemplo. Mas não é um desafio emplacar por aqui com composições em inglês?
Sinceramente, acredito que não. Grande parte do público brasileiro acompanha a carreira de bandas que cantam em inglês, e a prova disso são as inúmeras pessoas que fazem “coro” em shows de artistas internacionais. Às vezes, algumas pessoas entendem errado o que quero dizer com isso. Para mim, é bem simples: eu não conseguiria casar nossas melodias com letras em português. É uma questão de estilo mesmo. Muitas músicas perdem um pouco da graça quando traduzidas, é natural. Isso acontece até mesmo do modo contrário, passando-se uma música em português para o inglês. Quem nunca traduziu uma música em inglês e ficou decepcionado?

Já chegou a compor alguma coisa em português?
Nunca compus músicas em português, costumo brincar e dizer que isso está além da minha capacidade. Acho que o público que gosta da nossa música não liga para essa história de cantar no idioma nativo. Por outro lado, também não acredito que alguém que não seja fã do nosso estilo vá mudar de opinião só porque começamos a cantar em português.

A turnê internacional é “a realização de um sonho”, nas suas palavras. Como será essa turnê?
Montamos essa turnê por conta própria, depois que recebemos o convite do SXSW. Chegamos em Los Angeles (CA) no começo de março, para tocar em dois lugares: Viento y Agua Coffeehouse e Hotel Café. Em seguida, partimos para Austin (TX), para o show no SXSW, passando ainda por Dallas (Opening Bell Coffee) e Houston (Dunn Bros Coffee). É a realização de um sonho, especialmente porque vamos tocar em lugares que já receberam artistas que admiramos muito. Esse é o caso do Hotel Café, em que já tocaram Mumford & Sons, Great Lake Swimmers, Bon Iver etc.

É curioso que, prestes a lançar o primeiro CD, vocês tenham datas marcadas nos EUA e nenhuma no Brasil…
Isso não foi algo planejado. A gravação do CD acabou atrasando e o lançamento ficou para 2012. Desde 2010, nosso grande objetivo é tocar no SXSW, que acontece todo ano, em março, no Texas. Como estamos em janeiro, simplesmente não haveria tempo hábil para organizar uma turnê no Brasil (em meio a ensaios e trâmites burocráticos relacionados à viagem). Mas já temos em mente uma turnê para divulgar o CD no Brasil, a partir de abril.

E como é o espaço para bandas como o Rosie and Me no Brasil?
Por incrível que pareça, é mais difícil marcar shows no Brasil do que lá fora. Aqui, dá para perceber uma presença muito forte de “panelinhas”, o que atrapalha uma banda desconhecida na hora de tentar agendar apresentações ao vivo. De modo geral, é raro alguém chamar uma banda para tocar se outra pessoa “do ramo” não a recomendar, ou se não existir alguém na mídia elogiando o seu trabalho. É uma pena, mas algumas pessoas só dão valor a um artista se ele for bem visto por terceiros, ou se conhecer alguém “importante” no meio, independentemente da qualidade do trabalho. Claro que existem exceções, do contrário, jamais teríamos marcado os shows que fizemos até hoje. Nessas ocasiões, as pessoas que abriram as portas para nós realmente apostaram no nosso trabalho, e somos muito gratos por isso.

Acha que será um caminho natural a banda ir se afastando do público brasileiro?
Não é nossa intenção. Sabemos que grande parte do apoio que a banda recebe vem do público brasileiro, e queremos desenvolver esse relacionamento. Por outro lado, nunca escondemos que nosso objetivo é também conquistar espaço no exterior.

E agora, há propostas, vocês pensam em fechar com outro selo ou pretendem continuar independentes, dialogando com o público sem intermediários?
Recebemos algumas propostas, mas, no momento, não temos nenhum acordo em vista. Apesar de ser trabalhoso, gostamos de interagir com o público, porque isso ajuda a manter nossa identidade e a direção da nossa carreira. Muitas vezes, existem tantos “dedos” no trabalho de uma banda, que fica difícil determinar até onde ela se mantém envolvida na própria carreira. Para nós, lidar diretamente com o público e com pessoas interessadas na nossa música, dentro do cenário musical independente (blogueiros, jornalistas, donos de casas de shows etc.) foi muito importante. Gostamos de manter esse tipo de relacionamento da forma mais direta e aberta possível.

Existe algum plano para um CD físico?
Sim, a tiragem inicial é de três mil cópias físicas. Assim como ocorreu com o EP, vamos recorrer essencialmente às ferramentas de Internet, para divulgar o CD novo. A estratégia é simples: oferecer música de qualidade, gratuitamente, e estimular o público a contribuir por iniciativa própria. Nosso pensamento é: baixa o CD quem quiser ouvir, compra o CD quem quiser ajudar.

– Texto por Renata Arruda (@renata_arruda). jornalista e colaboradora na empresa Teia Livre, na Revista Cultural Novitas; Já escreveu para o Scream & Yell sobre o disco do MoMo (aqui) e entrevistou Romulo Fróes (aqui), Agridoce (aqui) e Sobre a Máquina (aqui)

– Fotos por Liliane Callegari: http://www.flickr.com/photos/lilianecallegari/

5 thoughts on “Entrevista: Rosie and Me

  1. Uma das melhores coisas no Rosie and me é ver o quanto eles conseguem melhorar a cada gravação e show. Você pensa que já estão no ponto e eles vão lá e mudam todo um arranjo – e fica melhor.

    A entrevista ficou ótima, sem bobagens ou polêmicas, muito honesta. Creio que isso é um dos grandes diferenciais que a banda tem a oferecer: sinceridade pura e simples.

    Não é pouca novidade hoje.

  2. Parabéns pela entrevista, Renata. Ficou objetiva e sem firulas. Resumiu bem o trabalho da banda. Confesso que, depois desse post, me interessei bem mais pelo trabalho do Rosie and Me.

    Ainda não tive oportunidade de conferir ao vivo, mas sei que elesjá agendaram uma porrada de shows lá fora. Provavelmente, virão com um repertório, bagagem e experiência maiores quando realizarem uma nova turnê por aqui.

    Abs!
    Tiago

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