entrevista por Marcelo Costa
fotos por Ariel Martini
Fred ZeroQuatro está de volta. Próximo de completar 30 anos carregando o nome do Mundo Livre S/A (“Samba Esquema Noise”, o primeiro disco, é de 1994, mas a banda foi formada dez anos antes em Recife), o compositor pernambucano coloca nas ruas o sexto álbum do grupo (e um dos melhores), “Novas Lendas da Etnia Toshi Babaa”, via selo Coqueiro Verde (sem contar a coletânea “Combat Samba” e o EP “Bebadogroove”).
Dudu Marote assina a produção, o que de certa forma explica as batidas pop de algumas faixas do álbum (como por exemplo “Se Eu Tivesse Fé/Fucking Shit” e o pancadão contagiante “O Velho James Browse Já Dizia”). “Se eu não estivesse pensando numa pegada pop, lógico que nem cogitaria em aceitar a proposta de uma colaboração com ele”, explica ZeroQuatro em entrevista ao Scream & Yell.
Dono de um texto afiado, Fred ZeroQuatro questiona o que ele chama de “Cyberselva e o novo fundamentalismo” em texto que acompanha o encarte do álbum, mas, ao mesmo tempo que é o disco de maior acentução pop do Mundo Livre S/A, “Novas Lendas da Etnia Toshi Babaa” é também o disco menos político do grupo, com canções jorgebenianas que louvam ”carinhocas”, garotas indies e fadinhas (entre outras).
A opção de forma alguma impede que o letrista versátil crave frases de efeito como “Se eu tivesse fé andaria de paletó e gravata” (“Se Eu Tivesse Fé/Fucking Shit”), “A vida é feita pra compartilhar e gozar” (“O Velho James Browse Já Dizia”), pegar no pé daqueles que desperdiçam água em “Constelação Carinhoca 7324” (“Domingo é dia de aguar a calçada / (…) o Ministério da Saúde adverte: o desperdício d’agua é deselegante e cafona”) e veja o capeta transfigurado na era da internética.
A virada do século, inclusive, parece ter incomodado Fred ZeroQuatro, que foi expulso de casa pela mãe (que dizia não ter parido nenhum punk), e hoje vê na rede mundial de computadores uma tendência neo-hippie que sugere manipulação além de ser uma grande ameaça para a profissão de músico (o que o faz defender a indústria de forma ferrenha e, algumas vezes, antagônica).
Estes assuntos polêmicos (e alguns outros como a rancorosa acusação “Pernambuco é a personificação do rancor”) não ficaram de fora desta entrevista, 90% feita via gtlak numa quinta-feira calorenta (ao menos em São Paulo), que precisou ser interrompida pelo avançado da hora. As últimas três perguntas (os 10% restantes) foram respondidas via e-mail no dia seguinte (sem replica do jornalista).
Com vocês, Fred ZeroQuatro. Ouça o disco e confira a entrevista.
Quando começou a produção do “Novas Lendas da Etnia Toshi Babaa”?
O embrião foi a gravação da faixa “Estela”, que entrou na coletânea “Combat Samba”, de 2008. Aquela versão ainda era um rascunho da música, depois a gente foi aprimorando o formato nos shows e por fim a reeditamos pra o disco novo…
Uns três anos trampando sobre esse material então…
Pois é, inclusive tem umas faixas que na verdade eu já vinha elaborando desde a época da produção do EP “Bebadogroove”, de 2005, mas que não ficaram prontas a tempo de entrar no EP…
Senti falta do cavaquinho nesse trabalho? Foi pensado? Ou as coisas foram seguindo e quando você mesmo percebeu tinha pouco?
Tinha outras faixas com cavaquinho, a gente chegou a incluir numa demo que foi mandada pro Dudu Marote… Ao todo foram compostas quase 20 músicas, mas achamos que essas 11 sintetizavam bem o queríamos expressar. Tem umas coisas engraçadas, por exemplo, a faixa “Ela é Indie” começou rolando só com cavaquinho, e aos poucos a gente foi testando outros formatos e vimos que com violão e guitarra soava melhor…
Já que você tocou no assunto, onde estão estas indies fofinhas, cheirosas, meigas e singelas?
Pernambuco tem as indies mais singelas do muunnndoooo!!!
Hahaha, manda algumas para São Paulo!
Te vira boy… Sampa também tem umas fofinhas impagáveis…
Ok, concordo: aqui existem indies fofissimas sim. Ainda na vibe da música: É mais difícil entender um mod ou um mangueboy?
Num foi à toa que quando eu ouvi a faixa do Ira! me identifiquei. Até hoje não é fácil entender um mod. Minha mãe me expulsou de casa dizendo que não pariu nenhum punk. E agora tem toda essa polêmica envolvendo o circuito Fora do Eixo, que como lembrou bem o Alex Antunes, nada mais é do que uma cria do manguebeat…
Aquela coletividade toda. Lembro do primeiro manifesto, uma foto de vocês todos na Bizz… Aquilo era o embrião de tudo que existe hoje.
Aquele começo foi mágico, algo que continua encantando muita gente, quem sabe a gente não reedita a (Orquestra) Manguefônica… Aliás, um dos momentos mais festejados desse réveillon em Recife foi o Mundo Livre convidando Jorge Du Peixe pra cantar “Computadores Fazem Arte” e “Quando a Maré Encher” para um público de mais de cem mil pessoas…
Que sensacional isso!
Fiquei arrepiado, na boa…
Como você recebeu essa frase: “Pernambuco é a personificação do rancor?” Fiquei chocado sendo paulista (este texto aqui explica todo o imbróglio). Imagino você…
O mais louco é que parece que tem mesmo uma sina envolvendo o meu Estado. Acho que seria um bom momento pra reler o ensaio do jornalista e pesquisador José Teles, que saiu anos atrás pela Editora 34: “Do Frevo ao Manguebeat”. Tem um trecho em que ele relembra um episódio envolvendo até sabotagem industrial, quando o compositor Nelson Ferreira emplacou o frevo “Evocação” no primeiro lugar das paradas do rádio… mas não sei se vale a pena ficar remoendo essa resenha (do Fora do Eixo). Bola pra frente.
O que em si já demonstra nenhum rancor…
Só tem uma coisa que eu preciso comentar, é essa falsa dicotomia entre artista-estrela e artista-pedreiro. Não sei em outras regiões, mas aqui na minha terra o sindicato da construção civil é um dos mais combativos, vive batalhando por melhorias salariais, segurança, condições dignas de trabalho, etc. Num tem nem como cogitar conseguir um bom pedreiro pra fazer qualquer serviço em troca de comida… Pedreiro, assim como jardineiro, torneiro ou cozinheiro, tem sim que ser muito bem pago. É nisso que eu acredito.
Vamos falar mais um pouco do novo disco. Algumas pessoas estão dizendo que esse é o trabalho mais pop do Mundo Livre S/A? Concorda?
Com muito orgulho. Aliás, um nome provisório do disco era justamente a sigla P.O.P. (Procedimento Operacional Padrão). Era a expressão que o pentágono utilizava para qualificar a intervenção no Iraque…
É incrível como ainda hoje em dia algumas pessoas se assustam com a palavra “pop”, como se música fosse feita para turminha e não para todo o povo…
Eu cresci amando o pop, ouvindo John Lennon, Sam Cooke, James Brown, Monkees, etc…
B-Negão e Silvia Machete participam do disco, entre outros. Como se deu a escolha deles?
Bernardo sempre foi nosso parceiro, fizemos colaborações espontâneas em diversos palcos festivais afora. Já tocamos juntos “A Dança do Patinho” no Teatro Rival, e foi inesquecível (kkk). Coincidiu de ele estar em Recife na semana que a gente estava finalizando a faixa “Carinhoca”. Ele aceitou nosso convite pra visitar o estúdio Musak, ouviu e se encantou com o violão que eu tinha acabado de gravar. A Silvia foi sugestão da Coqueiro Verde, e a gente adorou o estilo dela, tinha tudo a ver com a música.
Ouvindo o “Novas Lendas da Etnia Toshi Babaa”, e lembrando dos (cinco) discos anteriores, chego a conclusão de que todos os discos do Mundo Livre S/A são muito bem produzidos, com personalidade. Como foi desta vez trabalhar com o Dudu Marote?
O cara saca tudo de estúdio, e é do tipo que tenta se envolver, e na medida do possível contribuir com algo pessoal. Se eu não estivesse pensando numa pegada pop, lógico que nem cogitaria em aceitar a proposta de uma colaboração com ele. O bacana é que o cara foi super respeitoso, e se mostrou indignado com o fato de a gente ser ainda tão ignorado por parte da nova geração. Inclusive deixou aberta uma porta pra uma nova colaboração futura, quem sabe o primeiro solo do zeroquatro (kkk)
Eita (risos). Se você gravasse um disco solo, como ele iria soar? Já chegou a pensar nisso?
Tem material de sobra, já pensei também num show solo. Acho bom nem pensar muito agora, a prioridade é divulgar o “Novas Lendas”…
Mas a vida é feita pra compartilhar e gozar, não?
Certíssimo, James Browse!
É preciso muita fé para andar de paletó e gravata?
Ainda mais nesse calorão do Hellcife,,,
Que nada, Recife é um paraíso…
Também acho, não consegui me adaptar à praia da paulista, he he
Antes do lançamento do “O Outro Mundo de Manuela Rosário” você dizia que o disco possivelmente não seria lançado em CD, que a mídia estava prestes a morrer e tal. De lá pra cá você lançou quatro trabalhos em CD, a Paula Fernandes e a Adele venderam milhões de discos em 2011… A indústria está morrendo mesmo?
E o vinil está sendo resgatado!!! Sério, estou começando a achar que o futuro é o vinil!!!
E lá fora um toca discos portátil custa R$ 150, mas a nossa indústria, como sempre, está engatinhando enquanto os outros estão correndo…
Mas também tem a loja da Apple, o download pago, pra falar a verdade, não acredito piamente na morte do álbum. Quando se lança 10, 11 faixas, a chance de alguma ser notada na nuvem é muito maior do que quando se joga um single…
Na verdade, mais do que nunca, não existem fórmulas, mas os discos precisam ser lançados, as músicas que você deixou de fora precisam ser gravadas…
Falou e dizeu!
Como você vê a internet atualmente? Ainda é proibido questioná-la?
Acho que depois do episódio envolvendo o wikileaks, tudo será diferente. Ninguém mais fala sobre o wikileaks, ou melhor, só se fala em outra coisa (kkk). E o motivo é simples, quem vai querer ter como inimigo o Pentágono? Então quebrou o encanto, foi uma espécie de rito de passagem. Não dá mais pra brincar de rebelde inconseqüente, é toda uma civilização que está em jogo, milhões de empregos, reputações, vidas humanas… é algo bem complexo pra debater em poucas linhas…
Mas para um punk, ou um anarquista, a internet pode ser um mar infinito de possibilidades, não?
Acho que a internet nunca foi punk, foi mais para neo-hippie. Seria punk se os bancos não conseguissem criptografar as senhas de seus correntistas. É irônico que os bancos podem gastar milhões em códigos e criptografias complexas pra proteger as contas do Daniel Dantas, dos donos das fábricas de armas, etc., e nunca são criticados por isso. Agora, se um selo ou artista independente ousar inventar uma forma de proteger o fruto de seu trabalho honesto, será execrado… Para um punk, um anarquista, um pedófilo, um hacker treinado por terroristas para invadir o sistema de usinas nucleares, metrô, torres de comando aéreo, certamente, um mar de possibilidades… Nunca foi tão fácil cometer pequenos, médios e grandes crimes.
Exatamente. Para o bem e para o mal. Mas, como escreveu Lou Reed certa vez, “os homens de sorte, muitas vezes, provocam a queda de impérios”. Não ficou mais fácil se manifestar contra os problemas do mundo hoje em dia? Derrubar ou ao menos balançar impérios? Como a Yoani Sánchez faz em Cuba, por exemplo?
A merda é que quem inventou a internet tinha em mente um modelo de ser humano talvez inspirado no mito do bom selvagem. Bem neo-hippie. Esse é um engodo emblemático do nosso tempo.
Mas depende de nós mudarmos, não? Por exemplo, “Além do Cidadão Kane” está por ai para quem quiser ver. Basta um clique. Nos anos 90 era impossível achá-lo, já que a Rede Globo o proibiu… Hoje em dia eu edito um site que tem uma ótima exposição, e muita gente prefere ler coisas aqui a algum grande jornal…
Tem seu lado bacana. Mas daí a pretender derrubar impérios? Acho questionável. Os militares retomaram o poder no Egito. E o wikileaks foi simplesmente destruído. O Tio Sam continua definindo o que pode ou nâo ser tolerado em termos de rebeldia. Você tem um site de cultura pop, beleza. Mas ainda não está muito claro o preço que a gente vai pagar. A desqualificação da música como atividade profissional, por exemplo?
Mas esse é um momento novo, em que o mundo está se adaptando a novos paradigmas. A música não acaba se a indústria acabar. A forma que os músicos irão ganhar dinheiro será outra, e estamos exatamente no meio da criação desse modelo, mas como já dissemos, não existe fórmula. O que é sabido é que a indústria, uma megacorporação capitalista, está sendo derrubada após ter feito coisas sensacionais pela música. Será que não é a hora dos artistas andarem sozinhos? Ou de um modo parceiro?
Também acho estranho esse medo da palavra indústria. O tal capitalismo pós-industrial, pra mim, é um espécie de novo messias, a terra prometida pra daqui a 3, 4 séculos? Andam dizendo até que indústria é coisa do passado, que vivemos na pós indústria, bla bla bla. Como assim? Alguém aí tem idéia de quanto a coca-cola lucra por dia?
O problema é que a Coca-cola, no fim do funil, irá fazer parte de um dos quatro ou cinco conglomerados que dominam o mundo e que também é dono das gravadoras…
Quantas famílias no mundo são sustentadas por empregos na indústria?
O capitalismo se justifica pela distribuição de emprego?
O Brasil, governado por um partido operário, gerou 2 milhões de empregos de carteira assinada no ano passado, ultrapassando pela primeira vez a economia da Inglaterra, país ultraneoliberal. Sem regulação financeira e inimigo das garantias trabalhistas…
No fim, as pessoas que trabalham são as mesmas que consomem com um American Express na mão…
Sejamos comunistas então???
Não necessariamente (mas precisamos buscar uma forma melhor. É preciso ter muita fé para trabalhar das 8h às 17h até os 60 anos enquanto poucos ganham na semana o que alguns ganham na vida inteira). Mas o fim da indústria da música não significa o fim da música. Significa?
Pode significar a desvalorização da atividade profissional da música, mais ou menos como os artistas cênicos brasileiros antes da televisão, da Globo e do sindicato da categoria. Atores e atrizes eram tratados como vagabundos… “Papai, quero ser atriz”, e a família renegava, porque era visto como vagabundagem…
Como você vê os incentivos à cultura, Lei Rouanet e tal?
Com o desmonte da indústria, essas leis vão sendo desvirtuadas pra compensar o fechamento das torneiras das gravadoras. Vai ser difícil ter um guarda-chuva suficiente pra dar conta de tudo, do velho, do novo, do alternativo, do popular, etc…
Ainda assim, alguns dizem que vivemos a melhor cena musical da nossa história. Curumin, Cidadão Instigado, B Negão, Romulo Fróes, Wado, Criolo, Emicida, a lista é bem grande e variada, para todos os gostos. Como você vê a cena brasileira hoje em dia?
O Brasil sempre foi um país muito criativo, um celeiro inesgotável de talentos. Agora tem mais gente gravando, mas eu te faço uma pergunta: se você for até o frentista do posto da esquina ou ao ponto de taxi e pedir pra um trabalhador comum cantar alguma música do Wado, do Emicida, do Curumim, do Catatau, você acha que alguém vai saber? Essa galera permanece invisível para a massa. Claro, ninguém tem obrigação de ser popular, mas esse lance da visibilidade acaba sendo um fator altamente limitador da agenda de shows. Sem um número suficiente de shows por mês, por um tempo prolongado, fica complicado até pra manter uma banda fixa e afiada e isso acaba comprometendo a qualidade. Não vou citar aqui por questão ética, mas você nem imaginaria o naipe de artistas que hoje em dia não conseguem manter a mesma banda nem por um mês. Aí você vê um show do cara hoje é uma coisa, vai ver 2 meses depois tá do mesmo jeito ou pior, não dá liga, não evolui. Enquanto isso Michel Teló e Luan Santana tão na capa de todas as revistas… Erasmo grava um disco bacana e ninguém ouve em canto nenhum, mas Justin Bieber tá bombando, é triste.
O Mundo Livre S/A já colocou música para download gratuito. Dos dez discos do ano eleitos pela Rolling Stone (veja aqui), o primeiro e o segundo (Criolo e Emicida) foram liberados gratuitamente (Criolo, inclusive, esgotou a tiragem do vinil mesmo liberando gratuitamente em MP3). Neste link (aqui) perguntei para várias artistas qual o motivo deles liberarem de graça seus discos. Hoje em dia, você colocaria um álbum do Mundo Livre S/A para download gratuito?
Se alguma lei ou edital público tiver bancado tudo, claro que eu libero na boa, pois acaba sendo renúncia de imposto, ou seja, dinheiro do contribuinte. Mas se tiver saído do nosso bolso, tipo grana de cachê ou direito autoral, aí eu quebro, não consigo pagar minhas contas e bancar estúdio, capa, prensagem, etc. Esse lance de usar alta tecnologia pra passar o chapéu, pedir esmola hightech, craufunde de cu é rola, acho um retrocesso humilhante, indigno. Em nome da sustentabilidade dos estúdios, do saber adquirido dos produtores e engenheiros, eu acho um desaforo esse lance de estimular a desqualificação dos fonogramas. O Abbey Road está quase falindo e demitindo engenheiros, técnicos, etc. Acho isso tão triste quanto o desmatamento da Amazônia, ou seja, um descaso com um patrimônio da humanidade.
Ainda hoje… quem tem bit tem tudo?
Isso era um trocadilho com o slogan da Globo na época (quem tem globo tem tudo). Hoje eu vejo que caminhamos pra um novo monopólio da informação, tudo passa pelo google, circula pelo facebook e fica armazenado ninguém sabe onde…
http://www.mundolivresa.com/site/
Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Leia também:
– “Bit”, Mundo Livre S/A: É para se admirar, ouvir e se inspirar, por Marcelo Costa (aqui)
– Um rascunho de uma resenha de um show do Mundo Livre, por Marcelo Costa (aqui)
– Scream & Yell entrevista Fred 04: Todas as bandas são políticas, por André Azenha (aqui)
– Fred ZeroQuatro, a internet e o fim da indústria, por Marcelo Costa (aqui)
Salvo uma ou outra nunca vi respostas tão bocós do Zero Quatro.
Ela exalta a indústria e depois reclama que o Michel Teló e o Luan Santana estão em todas as capas de revista. Cuma?!
E completa dizendo que o Wado, o Catatau, o Emicida… não são conhecidos do povão por falta dela.
Me lembrei de um fato que vem bem a calhar. Quando o genial Chico Science se acidentou a primeira pessoal a socorrê-lo foi um policial militar de folga que ia passando no local.
Ele não o reconheceu e depois com toda a repercussão continuou afirmando que não conhecia nada do Chico.
E Mr.Science já estava há 3 anos com a poderosa Sony nas costas e o fato aconteceu aqui em PE!
Portanto, pra usar as palavras dele: Indústria de cu é rola!
No mais, considero esse novo disco do Mundo Livre o melhor, junto com o do Criolo, do ano.
A repulsa a palavra POP tem sua razão de ser. Poucas vezes um artista melhora quando envereda por esse caminho – não estamos falando de artistas cuja essência é ser POP, óbvio.
A própria Nação Zumbi piorou com o Fome de Tudo.
Enfim, nada tem que ser assim ou assado nessa vida. São muitos os caminhos.
A música não acaba se a indústria acabar? É verdade, até certo ponto. Existe uma limitação para essa premissa, porque existe uma determinação econômica que muitas vezes impede um projeto artístico se desenvolver. É verdade que essa precariedade em alguns momentos pode até ser absorvida pelo procedimento artístico. Mas, com recursos escassos e, em muitos casos, se o artista precisa dispender muito tempo do dia a dia tratando de resolver sua sobrevivência, o processo de criação emperra, ou se torna muito lento.
Isso pensando isoladamente, apenas no “artista” como uma figura que sente necessidade de “fazer arte”. Porque, se pensamos em distribuição, divulgação, etc, isto é, quanto mais tornamos o processo de produção complexo, mais a determinação econômica se faz presente. Porque, a longo prazo – às vezes até a curto prazo mesmo – a produção tem que, no mínimo “se pagar”, quando não é necessário – o que é mais costumeiro – que gere LUCRO.
Então, falar em “indústria acabar” só tem sentido mesmo se o SISTEMA for outro. Do contrário, o que temos é, no máximo, uma diluição da produção, mas os gastos, custos, fluxo de dinheiro estão lá, a determinação econômica ainda se faz presente.
Legal!!! Adorei!
Zero quatro entrou na indústria com o Manguebeat, mas não é conhecido pelo povão. Por isso tem essas opiniões.
E para o 1º comentário: Nação Zumbi PIORAR com o Fome De Tudo? Você só pode estar de brincadeira, querendo gerar algum impacto com o comentário.
Só pra completar.
A indústria só populariza sons fáceis.
– “E tem que ter refrão.Simmmmm. Um refrão repetido. Pra música vender. Tem que ser acessível” Plebe Rude –
Serveria ao Jeneci e a Tulipa, mas não ao Cidadão Instigado, por exemplo.
Ao próprio Mundo Livre não serviu. Não popularizou a banda em nada.
O impacto que o Chico Science causou não foi maior que o do Criolo agora(sem gravadora), por exemplo.
A indústria, de 20 anos pra cá, só impulsiona artistas de nível baixo.
Os de nível melhor, mesmo com ela por trás, ficam/ficavam em nichos.
Chico Buarque não é mais popular(é quase erudito), Mano Caetano tem que fazer versões “chiques” voz e violão de sucessos populares pra atingir as massas…
Enfim, a indústria no final das contas faz o nível cair.
Quanto a Free Downloads, a conterrânea Eddie pagou seus últimos dois discos com dinheiro do próprio bolso(shows) e os coloca insistentemente(através de links no twitter e facebook) de graça na rede.
Acho que eles estão bem longe de quebrar.
PS: Lauro, nos shows – e eu já fui a miutos, pois sou grande fã da banda – as músicas do Fome de Tudo funcionam. Mas a sonoridade do disco, apesar dos tambores super bem gravados, é meio chatinha/fraquinha.
Achei o piorzinho da banda. Enfim, é só minha opinião e não é de brincadeira.
Muita gente meteu o pau nele quando ele foi contrário a internet,mas a verdade é que ele sempre nadou contra a maré,e só porque é a porra da internet ficam chamando ele de antagonico,retrogrado,e etc.Ele tem razão quando diz que as majors estão fechando a torneira,até porque foram elas que no caso dele ajudaram com o manguebeat.Questiono sim algumas coisas,e tomo liberdade de falar de alguns pontos.Primeiro:o Criolo vendeu dez mil cópias em disco,mesmo com download,mas foi um caso a parte,um efeito criado pelo hype e pela osmose que mantem o interesse.Ele não está perdendo dinheiro,embora ganharia muito mais se só tivesse o disco na loja.Mas ele é um caso raro,me diz qual o outro que está no mesmo nivel e não está nem ai?Assim é fácil,fazendo sucesso.O Luan Santana e o Michel Teló podem fazer o mesmo,estão na onda.E os outros trezentos discos a disposição,onde vão parar?No lixo virtual,com certeza,porque ninguém se importa desse jeito,ouvir musica no computador é uma bosta no final das contas.Acho que a questão é essa,fora a parada das musicas ‘sortidas” que entra também nissoo.É a desqualificação dos fonogramas,como ele disse acima.Fora que também quem fica fazendo crownfunding,e etc,tá fazendo charminho.A Mallu ficou falando assim e está na Sony,o Autoramas fez isso e está lançando por uma gravadora,e a Banda Mais Bonita vai no mesmo.Sei lá,não acho e falei algumas vezes que download sem remuneração não é a solução.No mais,bom texto.
O que precisamos entender é que “indústria” não é um termo que se refere a produtos apenas para as massas, quero dizer, existem nichos de mercado onde se enquadram outras formas de expressão e “artistas independentes” também fazem parte da indústria, mesmo que, em alguns casos, sejam manifestações legítimas de resistência.
Mas concordo com o Zé Henrique em certo ponto, porque as empresas estão interessadas em investir no que é garantia de lucro e muitas vezes, ao que parece, a lógica passa pelo investimento em artistas que – acreditam os investidores – atingem um grande público. Nesse sentido, o elemento financeiro se sobrepõe ao elemento artístico.
E esta sobreposição, ao meu ver, ainda ocorre em larga escala, mesmo que o advento da internet tenha, de alguma forma, mudado o jogo, talvez arranhado a indústria cultural. É fato que as gravadoras perderam o monopólio sobre os meios de produção, mas, isso não significa que os artistas têm total controle sobre o que produzem, principalmente quando trabalham com a lógica naturalizada de produção – compor, gravar disco, fazer turnê -, porque muitas dessas instâncias não podem ser acessadas pelos artistas menos consagrados: e não há espaço para todos, não nesse sistema.
Zeroquatro, como Lobão, é bastante contraditório em seu proselitismo. Mas anda produzindo mais, e um pouco melhor, que Lobão, felizmente. Esse disco é um puta passo pequeno se comparado à Carnaval na Obra ou Por Pouco, mas tá bem acima dos dois últimos.
Yane, não é “até certo ponto”: a música não acaba de forma alguma se a indústria acabar. As pessoas vão continuar compondo, vão continuar tocando, vão continuar vendendo, e outras vão continuar ouvindo. A amplitude talvez diminua ou aumente (a tendência neste momento é diminuir), mas ela irá existir porque ela sempre existiu. Não existia indústria (tal qual conhecemos) na época de Beethoven, dos folk singers irlandeses do século 18. O que existe agora é um apego a um formato pré-estabelecido e que já foi (e ainda é para alguns) muito rentável. Todas as questões que você coloca não existiam a 50, 60, 70 anos atrás: compor, gravar disco, fazer turnê. Isso é mercado da música, não é a música.
Ao invés de tentar entender e se adaptar ao futuro, busca se regras e leis para mante-lo como o passado, porque o passado é conhecido, deu certo e é fácil de manipular, principalmente para um pequeno grupo de investidores que detém o monopólio de grandes empresas e decide o que todo mundo deve ouvir, assistir, ler e dai em diante. É lógico que o músico precisa ser remunerado, precisa ganhar pela obra e pelo show, estou completamente de acordo com isso. O que é preciso agora é buscar uma nova fórmula de fazer isso, um novo diálogo com o público. As gravadoras estão se mexendo, saindo do business de lançar discos para o de produzir shows (o que explica o encarecimento de ingressos, por exemplo), e os artistas precisam se mexer, precisam sair da zona de conforto que era entregar um disco pruma gravadora, e deixar o dinheiro dela fazer o resto (divulgação, jabá, clipes).
O fato é que estamos em um momento extremamente novo na história da humanidade. No caso exclusivo da música, tem gente que está preocupado em criptografar o MP3 para ele não ser pirateado (e olha que o DRM já está em queda dentro da própria indústria) e tem gente que está liberando o trabalho de graça, como se fosse uma forma de divulgação. Não existe fórmula (falo isso no texto). Mas o importante, volto a frisar, é: a música já existia antes da indústria existir. Ela vai permanecer.
Leo, o Carnaval na Obra é sem dúvida a obra prima da banda – o Blood Sugar Sex Magik deles. Mas acho que o Toshi Babaa não faz feio frente ao Por Pouco.
O dois seguintes ao Por Pouco são realmente intragáveis – embora contenham algumas pérolas escondidas.
Foi muito bacana o Mundo Livre voltar a acertar – a banda merecia.
PS: Assino embaixo do Mac.
Existem 1001 maneiras de viabilizar seu trabalho. Invente a sua. Mas nenhuma delas garante nada…O trabalho não é só gravar um disco, disponibilizar gratuitamente ou não. É todo um círculo. Quanto mais ele está completo, mais ele roda. Uma coisa está ligada à outra, sem uma é impossível entender a outra: inspiração, ensaio, gravação, produção, estrada, palco, internet, disco, distribuição, marketing e por aí vai. Não dá pra falar de download sem incluir agenda de shows. Eu ainda estou esperando o hype virar o assunto “carreira ” Mas só vejo neguinho fazendo “carreira” falando de hype, seja ele um artista ou um processo.
O entrevistador quase falou mais que o entrevistado.
Mac, sim, claro, a indústria cultural é uma forma de produção até recente, se pensarmos na história da humanidade… Minha intenção era apenas falar sobre o limite imposto pela maneira como a arte se dá e se inscreve na nossa cultura e também que, como amantes da música, às vezes não prestamos atenção a outros parâmetros que em muito influenciam a produção do que ouvimos. Não sei se é possível discutir música sem discutir mercado, entende? E não falo isso como quem elege qualidade através do sucesso comercial…
Sim, concordo que se faz necessário pensar em estratégias para lidar com o contexto atual e as peculiaridades de cada processo, não podemos nos ater às fórmulas que nos são apresentadas, ao que está estagnado. Principalmente por uma questão de sobrevivência, para continuar vivo no jogo do mercado, ou, ao menos, por certo amor à música – que é possível até onde nesse contexto mercadológico? Mas e a longo prazo, ou em instâncias maiores? Mesmo com o advento internético, que nos deu acesso a maior parte dos meios de produção e que está ligado diretamente ao surgimento de artistas interessantes, ainda percebemos que o processo de tornar canções meras mercadorias continua se agudizando.
Sim, ela vai sobreviver, mas não essa música que conhecemos, o que pode ser muito interessante, pode ser que estejamos vivendo um momento de ruptura já há alguns anos. Mas corremos o risco de apenas ver uma diluição do sistema: e se cada artista que tem em mãos ferramentas para produzir tiver que se defender no mercado, como um pequeno empresário? Como isso pode influenciar no produto final?
Pois é, Gabriel, existem muitas maneiras, não quero reduzir a singularidade de cada processo artístico. Mas um artista compõe e, claro, hoje tem acesso mais fácil para gravar e até para disponibilizar esse material via internet. Também pode divulgar seus shows por esse meio. Mas o problema é o seguinte: ele precisa compor, fazer os arranjos – mais de uma vez, em alguns casos, porque os arranjos das gravações muitas vezes diferem dos arranjos para apresentações, você sabe -, bancar a manutenção de seus equipamentos, estrutura de shows, viagens, estadias… Tudo isso tem um preço, obviamente. Então é assim, se a produção não se sustenta, isto é, se os ingressos dos shows e/ou venda de discos (ou mp3) não pagam a estrutura toda, ela se inviabiliza. E não se trata de pensar na qualidade de um artista em separado, o fato é que, em uma lógica como essas, o artista está diretamente em disputa de mercado com os outros artistas, trata-se de uma concorrência, que, nesse sentido, é como a que ocorre no caso de outras mercadorias. E essa lógica, até certo ponto é bastante comum entre os artistas, não apenas por uma escolha pessoal, mas por estarmos imersos em um sistema que funciona assim. Agora, sim, essas singularidades de cada processo podem ser caminhos para tentar resistir ou minimizar os efeitos dessa determinação, talvez transformar as coisas, quem sabe?
Meu Deus sera que esse disco e realmente bom!! Acabei de passa lo a um amigo !! Dei de presente .. ……..
Sou fã da banda, e posso dizer que o coquetel explosivo cavaquinho + guitarra faz uma baita falta, mas o 04 é um puta compositor. Achei um bom disco.
O fato é: a monetarização da produção artística feriu de morte a arte propriamente dita. A monetarização da vida feriu de morte a capacidade das pessoas apreciarem a arte produzida. É preciso algo que dê conta disso, que mostre pras pessoas o que é feito, que faça com que os artistas – no sentido estrito do termo – possam conhecer e se informar para produzir conhecimento. Falta conhecimento num mundo cheio, abarrotado de informação. Meu comentário não é específico sobre a discussão indústria da música x música, mas acho que há uma grande ausência de algo ou alguém que chancele a produção artística e que funcione como um preceptor para a maioria do público. Do contrário teremos um mundo irremediavelmente preso ao que há de mais pobre e rasteiro em termos de cultura.
Discordo, só pra variar, do Cel. As pessoas não precisam de um Grão Vizir catalizador dizendo o que é bom ou ruim. O que é arte ou não.
Gosto da idéia das coisas soltas no ar. Quem tiver interesse que corra atrás do que lhe apraz. Sempre foi assim com os livros, por exemplo.
Daniel, o coquetel explosivo cavaquinho mais guitarra já está feito – vc pode ouvir quando quiser e eles não deixarão de tocar nos shows, acho sempre muito saudável mudanças de musicalidade. Ainda mais numa banda do nível do Mundo Livre.
Zero Quatro é mesmo um baita compositor e uma bela cabeça pensante, mas essa entrevista dele me lembrou, em ruindade, a do Mano Brown no Roda Viva anos atrás.
Zé Henrique, se você está entre 20 e 40 anos de idade e aprecia qualquer manifestação artística tem que ter ouvido, lido e levado em conta a opinião de alguém ou alguma forma de chancela para formar o seu gosto. Livro, revista, estação de rádio, programa de tv, levados ao ar, publicados por gente que adquiriu conhecimento para poder difundí-lo. Me diga, você que gosta das coisas soltas no ar, se você não tivesse experimentado essas orientações, do que gostaria? O que estou dizendo é que pra formar gosto – até agora – não há como escapar dessa lógica. É fácil posar de arauto da liberdade e da informalidade com sua base de conhecimento já formada à moda antiga. Eu sinto falta de publicações sobre música, sites realmente informativos (só levo fé no All Music Guide) e gente com notório conhecimento para chancelar, indicar, recomendar. Deu certo comigo e com a maioria das pessoas que conhecem música com as quais eu tenho contato.
Então, Cel, pois eu não sinto falta nenhuma.
Cresci lendo a Bizz e se fosse pelo gosto dela eu NUNCA teria conhecido o samba, de bamba, óbvio que tanto gosto, por exemplo.
Pra cada dez capas com lixos pop made in EUA and England eles soltavam uma notinha do Nelson Cavaquinho ou do Candeia.
Quando disse, e repito, que gosto das informações soltas no ar é porque acho que a vida deve ser assim mesmo.
Vc aprende no dia a dia, no convívio com as pessoas com quem vc topa, no livro que lê, numa revista(de qualquer segmento) que abra…
O samba(que eu sei que vc tb gosta), por exemplo, eu aprendi a gostar, respeitar e amar através de um cunhado.
Acho que o grande mérito da internet é ter acabado(em grande parte) justamente com esse poder da indústria de ditar regras
Até porque, como eu disse aí em cima, nos últimos 20 anos pela monetarização, como vc falou, ela só vinha difundindo o medíocre, o que vende fácil e rápido.
Tá MUITO melhor agora, cara.
Zé, concordo contigo, tivemos muitos avanços. Mas ainda há muito por fazer, como você pode ter visto nos meus comentários anteriores – eu falava sobre o fato de que, embora o acesso à música tivesse se alargado, a produção, mesmo facilitada, ainda precisa se pagar, ou seja, a lógica, nesse sentido continua a mesma da época das gravadoras.
Claro, o artista pode compor e, se adquirir uma certa estrutura, gravar ele mesmo suas canções e divulgá-las via internet, livrando-se da pressão da gravadora e, em parte, apenas em parte, não precisará mais pagar jabá para divulgar seu trabalho. Mas ele ainda precisa pensar se aquele trabalho tem potencial para ser vendido, porque, se isso não acontecer, ele precisará tirar dinheiro de outro lugar para manter essa estrutura de produção – é quando uma profissão periga se tornar um hobby.
É como se agora o artista estivesse se tornando uma espécie de autônomo. Claro, por um lado isso é interessante, afinal, quem quer um chefe lhe dizendo o que fazer? Mas o problema é que talvez o chefe tenha sido transferido para um outro lugar, quero dizer, o “artista autônomo” continua tendo que lutar por um lugar ao sol – que não tem necessariamente a ver com “qualidade”, mas sim com “vendas” – e pode vir a se tornar muito mais um homem de negócios do que um artista, pode ter que se envolver mais com a estrutura de produção do que necessariamente com o trabalho musical.
E aí entra a questão da qualidade… Para muita gente, certo tipo de música é boa, para outros não. E agora esses tipos de música diferentes podem ser encontrados em abundância na internet. Certo. Como você mesmo disse, não precisamos de um grão vizir, quem vai dizer para as pessoas que o que elas ouvem é “ruim”? Difícil. Talvez a questão seja pensar porque aquele tipo de música existe e pensar que, se outro tipo não tem espaço, talvez seja porque não consegue sobreviver nessa lógica em que vivemos.
Cel, estou contigo até certo ponto. Só não sei se concordo com a ideia de preceptor, como também não sei se concordo quando você fala em cultura rasteira.
Como saberíamos quem deveria ser o preceptor? Quais os parâmetros? Se algo assim fosse colocado em prática, correríamos o risco de perder uma multiplicidade que é muito cara às artes… Resolver esse problema – do que você chamou de monetarização – não é dando para alguém o poder de dizer o que é bom ou ruim. Penso que precisamos observar como se dá a produção e tentar detectar quais os problemas e pensar estratégias para nos defendermos, ou mesmo mudarmos. Quanto à cultura, bem, não sei o que você chama de rasteiro, talvez seja o fato de tudo se tornar mercadoria e de haver intenções – mesmo que inconscientes em alguns casos – de produzir algo que, acredita-se, possa ser vendido facilmente. Mas tenho receio de dizer o que é bom e o que é ruim, digo, em relação ao produto pronto, isolado, a canção por si. Afinal, a cultura não existe à parte da sociedade, você sabe.
Gosto muito quando você diferencia conhecimento e informação. São dois conceitos que, bem compreendidos, podem nos ajudar com parâmetros para lidar com novas tecnologias, repletas de possibilidades tanto para um, quanto para outro, muito embora a última tenha prevalecido bastante nesses tempos de aceleração, infelizmente.
Yane, o Mac já tocou nesse assunto aí em cima.
Olha só:
” e os artistas precisam se mexer, precisam sair da zona de conforto que era entregar um disco pruma gravadora, e deixar o dinheiro dela fazer o resto (divulgação, jabá, clipes).”
Sem dúvida que o artista hoje em dia tem um trabalho prático(dia a dia) muito maior que antigamente.
Gosto de citar os exemplos do Lucas Santtana e da banda Eddie que são dois belos exemplos de trabalhadores da arte.
Como diria o lendário técnico Neném Prancha: Quem se desloca tem preferência.
Por fim, ninguém tem que dizer pra ninguém o que é bom ou ruim.
Essa é uma questão de foro íntimo.
Zé, claro, a comparação é boa, quem se desloca tem preferência, o artista precisa inventar possibilidades. Mas o ponto é que, do jeito que as coisas se dão, estar no jogo da música depende mais da habilidade de lidar com instâncias econômicas do que da habilidade musical em si. Se o artista não sabe investir a ponto de fazer dinheiro com seu trabalho, as chances de desaparecer é grande, mesmo que sua música seja interessante.
Mas, Yane, nada é fácil nessa vida.
No modelo antigo grandes artistas foram injustiçados.
O Cartola só veio a gravar seu primeiro disco aos 65 anos!
E teve sorte, pois gravou e perpetuou sua obra.
Outros tantos sucumbiram com seu talento no anonimato.
PS: O Zero Quatro tem saudade da mamatinha que pegou. Do vocalzinho da Fernanda Lima e da Malu Mader. heheheh
Pôxa, sim, claro, Cartola. E também sabemos o que era ser independente no anos 80… Complicadíssimo gravar um disco, era preciso o intermédio de uma gravadora. No caso das bandas gringas, foi possível que surgissem alguns selos independentes – mas a Factory Records quebrou rapidamente, por exemplo. E aqui a coisa foi mais complicada, o negócio era gravar fitinhas demo. Nunca uma banda independente sequer se aproximou da estrutura de uma banda (ou artista) que tinha uma major – ou seja, investimento de grana, esquema industrial. E não sei se as coisas mudaram tanto assim, nesse sentido, parece apenas que o músico agora é livre… para disputar o mercado, nas condições que já conhecemos. Sei que estou sendo repetitivo, mas, para além dos avanços importantes, ainda há muito que podemos fazer para vivermos melhor, para que se produza uma outro tipo de vida, outra cultura.