por Pedro Salgado, de Lisboa
“A música do Capitão Fausto é uma tela por pintar e fala do nosso cotidiano”. De uma forma prática, rejeitando grandes compromissos com o mundo ou passados trágicos, o grupo lisboeta assume a sua condição de contador de histórias pessoais e urbanas com preocupações de coerência. Manuel Palha (guitarra), Domingos Coimbra (baixo), Francisco Ferreira (teclados), Tomás Wallenstein (voz e guitarra) e Salvador Seabra (bateria), inspiram-se no espírito comum e raramente fazem algo propositado.
Seguindo uma lógica universal, a banda formou-se através do encontro de amigos que pretendiam avançar com um projeto musical que fizesse sentido – e em português. O nome do conjunto deriva de uma visita de Salvador ao Castelo de São Jorge, em Lisboa, onde o baterista foi atacado por pavões e salvo por um brasileiro conhecido como Capitão Fausto. A adoração pelos Beatles e o gosto por Country Joe and the Fish, The Doors, Can ou Franz Ferdinand e Arctic Monkeys é transversal aos seus elementos.
Outro aspecto importante que une os integrantes do Capitão Fausto é o fato de terem estudado música, e terem arrancado algumas notas do jazz e do fusion, por influência de um professor de guitarra. A experiência acumulada em shows produziu os seus frutos na apresentação do selo Chifre, a 22 de Julho de 2011, na Musicbox, em Lisboa. Durante a atuação, o grupo patenteou energia, empenho e um empolgamento assinalável que em última análise lhe garantiria mais adesão de público futuramente.
Dir-se-ia que só faltava patentear em disco, ultrapassada a barreira do EP de nome próprio, uma forma similar de catarse e nervo. E a espera acabou por ser largamente compensada com a edição de “Gazela”, onde os rapazes ultrapassaram a barreira do Overnight Sensation e confirmaram que sabiam remar em nome próprio, construindo um conjunto de canções frescas e agradáveis a qualquer ouvido que se preze.
Refrões que grudam e coros levemente beatle animam o álbum dos garotos – “Música Fria” é um feliz exemplo. Depois há eficácia pop em “Teresa”, funk latino com solo de bateria a la Santana de “Santa Ana” e rock pauleira deliciosamente clássico em “Sobremesa”. A produção atenta e exploratória de Pedro da Rosa não adulterou a identidade de uma banda que revela uma maturidade interpretativa assinalável em tão curto tempo de existência.
“Savana, Animais e Rock” traduz a imagética de um quinteto aberto a todas as possibilidades e animado pela procura de diferentes formas de expressão. De Lisboa para o Brasil, o Capitão Fausto conversou com o Scream & Yell. Confira:
“Gazela” é o disco que sempre esperaram fazer ou ambicionam algo mais?
Como se costuma dizer: um disco é uma fotografia que se faz da banda num determinado momento. Usufruímos da capacidade de gravar, e ficar cravado em nós, aquilo que estávamos fazendo na época e o que tínhamos feito um pouco antes. E o resultado foi exatamente o que queríamos. Claro que ambicionamos mais, mas daqui a cinco anos não nos vemos criticando este álbum. “Gazela” é o que é agora e adoramos o trabalho feito. Ele tem uma ordem que fazia sentido e acaba por ser um disco pensado. Faz um ano que entramos para o selo Chifre e já tínhamos algumas músicas e um EP (gravado por nós), mas não possuíamos experiência de estúdio. E, de repente, no verão, já dispúnhamos de mais canções e pensamos em gravá-las. O Pedro da Rosa produziu e a gravação e mixagem ficou a cargo do Nuno Roque. Os temas que avançaram primeiro foram os que tínhamos feito há mais tempo e, seguidamente, o álbum começou a ser pensado como um todo e num registo cronológico. No momento, estamos a preparar músicas que vão soar diferentes às pessoas. Acredito que daqui a duas semanas uma canção nova do Capitão Fausto soará distinta da que fizémos anteriormente.
No compacto “Teresa” vocês não “tentam ser diferentes” e optam por uma pegada pop muito característica da nova cena portuguesa. Porquê ?
Temos as mesmas influências que os novos grupos portugueses têm – Arctic Monkeys e outros – por isso era inevitável produzir uma canção com essa pegada. Mas nós damos um cunho pessoal, adicionamos a nossa camada e isso torna-a diferente da cena atual. Além disso, “Teresa” é um compacto, é muito cantável e está dentro da onda do álbum. Acaba por ser a música que convida o público a ouvir o trabalho por completo. O fato de sermos adolescentes e convivermos com frequência com essas bandas, torna inevitável a existência de um elo comum. No entanto, o nosso objectivo não foi o de fazer um compacto, simplesmente escolhemos esta música como cartão-de-visita de “Gazela” depois de escutar o disco inteiro.
“Verdade” é uma das faixas que mais me agrada, principalmente pelo ritmo marcado dos sintetizadores. De que verdade falam ?
A canção não fala de uma verdade específica, mas a letra (do Tomás) fala do conceito em si mesmo. Não é uma justeza que existe ou está escondida. Muitas vezes, têm-nos dito que as letras dele são adolescentes e questionam se são propositadas ou não. Normalmente, as estrofes no Capitão Fausto são muito cruas, diretas e simples. De certa forma, ele diz que ainda não somos pessoas com grandes ideias para transmitir ao mundo e não nos queremos aventurar por esses caminhos, porque não temos passados trágicos. E dentro da nossa abordagem simples é uma das músicas com mais significado para o Tomás.
O psicodelismo da década de 60 e o rock progressivo são algumas das vossas maiores influências. Encontram na música brasileira passada ou recente outras referências ?
Gostamos muito d’Os Mutantes e de Los Hermanos. São bandas muito fixes (legais). Os Mutantes vão ao encontro da nossa sonoridade. Porque cantam em português, têm muitas camadas, mudanças repentinas e abrangem vários gêneros, entre os quais o rock progressivo. Eles são a referência brasileira mais profunda em Capitão Fausto.
No show da Musicbox, no lançamento do selo Chifre, além de uma ótima vibração, senti uma enorme força coletiva. Como você esse sentimento?
É simples. (A força coletiva) deve-se ao fato de sermos amigos desde sempre e estarmos todos os dias juntos. Somos um grupo de companheiros e a circunstância disso se refletir na música faz sentido para nós. A forma de compôr é coletiva, a maneira de tomar decisões, responder às perguntas ou enfrentar as dificuldades também. Por um lado, se conseguimos deixar essa marca em palco é ótimo, porque é o que nós somos. Por outro lado, essa energia dos shows deve-se à situação de estarmos concretizando o nosso maior sonho: ter uma banda, lançar um disco e mostrar o nosso trabalho.
Para onde voa este Capitão Fausto ?
Não voamos em pensamento, apenas subimos escadinhas (risos). A política do grupo é a de fazer o mesmo percurso das bandas que escutamos. Isto é, caminhar devagar, tocar para poucas pessoas, aprender, conhecer pessoas na estrada e andar por Portugal inteiro. No fundo, tem existido maior receptividade ao som do Capitão Fausto nas grandes cidades: Lisboa, Porto e Coimbra. E embora ainda falte construir uma base de fãs no país, queremos fazer as coisas com calma. No fundo, o dia em que sentiremos que o Capitão Fausto voa será o momento em que, ao lançarmos outro disco, teremos a garantia de que o público gosta do nosso trabalho e aí fazemos um novo álbum. Dessa forma, estaremos onde queríamos estar.
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui
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