Textos por Tiago Agostini
Conexão Vivo Belém 2011 – Dia 1 (27/10)
Pela janela do avião, a primeira imagem de Belém é a região da Cidade Velha, iluminada pelas luzes das ruas, a baía do Guajará a determinar os limites da cidade. Conforme a descida avança, a cidade vai se revelando pouco a pouco, até a imagem do rio ser apenas um ponto no horizonte. Para quem vem da imensidão de São Paulo, há um certo conforto em enxergar algo que se pode medir.
A noite já estava avançada na Praça Dom Pedro II, em frente à Prefeitura Municipal. No palco, o Suíte Para os Orixás apresentava sua música instrumental onírica, marcada pelos teclados e pela presença da flauta. Antes deles, já haviam se apresentado no primeiro dia do Conexão Vivo, em Belém, Deco Sampaio & Os Penetras, Ivan Cardoso e Trio Manari.
O contraste não poderia ser maior após o Suíte terminar sua apresentação. A Camarones Orquestra Guitarrística subiu ao palco imediatamente para encher a praça de distorção. Com uma mistura de ska, surf music, rockabilly e momentos de heavy metal, a equação sonora da banda do Rio Grande do Norte se baseia em riffs curtos e repetidos de guitarra e um baixo gordo e intenso que preenche as lacunas sonoras.
A banda agradou, principalmente o público que estava mais ao fundo da praça. Ali, os jovens se refugiavam em busca das latas de cerveja, escassas, com os vendedores ambulantes, para aplacar o calor da noite paraense.
Isso porque a frente dos dois palcos do Conexão Vivo, montados um ao lado do outro, estava tomada por famílias, sentadas em cadeiras de plástico brancas. A mistura de samba e jazz do mineiro Marku Ribas, que veio após o Camarones, foi melhor recebida. Veterano da música brasileira dos anos 70, o cantor, porém, é reverente demais às tradições da MPB.
A primeira unanimidade da noite veio apenas, como era de se esperar, com a apresentação derradeira de Lenine. Após um breve atraso para terminar de montar o palco, o cantor pernambucano subiu ao palco à 1h10 e viu à sua frente uma multidão que o esperava em pé.
Com um novo disco mais instrospectivo, o cantor escolheu fazer um show repleto de hits. Já no começo, em “A Rede”, inseriu um trecho de “Sinhá Pureza”, um dos hinos do carimbó escrito por Pinduca, também presente no repertório da cantora Fernanda Takai, que encerra o Conexão Vivo na noite de domingo. A resposta do público foi dada pelos quadris.
Seguiu-se, então, um desfile dos sucessos do cantor: “Dois Olhos Negros”, “Jack Soul Brasileiro”, “Lá vem a Cidade” e “Paciência”, cantada em coro. Ovacionado na saída do palco, o cantor voltou endiabrado para o bis, que começou com “Hoje eu Quero Sair Só” levada apenas pela voz da plateia. “vocês pediram, agora eu me empolguei”, disse, feliz, antes de tocar “Alzira e a Torre”, que não estava prevista no setlist, com direito a citação de “País Tropical”.
A primeira noite do Conexão Vivo em Belém reforçou a marca da programação de suas edições anteriores: a diversidade musical irrestrita. Rock, MPB, ritmos paraenses, tradição e juventude convivendo em palcos vizinhos. Se a extensão da cidade pode ser medida pelo olho do alto, as fronteiras musicais na Praça Dom Pedro II até o domingo prometem ser infinitas.
Conexão Vivo Belém 2011 – Dia 2 (28/10)
Após um belo pôr-do-sol à beira da baía do Guajará, o segundo dia do Conexão Vivo em Belém prometia alguns dos melhores encontros musicais do evento. Embora o forte calor da tarde ainda insistisse em se fazer presente – na verdade, a noite apenas se refresca um pouco pela ausência do sol -, o público era bom na Praça dom Pedro II para a maratona que se iniciava às 19h30.
Os primeiros a se apresentarem foram os locais do Ultraleve e o Clássico Popular. Formada originalmente como um trio, a banda ampliou as referências ao adicionar sopros e cordas à formação. O resultado é algo entre a união das harmonias do Los Hermanos com as melodias do Violins, em um rock levemente pop correto e que agrada. Falta, porém, um pouco de vigor na performance para os jovens conseguirem maior destaque.
Ainda esquentando os motores do festival, o violonista Sebastião Tapajós subiu ao palco acompanhado pelo argentino Sergio Ábalos, promovendo um dueto interessante para os apreciadores da música instrumental. O repertório incluiu números de choro, frevo, milongas, com o paraense fazendo mais a base para que ábalos brilhasse em alguns momentos solo.
Logo depois, a cantora Aíla subiu ao palco com jeito de promessa local. Contando com o guitarrista Felipe Cordeiro em sua banda, apresentou algumas músicas de seu CD de estreia, “Trelelê”, ainda a ser lançado. Com uma sonoridade que puxa mais para o brega tradicional de Belém, a cantora chamou atenção pela música “Todo Mundo Nasce Artista”, do singelo verso “Todo mundo nasce artista, depois vem a castração”.
Vindo da Bahia, o Vendo 147 foi o primeiro furacão que passou pelo Conexão Vivo na sexta-feira. Com duas baterias montadas frente a frente e que dividem o mesmo bumbo, a banda se destaca pelo peso e pelas boas escolhas de timbres de guitarra. Em alguns momentos, o som parece algo como o encontro do Rush com o Van Halen, mas sem as punhetas instrumentais. A banda encerrou seu show com um medley em reverência aos grandes nomes do heavy metal que foi de “Paranoid” a “Enter Sandman”, passando por “Whole Lotta Love” e “You Shook Me All Night Long” e outras. Irrepreensível.
Lucas Santtana não se intimidou e entrou no palco tocando “Cira, Regina e Nana”, de seu último CD, “Sem Nostalgia”. Sem esconder a emoção por cantar pela primeira vez em Belém, o cantor se entregou completamente à performance, colocando o público para dançar com a mão pro alto e com os celulares ligados. Além de homenagear Tom Zé com a cover de “O Godô Ano 2000”, tocou a sua “Recado Para Pio Lobato” (guitarrista paraense), declarando ainda mais sua reverência a Belém. A cidade inclusive ganhou uma canção-homenagem no próximo disco do cantor, que deve ser lançado em março de 2012.
Em sua reta final, a noite recebeu o paraense Marco André e seu heavy carimbó com o peso de uma Nação Zumbi. Cenário perfeito para a participação especial de Pepeu Gomes e todo seu virtuosismo na guitarra. O show reservava duas versões de músicas do baiano: “Mil e Uma Noites de Amor”, com o refrão cantado em uníssono pela plateia, e a suingada “Eu Também Quero Beijar”, que garantiu um pouco de molejo em uma apresentação intensa.
A noite, porém, era de Gaby Amarantos. Uma vez no palco, a musa local mostra porque é um dos maiores fenômenos do tecnobrega. Sem perder o rebolado em momento algum, a cantora traz ao palco uma performance vertiginosa: pula, canta perto do público, se joga no chão e não desafina um instante. Após uma primeira parte com clássicos como “Beba Doida” e “Faz o T”, a apresentação deu uma esfriada com a participação de Marcelo Mira tocando guitarra.
Nada que não pudesse ser incendiado com a subida da Gang do Eletro. Com tanto vigor e carisma quanto Gaby, o trio injetou adrenalina na apresentação com “Galera da Laje” e “Panamericano”. A música para, os músicos agradecem, mas ninguém parece querer deixar a Praça Dom Pedro II. É de perder o fôlego. E olha que este foi apenas o segundo dia.
Conexão Vivo Belém 2011 – Dia 3 (29/10)
Se a sexta-feira iluminou parte do panorama atual da música paraense com o tecnobrega de Gaby Amarantos e a Gang do Eletro, o sábado foi dia de celebrar a tradição do estado. Com os veteranos Dona Onete e Pinduca no palco – além de novos nomes como Lia Sophia e Juliana Sinimbú, o terceiro dia do Conexão Vivo foi dominado pelo carimbó e a guitarrada.
A noite, no entanto, começou com outros ares. A Orquestra de Violoncelistas da Amazônia abriu a apresentação com a “Suíte Número 1”, de Bach, mas, formada por instrumentistas jovens, logo deixou o formalismo de lado para interpretar clássicos da música internacional.
Entre um medley de Beatles (“All My Loving”, “I Should Have Known Better”, “I Want To Hold Your Hand” e “Eleanor Rigby”) e um de Metallica (“Masters of Puppets”, “Nothing Else Matters” e “Fade to Black”), os moleques mostraram competência em uma versão de “The Final Countdown”, do Europe. Sobrou ainda uma versão de “Fear of the Dark”, do Iron Maiden, com o público fazendo o ôôôôôôô característico das canções e alguns poucos isqueiros levantados. Daqueles momentos para provar o poder do heavy metal em qualquer lugar e roupagem.
Dayse Addario e Zarabatana Jazz subiram ao palco para mostrar um repertório baseado na sonoridade de jazz song antigas. Mais felicidade tiveram os mineiros da Família de Rua na Estrada, que entrou na sequência e promoveu uma Batalha de MCs no palco.
Apresentando elementos da cultura hip-hop como o grafite e as danças dos B-boys, o grupo angariou a simpatia de um público que parecia alheio àquele universo. Mesmo sem entender de métrica e rima, a plateia entrou no clima e torcia fervorosamente por seus favoritos. Uma boa apresentação de uma cultura muitas vezes pouco conhecida de parte da população.
E então Dona Onete subiu ao palco para a primeira parte da celebração da tradição paraense. Mesmo sem nenhum disco gravado – erro que está prestes a ser corrigido, a cantora apresentou um repertório apenas de canções próprias, incluindo “Batuque Forte”, “Proposta Indecente” e “Lua Namoradeira”. Com seu carimbó mais lento, hipnotizava a plateia com sua simpatia e seus movimentos contidos. A participação de Marco André, produtor de seu disco de estreia, ajudou a fazer jus à história de uma das cantoras mais importantes do Pará.
Representando a nova geração, Lia Sophia aumentou o ritmo da noite. Com uma sonoridade regional mais pop, a cantora provou o quanto a simpatia em cima do palco é marca registrada da música paraense. A apresentação foi seguida por um show de reggae burocrático do mineiro Celso Moretti.
Juliana Sinimbú subiu ao palco e encantou com sua mistura cheia de frescor de carimbó, guitarrada e lambada. Empolgando com uma versão de “Flor da Idade”, de Chico Buarque, a cantora pavimentou a apresentação para a outra grande atração da noite, o mestre do carimbó Pinduca. Amigo da família de Juliana, o cantor mostrou um entrosamento enorme com a cantora nas duas músicas de seu repertório apresentadas: “Dança do Carimbó” e “Carimbó do Macaco”.
Interagindo com o público com enorme naturalidade, Pinduca roubou a cena da noite com menos de dez minutos de apresentação. Ainda que o encerramento da noite coubesse ao carimbó suingado da banda Metaleiras do Pará, o grande momento havia acabado de acontecer. Unindo gerações no palco, a música paraense demonstra porque é uma das cenas mais importantes e fortes do Brasil nos dias de hoje.
Conexão Vivo Belém 2011 – Dia 4 (30/10)
Quando Felipe Cordeiro chamou Gaby Amarantos e Marcos Maderito, da Gang do Eletro, ao palco no último dia de shows do Conexão Vivo, era como se os quatro dias de festival estivessem resumidos em um único momento. O show, que já havia tido o guitarrista Pio Lobatto como convidado na guitarra, ainda reunia as cantoras Iva Rothe e Juliana Sinimbu na frente, dançando como se o dia seguinte não fosse segunda-feira. Com tanta gente boa reunida, fica fácil chamar o momento de celebração da música paraense.
Mais do que reunir nomes importantes a seu redor, Felipe Cordeiro deixou o palco ostentando o título de melhor show do festival devido a seu talento e carisma. Em suas canções, guitarrada, lambada, carimbó e tecnobrega dialogam com naturalidade, unindo seus elos em comum de maneira fácil de ser ouvida. Se o Conexão Vivo foi pródigo em agregar as diferentes gerações da música paraense, Felipe Cordeiro vai além: ele consegue ser a síntese, em um artista, de toda a nova cena do Pará.
A programação do domingo começou bem diferente, no entanto, com a apresentação do grupo mineiro Catibiribão, que fez uma apresentação especial para crianças com bonecos, músicas e cheiro de Castelo Rá Ti Bum. Também de Minas veio a banda Aldan, uma tentativa mal-sucedida de misturar Graforréia Xilarmônica, o Pato Fu cantado por John e alguns momentos de Velhas Virgens.
A diversidade de estilos enfileirados nos dois palcos é um dos segredos do Conexão Vivo. Não há, em momento algum, preconceito com qualquer estilo ou gênero. Depois do Aldan quem se apresentou foi o rapper pernambucano zé Brown, que com bases com grave reforçado fez um bom show, misturando rap com repente e embolada e mostrando, de forma natural, as semelhanças entre os estilos.
A cantora paraense Iva Rothe subiu ao palco acompanhada de Manoel Cordeiro, pai de Felipe, na guitarra. Com sua voz cristalina, o grande momento da apresentação foi “Luz do Mundo”, sucesso da banda local Warilou – que tinha Manoel na guitarra – nos anos 90. Com seu ritmo candenciado, a balada foi cantada pela plateia lotada como um hino. Emocionante.
Os goianos do Gloom subiram ao palco e mostraram que o Móveis Coloniais de Acajú começam a ter seus primeiros frutos. Não que isso seja um demérito. O Gloom aposta num ska bem tocado, com linhas de metais curtas e se apoia na performance carismática da vocalista Niela. Apesar de seu pequeno tamanho, a cantora tem talento para conquistar plateias adversas poucas vezes encontrado – além de tocar guitarra muito bem. Destaque para a versão de “Do You Realize”, do Flaming Lips.
Mesmo vindo de Brasília, o Soatá parece ser uma banda local, tamanha sua familiaridade com o carimbó. O grupo adiciona guitarra e peso ao estilo, sem perder o suingue. Difícil não ficar hipnotizado pela performance da cantora Ellen Oléria, com sua potência vocal digna da melhor tradição das grandes cantoras negras da história.
Se o show de Felipe Cordeiro, penúltimo da noite, tinha cara de festa, Fernanda Takai subiu ao palco para encerrar o festival como um momento de contemplação. Quatro anos depois de lançar “Onde Brilhem os Olhos Seus”, a cantora finalmente apresentou em Belém seu show solo com a elegância habitual.
Entre canções da bossa nova (“Diz que Fui por Aí”, “Insensatez”) e clássicos internacionais (“Ordinary World”, do Duran Duran, “Ben”, de Michael Jackson) a cantora guardou a homenagem a Pinduca e ao carimbó com “Sinhá Pureza” (inclusa no repertório desde o lançamento do disco) para o final do bis. “Vocês acham um problema eu cantar essa música na terra do Pinduca?”, perguntou, retórica, Fernanda ao público. Era óbvio que não. A música do Pará é cada vez mais propriedade do mundo.
– Tiago Agostini (siga @tiagoagostini) é jornalista, colaborador do Scream & Yell e da revista Rolling Stone e editor do blog Discos da Vida.
– Fotos: Divulgação Conexão Vivo. Veja mais: http://www.flickr.com/photos/conexaovivo
Leia também:
– Cinco jornalistas elegem os cinco melhores shows do Conexão Vivo em Belém (aqui)
– Saiba como foi a edição 2011 do Conexão Vivo em Salvador, por Marcelo Costa (aqui)
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Olá, pessoal! As datas estão erradas. O primeiro dia do Conexão Vivo em Belém foi 27/10, não 28. Agora a pergunta que não quer calar: o Agostini cobriu o último dia (30/10) também?
Abraços!
Valeu pela correção, Fernando. E logo mais teremos o texto do quarto dia. Abs
Não entendi o que falaram sobre a banda Aldan. Gostei muito show! Parabéns meninos! Voltem logo!
Muito obrigado, Karla! O lance é esse mesmo, o som agrada alguns e desagrada outros . Música é isso. E o exercício da opinião tem que ser incentivado. Esperamos voltar logo. Grande abraço!
Bom, fui com curiosidade por ver o felipe cordeiro. sou daqui de belém. o que penso é o seguinte: ele funciona para agradar quem não é daqui. dizer que foi o melhor show…mostra que o pra inglês ver funciona. a primeira música que o felipe executou aponta para uma ideia do que poderia ser na prática o que a ideia do popkitschbrega sei lá mais o que teorizado por ele poderia ser de verdade. mas para por aí. o que temos depois são guitarradas instrumentais que estamos carecas de ouvir e versões meio aguadas de clássicos como ‘eu quero gozar’, desde quando começaram a falar no felipe cordeiro fiquei com o pé meio atrás. fui ver o show pra confirmar ou não minhas impressões. ele realmente poderia ser uma ponte, uma síntese de uma nova libguagem para o brega ou tecnobrega, mas fica no meio termo. pra quem vê de fora parece a última gota de água no deserto. pra quem é daqui e já ouviu muito isso tudo, a sensação é…’menos, muito menos…’