por Wilson Farina
Como prosseguir na música depois de fazer parte do grupo de maior sucesso e importância de todos os tempos? E mais, depois de sempre viver numa banda, como fazer isso sozinho? O fim dos Beatles foi um processo lento e doloroso, e quando foi anunciado em 1970, cada um de seus membros reagiu a sua própria forma. Ringo Starr gravou dois discos de covers, e manteve a boa vizinhança com todos. Mas os três principais compositores lançaram discos bem diferentes entre si.
George Harrison tinha muito pouco espaço nos discos dos Beatles para suas composições, mesmo tendo alcançado um alto nível de qualidade nos últimos anos do grupo. Sendo assim, em 1970 o guitarrista tinha uma quantidade enorme de músicas prontas, e chamou o produtor Phil Spector e vários músicos consagrados, capitaneados pelo amigo Eric Clapton, para gravar em grande estilo o espetacular disco triplo “All Things Must Pass”. Harrison não demonstra afetividade pelo sucesso comercial da banda que participava, e canta na faixa “Wah Wah” os versos: “E eu estou pensando em você / E todas as coisas que costumávamos fazer (…) Você fez de mim uma estrela tão grande / Estando lá na hora certa / Mais barato do que dez centavos”, e “Você não me vê chorar / Você não me ouve suspirando”. Incluindo o hit “My Sweet Lord”, primeiro single de um ex-beatle a liderar as paradas americanas e britânicas, “All Things Must Pass” é o disco solo mais vendido entre todos os lançamentos dos quatro. Mas George nunca mais repetiria o mesmo brilho, a mesma produtividade e o mesmo sucesso.
John Lennon chegou a lançar alguns singles ainda em 1969, como “Cold Turkey”, música onde cantava abertamente sobre seu vício em heroína, e que foi rejeitada para ser single dos Beatles. Com a separação, Lennon passou a desfazer e desmerecer em entrevistas a imagem idealizada do grupo, e lançou o chocante disco “Plastic Ono Band”, de arranjos minimalistas, e temas até então nunca cantados num disco de um ícone pop. Traumas de infância, relação com os pais e a fama, problemas amorosos, tudo escancarado de uma forma que John não poderia fazer antes. A faixa “God” traz os famigerados versos “Eu não acredito em Beatles” e “O sonho acabou”. John teve grande aprovação da crítica, foi ativista político e teve mais alguns sucessos, até perder o rumo e até um bocado do interesse na sua própria música poucos anos depois, chegando a sumir do mapa por cinco anos para criar seu filho Sean. Mas no começo dos anos 70, o homem que montou os Beatles fez de tudo para desmanchar a imagem do conjunto.
É nesse contexto que entra Paul McCartney, o homem que queria manter os Beatles unidos e perdeu a briga para seus três companheiros. Claro que a situação toda era complexa, envolvia questões financeiras e legais, sem mencionar as brigas pessoais entre os quatro, mas sob o ponto de vista artístico, Paul tinha boas idéias. Basicamente, ele queria que os Beatles voltassem a gravar de forma simples, e principalmente voltassem a tocar ao vivo, para manter a banda afiada, como músicos. Mas era tarde demais, os outros três não estavam interessados.
McCartney chegou a passar um tempo em depressão, quase um alcoólatra, sofrendo pelo fim do grupo. Linda, sua esposa, foi essencial em sua recuperação recolocando-o em foco para produzir música. George Harrison gravou todas as músicas que queria, e John Lennon cantou sobre os temas que queria, ambos escoltados por bandas de apoio, o estúdio Abbey Road e o produtor Phil Spector. Paul também provou seu ponto, ao gravar um disco inteiro sozinho, quase todo em casa, tocando todos os instrumentos, e apenas poucos vocais de apoio de Linda. Depois disso, montou sua própria banda, os Wings, com quem excursionou por boa parte do mundo, lotou estádios e liderou paradas de sucessos. Nos anos 80 voltou a gravar sozinho, e teve um período criativo ruim. Mas nos anos 90, voltou a excursionar pelo mundo, e lançou bons discos de estúdio, consolidando a carreira solo mais bem sucedida, de longe, dos quatro Beatles. Conheça cada disco abaixo:
McCartney (1970)
Gravado quase todo na casa em que Paul morava em Londres, com ele tocando todos os instrumentos, e alguns poucos ajustes em estúdio. Quando lançado, em abril de 1970, o disco trazia um questionário para a imprensa, onde McCartney anunciava oficialmente o fim dos Beatles, o que ajudou suas vendas (e irritou John Lennon, que gostaria de ter feito o anúncio pessoalmente). O álbum tem seu charme despretensioso, por sua produção e sonoridade lo-fi, e suas composições simples e curtas, algumas inspiradas e outras nem tanto. Várias músicas instrumentais (feitas para testar seu gravador doméstico), composições não aproveitadas nos discos dos Beatles (“Teddy Boy”, “Every Night” e “Junk”, que também aparece na bela versão instrumental “Singalong Junk”) e até um trecho de “Suicide”, canção que McCartney compôs com a intenção de entregar para Frank Sinatra gravar, o que nunca ocorreu. A grande canção aqui é “Maybe I’m Amazed”, balada feita em homenagem a Linda, cantada do fundo da alma, com melodia, arranjo e guitarras que lhe dariam lugar merecido em “Abbey Road” ou “Let It Be”. Melhor música de toda sua carreira solo, McCartney já admitiu que é o tipo de composição pelo qual gostaria de ser lembrado. Visto hoje, “McCartney” serve como um microcosmo da carreira solo de Paul: entre suas treze músicas, temos uma obra-prima, muitas canções muito boas, mais baladas do que rocks, e uma ou outra música mal-acabada ou simplesmente ruim. O álbum está sendo relançado em edições especiais recheadas de bônus.
Download: Maybe I’m Amazed, Every Night, Junk
Nota: 8
Ram (1971)
Único disco creditado a “Paul & Linda McCartney”, apesar de Linda se limitar basicamente a vocais de apoio. O casal foi para Nova York, recrutou os músicos Denny Seiwell, baterista, Dave Spinozza e Hugh McCracken, guitarristas, e registrou uma grande quantidade de composições. Duas foram lançadas como single, “Another Day / Oh Woman Oh Why”, mantendo a ética dos tempos de Beatles de deixar singles de fora dos álbuns. Outras músicas seriam utilizadas no período dos Wings (“Dear Friend”, “Get On The Right Thing”, “Little Lamb Dragonfly”) ou seriam lançadas muito tempo depois (“Hey Diddle”, “A Love For You”). Tudo isso para mostrar que Paul passava por um momento muito fértil e inspirado, que se reflete no álbum. “Ram” é um disco coeso, muito bem detalhado e arranjado, apesar de manter um pouco da sonoridade rústica de “McCartney”. Paul desfila com propriedade pelo blues (“3 Legs”), powerpop (“Eat at Home”), rock’n’roll (“Smile Away”) e suas tradicionais canções acústicas (“Heart of The Country”) e baladas épicas (“Long Haired Lady” e “Back Seat of My Car”), sempre com ótimas melodias e refrões. E tudo no auge de sua performance vocal, gritante em duas músicas: “Monkberry Moon Delight”, rock hipnótico de várias linhas de vozes rasgadas, alternando entre graves e agudos extremos; e “Dear Boy”, levada pelo piano e por harmonias vocais inspiradas nos Beach Boys, mas cheias de eco e efeitos até fantasmagóricos, tão marcantes que em vários momentos estão mais em destaque na mixagem do que o vocal principal. A idéia do medley final de “Abbey Road” ressurge em vários momentos da carreira de Paul, ao juntar pequenas canções ou trechos musicais completamente diferentes em uma mesma composição, tornando-se uma de suas marcas registradas. Um de seus melhores resultados está aqui, em “Uncle Albert / Admiral Halsey”, de três trechos intercalados e orquestrações escritas por George Martin. Além de tudo isso, “Ram” traz letras que tratam da vida do casal McCartney na fazenda, sexo, drogas, e sim, as feridas da separação dos Beatles. Principalmente em “Too Many People”, que abre o disco com versos que afrontavam diretamente a John Lennon e Yoko Ono, que na época tentavam desfazer a imagem dos Fab Four em entrevistas. Lennon ainda consideraria que também “Dear Boy” e “Back Seat of My Car” traziam versos a seu respeito, e responderia com “How Do You Sleep?” no disco “Imagine”. Entre letras polêmicas, estilos variados e muita inspiração, McCartney fez seu melhor disco, que deu um rumo e confiança para sua carreira.
Download: o disco inteiro.
Nota: 10
Wild Life (1971)
Primeiro disco dos Wings. Paul e Linda se juntam a Denny Seiwell, baterista que participara das gravações do disco anterior, e Denny Laine, ex-Moody Blues, que assume a guitarra e o papel de companheiro de composições de Macca. Para a estreia do grupo, a idéia era seguir o exemplo de Bob Dylan, que gravara “New Morning” (1970) de forma rápida, mantendo a espontaneidade no som. Mas em vez de rápido, “Wild Life” acabou saindo afobado, sendo gravado e mixado em duas semanas, e por isso traz uma produção mal acabada. Um resultado ainda longe do estilo que caracterizaria o grupo, evidente em músicas fracas como “Mumbo” e “Be Bop”. Os destaques positivos são a balada a lá anos 50 “Tomorrow”, e principalmente a agridoce “Some People Never Know”, que apazigua a briga com John Lennon (a arrastada “Dear Friend” também trata do tema, mas sem a mesma beleza). Dias melhores viriam, mas a banda estava montada e podia sair em turnê, como queria McCartney.
Download: Some People Never Know, Tomorrow
Nota: 5
Red Rose Speedway (1973)
Logo após “Wild Life”, os Wings ganharam o acréscimo do guitarrista Henry McCullough, fizeram shows em universidades britânicas e teatros europeus, e lançaram três singles (“Give Ireland Back To The Irish”, “Mary Had A Little Lamb” e “Hi Hi Hi” / “C Moon”). Com tudo isso, entraram em estúdio muito mais entrosados e encorpados como banda. E depois de três discos quase minimalistas, Paul lança mão de uma produção mais elaborada, contando com o engenheiro de som Alan Parsons. O carro-chefe é a balada “My Love”, hit meloso que faz parte de seus shows até hoje. Outras boas canções são “Little Lamb Dragonfly”, “Get On The Right Thing” e o medley final (de novo!) juntando quatro pequenas canções. “Speedway” é o disco que define o som que caracterizaria os Wings: pop-rock beatle que se utilizava de elementos de estilos dos anos 70, como folk rock, reggae, glam, progressivo e o hard rock (e mais para frente, até disco e punk). Se na época a crítica não tecia elogios, esses álbuns acabariam fazendo sucesso comercial, e influenciando bandas de britpop e indie rock dos anos 90.
Download: Little Lamb Dragonfly, Medley: Hold Me Tight / Lazy Dynamite / Hands of Love / Power Cut
Nota: 7,5
Band On The Run (1973)
Após o sucesso comercial de “Red Rose Speedway” e do single “Live & Let Die”, tema do filme “007 – Viva e Deixe Morrer”, Paul e Linda decidem gravar o novo disco fora do Reino Unido. O casal consultou a EMI sobre estúdios da gravadora em locais “exóticos”, e um dos quatro locais considerados foi o Rio de Janeiro. Mas a gravação acabou ocorrendo em Lagos, na Nigéria, e se tornou bastante problemática. Às vésperas da viagem, o baterista Denny Seiwell e o guitarrista Henry McCullough decidiram sair da banda, deixando os Wings apenas com Paul, Linda e Denny Layne. Chegando à África, mais problemas: o estúdio da EMI era precário; Paul e Linda foram assaltados na rua, perdendo fitas com demos; e o músico local Fela Kuti acusou-os de tentarem roubar a música africana, e só se convenceu do contrário quando foi convidado a ouvir fitas das gravações. Para completar, Paul chegou a desmaiar no estúdio durante as gravações, pelo excesso de cigarros. Apesar de tudo isso, o disco superou todas as expectativas, e visto hoje parece uma coletânea de sucessos. Para se ter uma idéia, nos recentes shows que fez no Brasil, Paul tocou seis das nove músicas do álbum: “Band On The Run”, “Jet”, “Bluebird”, “Mrs. Vanderbilt”, “Let Me Roll It” e “Nineteen Hundred and Eighty-Five”. Uma coleção muito forte de canções, que ainda incluía a belíssima “No Words”, e a roqueira “Helen Wheels”, lançada como single na Inglaterra e inserida pela gravadora na edição americana do álbum. “Band On The Run” é certamente um disco muito querido por Paul, e já teve duas edições comemorativas, uma em 1999 e outra em 2010. Se “Ram” é o ponto alto mais inventivo de carreira solo de Paul McCartney, “Band On The Run” se constitui como o outro pilar, de pop-rock convencional, mas de alta qualidade e sucesso. Pilares que ele nunca mais alcançaria novamente.
Download: o disco inteiro.
Nota: 10
Venus & Mars (1975)
Os Wings se restabelecem como quinteto em 1974, com o novo guitarrista Jimmy McCulloch e o baterista Geoff Britton (pouco depois substituído por Joe English), e novamente procuram inspiração gravando fora da Inglaterra. O grupo vai a Nashville, nos Estados Unidos, onde grava o single “Junior’s Farm”, e depois a New Orleans, duas cidades de grande tradição musical. A influência da música americana se faz presente no disco, onde McCartney apresenta facetas R&B (“Call Me Back Again”), soul (“Letting Go”) e de music hall (“You Gave Me The Answer”). O pop melodioso também está lá, em “Listen To What The Man Said”, que se tornou hit de rádio, e na deliciosa “Magneto & Titanium Man”, melhor música bobo-alegre escrita antes da invenção do Supergrass, onde McCartney canta sobre personagens de histórias em quadrinhos. A essa altura os Wings alcançavam enorme sucesso no mundo inteiro, se apresentando em grandes arenas e estádios. A dobradinha que abre o álbum, “Venus & Mars” e “Rock Show”, obviamente vai direto ao assunto, versando “Sentado na arquibancada da arena de esportes / esperando pelo show começar” e “se há um show de rock / estaremos lá”. “Venus & Mars / Rock Show” abria as apresentações da extensa turnê mundial dos Wings entre 1975 e 1976, ficou muito tempo esquecida, e como um sonho de fã, voltou ao setlist de McCartney na turnê de 2010 (assim como “Letting Go”), sendo tocada em shows no Brasil. Boa representação de um ótimo disco.
Download: Venus & Mars / Rock Show, You Gave Me The Answer, Magneto & Titanium Man, Letting Go, Call Me Back Again, Listen To What The Man Said, Treat Her Gently
Nota: 9
Wings At The Speed of Sound (1976)
Desde os tempos dos Beatles, Paul McCartney sempre teve problemas com a crítica musical, que lhe acusava de ser apenas um rosto bonito que compunha músicas românticas bobas e sem profundidade. Eis que Paul vem com o verso: “Algumas pessoas querem encher o mundo de canções bobas de amor / o que há de errado nisso?”. “Silly Love Songs”, com sua levada dançante, excelente linha de baixo e intrincadas harmonias vocais de Paul, Linda e Denny Layne, se tornou grande sucesso. Puxou o disco para o topo das paradas, junto com outro hit, “Let’ Em In”. Mas, como o próprio nome entrega, “Speed of Sound” foi gravado e lançado às pressas, para ajudar a promover a turnê do grupo pelos EUA, e traz muito material fraco, incluindo composições dos outros integrantes. Apesar disso, duas ótimas composições se destacam: “Warm and Beautiful” é uma balada romântica sóbria, de arranjo simples, e “Beware My Love”, que começa como um pequeno folk, e se transforma num hard rock a lá Led Zeppelin, com vocais rasgados de Paul. Mas os poucos pontos altos não salvam um disco medíocre.
Download: Silly Love Songs, Let ‘Em In, Beware My Love, Warm and Beautiful
Nota: 5
London Town (1978)
Em mais um capítulo de suas extravagâncias (quem disse que Paul McCartney não era um rock star de exageros?), os Wings alugam um iate nas Ilhas Virgens, montam um estúdio dentro do barco e gravam boa parte do disco por lá mesmo. Mas durante essas sessões, nova debandada: Joe English e Jimmy McCulloch abandonam o grupo, deixando novamente Paul, Linda e Denny sozinhos para finalizar as canções. Antes de o álbum ficar pronto, ainda em 1977, é lançado o single “Mull of Kintyre”, composta em homenagem à região da Escócia onde fica a fazenda de McCartney, com um dos melhores refrões de seu repertório, e a marcante banda de gaitas de fole. A gravação se torna o single de maior vendagem em todos os tempos no Reino Unido, mas mesmo assim Paul bate o pé para deixá-la de fora do álbum que estava para sair. No começo de 1978, depois de quase um ano de confecção, “London Town” era lançado trazendo muitas baladas e canções leves. Algumas composições inspiradas, como as bonitas “I’m Carrying”, “With A Little Luck” e a faixa título, mas outras músicas dispensáveis, como “Children Children” e “Girlfriend”. Típico caso de disco que sofre pelo excesso de material, e ganharia pontos se fosse mais enxuto. Mas toda a calmaria e relaxo do disco são compensados pela faixa derradeira, a genial “Morse Moose & The Grey Goose”. Alta psicodelia, com grande orquestração, baixo de levada funkeada e um fundo de barulhos estridentes e sons de código morse, com vocal ríspido de Paul, tudo intercalado por uma seção folk no meio da música. Composição daquelas que muitos dariam um braço para conseguir fazer, e abrilhanta um álbum mediano.
Download: Morse Moose & the Grey Goose, I’ve Had Enough, London Town, With A Little Luck
Nota: 7
Back To The Egg (1979)
Esse acabaria sendo o último disco dos Wings, aqui com o guitarrista Laurence Juber e o baterista Steve Holly. Depois do leve “London Town”, e do punk rock que predominava à época, Paul pretendia lançar um disco de rock’n’roll básico, mas o resultado não sai completamente de acordo. Das sessões de gravação é lançado primeiramente o single “Goodnight Tonight”, de levada dance e experimentações com o vocoder (além do b-side pop “Daytime Nightime Suffering”, uma das faixas preferidas de Paul). Outras faixas também serviram de experimentação, como “Reception” e “The Broadcast”, mais próximas do que Macca faria a seguir. Mas sim, o rock’n’roll se faz presente, nos bons rocks “Getting Closer” e “Spit It On”, e nas ótimas “Rockestra Theme” e “So Glad To See You Here”, gravadas com a “orquestra do rock”, de convidados como Pete Townshend, David Gilmour, John Paul Jones, John Bonhan, Gary Brooker e outros (o clipe de “Rockestra Theme”, com todos os convidados no estúdio, regidos por Paul, é facilmente encontrado no Youtube). Além disso, “We’re Open Tonight” e a jazzística “Baby’s Request” se destacam. Mas, novamente, muito do material é de pouca inspiração, e o álbum se perde. Mesmo assim, após seu lançamento os Wings voltariam a se apresentar depois de três anos sem shows, e em janeiro de 1980 viajariam para uma turnê no Japão. Mas chegando lá, Paul é preso por posse de haxixe, e fica nove dias detido numa prisão japonesa. Depois disso é solto, a banda volta para a Inglaterra, e os Wings entram em hiato.
Download: Getting Closer, Rockestra Theme, So Glad To See You Here, Baby’s Request
Nota: 6,5
McCartney II (1980)
Ainda sem saber o que fazer com os Wings, Paul volta ao estilo de gravação de seu primeiro disco, tocando todos os instrumentos sozinho. As canções começariam como experimentos, para testar seu novo gravador de 16 canais, e acabaram sendo lançadas comercialmente. McCartney foge de seu pop-rock tradicional, tentando correr atrás de novas tendências da época, como a new wave e a música eletrônica. O disco dividiu fãs por suas composições estranhas dominadas pelos sons de sintetizadores. O âmago da polêmica seria a faixa “Temporary Secretary”, de andamento marcial, sintetizador emulando uma máquina de escrever, e vocal debochado, num pop kitsch delicioso. “Secretary”, assim como o b-side “Check My Machine”, ganharia remixes e versões voltadas para pistas de dança. Apesar da polêmica com fãs mais tradicionalistas, “McCartney II” não traz experimentações tão radicais assim, e vale pela vontade de tentar algo diferente. Duas ótimas composições estão presentes: “One Of These Days” é a típica canção acústica de ninar, sem ser melosa; e a alegre “Coming Up”, com sua famosa guitarra funk e clipe divertido, onde Paul interpreta várias versões dele mesmo. Reza a lenda que John Lennon, então afastado da música há cinco anos, ouviu “Coming Up” no rádio e se inspirou a voltar a gravar. “McCartney II” também está voltando às lojas em edições especiais.
Download: Coming Up, Temporary Secretary, One of These Days
Nota: 6
Tug of War (1982)
Paul começaria a gravar seu novo disco no dia 7 de dezembro de 1980, com membros dos Wings e o produtor George Martin. Mas dois dias depois receberia a notícia da trágica morte de John Lennon, e se afastaria por alguns meses do estúdio. Ao voltar, contaria com a participação de grandes nomes, como Stevie Wonder (em “What’s That You’re Doing” e “Ebony & Ivory”, muito executada até hoje por rádios FM’s de motel/elevador), Carl Perkins (“Get It”), Ringo Starr (“Take It Away”), além de Stanley Clarke, Steve Gadd e Eric Stewart, ex-membro do 10cc, que se tornaria parceiro de gravação e composição de Paul. Apesar de escorregar em alguns momentos numa produção que hoje soa datada, o álbum traz boas composições, como o rockabilly “Balrrom Dancing” e a faixa título, “Tug of War”, balada épica com orquestração majestosa. A grande composição é a delicada e emocionante “Here Today”, tributo ao amigo John, com vocal visivelmente fragilizado de Paul, violão dedilhado e quarteto de cordas, com arranjo de George Martin, seguindo o mesmo estilo de “Yesterday”. A partir das turnês dos anos 2000, Paul passou a tocar “Here Today” em seus shows, sendo sempre um dos pontos altos de suas apresentações, assim como nos recentes shows no Brasil.
Download: Here Today, Tug of War
Nota: 7
Pipes of Peace (1983)
Inspirado pelo resultado do último disco, Macca tenta seguir a mesma fórmula na sua continuação, inclusive utilizando várias músicas que sobraram da gravação anterior. Dessa vez a participação especial seria de Michael Jackson no hit “Say Say Say” e na balada “The Man”. Como se sabe, na época Paul e Michael eram bons amigos e colaboradores, e Paul alega inclusive ter dado importantes conselhos a Michael: a produzir videoclipes, que se tornariam característicos do rei do pop e elevariam sua carreira a níveis estratosféricos com “Thriller”; e investir em direitos de reprodução da catálogos musicais. Pouco depois Michael compraria os direitos das músicas dos Beatles, e, ops, a amizade azedaria. Voltando ao disco, apesar de boas músicas pop, como “The Other Me” e a faixa título (com o tema paz em contraponto a guerra do disco anterior), o resto das composições é fraco. Canções insípidas, com tudo que houve de pior na produção dos anos 80, com baterias com eco, sintetizadores em excesso, vocais metalizados, resultando num dos piores discos da vida do artista.
Download: Pipes of Peace, The Other Me
Nota: 3
Give My Regards To Broad Street (1984)
O ponto mais baixo de toda a carreira artística de Paul McCartney. Disco que serve como trilha sonora para o filme de mesmo nome, em que Paul interpreta um artista que tem as fitas de sua nova gravação roubadas. No filme, e no disco, ele regrava clássicos dos Beatles e canções de sua carreira solo, criando medleys terríveis, incluindo solos de saxofone de mau gosto, tudo com timbres que hoje soam como uma banda de churrascaria. A única coisa que se salva aqui é a inédita “No More Lonely Nights”, ótima balada para as FMs, com solos de guitarra de Dave Gilmour.
Download: No More Lonely Nights
Nota: 1
Press To Play (1986)
Paul decepciona de novo. Mas, verdade seja dita, ao menos ele tentou diversificar o que vinha fazendo. “Press To Play” foi um disco bastante trabalhado no estúdio, com suas gravações tomando um ano inteiro, e contando com a parceria de Eric Stewart novamente. As composições pesavam no synthpop da época (“Press”, “Pretty Little Head”), passavam pelo rock (“Angry”, “Move Over Busker”) e por baladas grandiosas (“However Absurd”), mas tudo era insípido, com a sonoridade de uma trilha sonora dos Caça-Fantasmas. Ao menos duas canções boas estão ali: a balada ao piano “Only Love Remains” e o pop-rock “Stranglehold”, que abre o disco. Mas nada inesquecível. A única experimentação realmente interessante seria em “Hanglide” (b-side do single de “Press”), instrumental que misturava guitarras e efeitos eletrônicos, e certamente serviu como embrião do projeto paralelo The Fireman, que Paul lançaria anos mais tarde.
Download: Hanglide, Only Love Remains, Stranglehold
Nota: 3
CHOBA B CCCP (1988)
Conhecido como o ‘álbum russo’, “CHOBA B CCCP” (“Back In The USSR” em russo) é um álbum de covers dos primórdios do rock. Gravado em dois dias, Paul passa por canções de seus ídolos Little Richard, Elvis, Fats Domino e outros, em versões corretas, sem grandes destaques nem decepções. Lançado exclusivamente na antiga União Soviética em 1988, “CHOBA B CCCP” foi o primeiro disco de um artista ocidental a sair em um país comunista, liderando as paradas de lá, e sendo lançado no resto do mundo apenas em 1991. Mas McCartney voltaria às raízes do rock com mais propriedade uma década depois.
Download: Crackin’ Up, Twenty Flight Rock
Nota: 5
Flowers in The Dirt (1989)
Paul McCartney pode às vezes fazer cara de bobo, mas não é idiota. Era óbvio que seus últimos discos tinham decepcionado aos seus fãs, à crítica e a ele mesmo. Ao final dos anos 80, tudo seria repensado: a tentativa de correr atrás das últimas tendências de sonoridade, a parceria com Eric Stewart, a falta de uma banda de apoio fixa, e principalmente sua relutância em aparições públicas, após o chocante assassinato de John Lennon. Entre 1987 e 1988 Paul se reorganizou: lançou a compilação de sucessos “All The Best” (incluindo a boa inédita “Once Upon A Long Ago”), o disco russo de covers e deixou de lado o disco de sobras em que trabalhava, “Return To Pepperland”, de onde tirou algumas músicas para seu novo projeto. Além disso, montou uma banda de apoio com músicos experientes, para gravar e sair em turnê. E, principalmente, encontrou força na nova parceria de composição, com Elvis Costello, tranquilamente seu melhor colaborador desde Lennon. As músicas compostas por McCartney com Costello serviram de catalisador para um disco que deveria representar um grande retorno de Paul às paradas e à mídia. A parceria rendeu o primeiro single “My Brave Face”, e outras boas canções, como “That Day Is Done” e “You Want Her Too”, onde Elvis Costello aparece dividindo os vocais (além de números que foram parar nos discos de Costello como “Verônica” e “So Like Candy”). Boa parte do álbum se baseava no pop-rock típico dos Beatles, e trazia algumas das melhores composições de McCartney em muitos anos, como “This One”, “Figure Of Eight” e “Put It There”. Apesar da boa inspiração, o disco declina no final, sofrendo com resquícios do pior dos anos 80 (produção pesada, o arranjo FM-de-motel para a boa “Motor of Love”, a ‘engajada’ “How Many People” – sobre o brasileiro Chico Mendes – e a dance insuportável de “Ou Est Le Soleil”), o que lhe afasta do status de obra-prima. Mas a intenção de recolocar Paul McCartney no mapa foi mais do que bem sucedida, também pela longa turnê mundial que se seguiu. E um dos pontos altos foi sua primeira passagem pelo Brasil, com os históricos shows no Maracanã em abril de 1990, com cerca de 185 mil pessoas por noite, o maior público da carreira do artista.
Download: This One, Figure of Eight, Put It There, My Brave Face, Distractions
Nota: 7
Off The Ground (1993)
Depois do sucesso de “Flowers In The Dirt”, Paul tentou repetir a mesma fórmula no disco seguinte, criando uma óbvia continuação. O problema é que “Off The Ground” é um disco que parece uma enorme compilação de lados b, no mau sentido. Ali estão algumas boas músicas como a pegajosa “Hope of Deliverance” e a grandiosa “C’Mon People”, além de novas boas colaborações com Elvis Costello, especialmente “Mistress And Maid”. Mas a maior parte do álbum soa enfadonha, sem grandes inspirações e performances. Também não ajuda o fato de “Off The Ground” ser o auge do bom-mocismo e do politicamente correto de McCartney, com letras sobre ecologia e paz mundial. Em épocas de grunge, acid house e niilismo, Paul passou a ser visto pela imprensa e boa parte do público jovem como um tiozinho ultrapassado. Mas seus fãs antigos seguiam fiéis, e uma nova turnê mundial seguiu o disco, lotando estádios. Em dezembro de 1993 o músico se apresentou novamente no Brasil, em Curitiba, na Pedreira Paulo Leminski, e em São Paulo, no estádio do Pacaembu.
Download: Hope of Deliverance, C’Mon People
Nota: 5,5
Flaming Pie (1997)
“Nós sempre voltamos às canções que estávamos cantando”. O meio dos anos 90 revitalizou como nunca a carreira de Paul McCartney. O mega projeto “Anthology”, com documentários e discos de outtakes, apresentou os Beatles a toda uma nova geração de fãs, que passaram a ver Paul de forma mais positiva. O próprio músico admitiu que o envolvimento com o projeto lhe fez lembrar como os Beatles compunham de forma simples e direta, o que refletiria no seu novo disco. Foram dispensados os músicos da banda de apoio e a produção excessiva dos dois últimos álbuns, assim como as letras ecológicas (e, sim, até mesmo os mullets!). Entraram em cena velhos amigos como Ringo Starr, Jeff Lynne e Steve Miller, em um processo de gravação sem pressa, que durou quase dois anos. “Flaming Pie” se mostra o melhor disco de McCartney em mais de vinte anos, e traz de volta a sonoridade simples e direta de seus primeiros discos solo. Pequenas canções acústicas melodiosas, como “Calico Skies” e “Great Day”, remetem diretamente à “Blackbird” e “Junk”; o arranjo de cordas feito por George Martin para “Somedays” é elegante; as guitarras de “The World Tonight”, “If You Wanna” e “Young Boy” soam cruas como há muito não se ouvia em seus discos. O clima de nostalgia impera, e por todo o lado se percebem conexões diretas e indiretas com os Beatles. A faixa-título vem de uma história contada por John Lennon, que disse ter sonhado que um homem numa torta-flamejante lhe visitava e lhe dizia “vocês serão Beetles com A”. E para fechar o círculo, a única canção grandiloquente do álbum, “Beautiful Night”, conta com orquestra gravada nos estúdios Abbey Road, com participação de George Martin. A sessão de gravação ocorreu em fevereiro de 1997, exatos 30 anos após a sessão de orquestra gravada para “A Day In The Life”, no mesmo estúdio. E mesmo com a pompa, “Beautiful Night” termina numa divertida jam, com Paul dividindo os vocais com Ringo, entre solos de guitarra, sopros e clima de festa no estúdio, um belo resumo do espírito do álbum.
Download: The Song We Were Singing, The World Tonight, Young Boy, Calico Skies, Little Willow, Beautiful Night
Nota: 9
Run Devil Run (1999)
Em 1998, Paul perde sua companheira Linda McCartney, vítima de câncer. A maneira que encontrou para reagir foi voltar às suas raízes, o rock que ouvia quando jovem. Paul juntou uma banda fortíssima, incluindo David Gilmour, Mick Green e Ian Paice, para gravar versões de rocks dos anos 50 e 60. As sessões de gravação foram rápidas na tentativa de obter o maior frescor e espontaneidade possível. O resultado é único na carreira de McCartney: “Run Devil Run” é um disco quente, alto e rápido, com uma banda e mil por hora e um vocalista em chamas! Mesmo que tivesse gravado um disco de covers do rock em “Choba B Cccp”, a nova tentativa fica anos-luz à frente. Paul literalmente coloca seus demônios para fora nos lamúrios sinceros de “No Other Baby” (“Eu não quero outra garota que não seja você”) e “Lonesome Town”, e nos rocks furiosos de “Honey Hush” e “Party”. Além dos covers, o disco traz três originais de McCartney, no mesmo estilo do velho rock’n’roll: as boas “What It Is” e “Try No To Cry”, e a excepcional faixa-título, uma das melhores músicas que Paul já gravou na vida. Acompanhado pela mesma banda de peso, e com o repertório do disco, Paul fez o show de estréia do novo Cavern Club, reconstruído em Liverpool, em dezembro de 1999. O DVD deste show saiu em bancas de jornais no Brasil e é fácil de ser encontrado ainda hoje.
Download: Run Devil Run, No Other Baby, Lonesome Town, Try Not To Cry, Brown Eyed Handsome Man, Honey Hush
Nota: 9
Driving Rain (2001)
A virada do século viu Paul McCartney extremamente revigorado. Mesmo com a morte da esposa Linda, Paul vinha de dois ótimos discos, engatou um novo romance com a ex-modelo Heather Mills, comemorou os 30 anos dos Wings com o projeto “Wingspan”, além de mostrar diferentes manifestações artísticas (lançou discos de música clássica e experimental, um livro de poemas e um de pinturas). Tudo isso lhe deu confiança e entusiasmo para o novo disco. Agora com uma nova banda de apoio, dessa vez com músicos mais jovens e dispostos, que serviriam para um retorno às turnês mundiais (e que seguem lhe acompanhando até hoje). Paul manteve o estilo rápido de gravação e a sonoridade orgânica de seus discos recentes, mas se permitiu experimentar um pouco mais ampliando os limites de sua música. O melhor resultado é, de longe, “Rinse The Raindrops”, rock que se transforma numa jam de 10 minutos, com feedbacks, barulho e Paul se esgoelando, lembrando bastante o clima da melhor música do universo, “Helter Skelter”. “Driving Rain” traz vários outros bons momentos, como os rocks “Lonely Road” e “About You”, as baladas “I Do” e “Your Way”, a quase instrumental “Heather”, e “Riding To Jaipur”, de clima indiano, tamboura e violão simulando uma cítara. Mas é o clássico caso de álbum que peca pelo excesso de material, e acaba entregando canções fracas, como “Tiny Bubble”, “Spinning On A Axis” e “Freedom”, a resposta de McCartney aos ataques de 11 de setembro, incluída às pressas como faixa escondida no álbum. “Driving Rain” acaba sendo um bom disco, mas se fosse mais enxuto, seria ainda melhor.
Download: Rinse The Raindrops, Lonely Road, About You, I Do, Heather
Nota: 7,5
Chaos & Creation in The Backyard (2005)
Mesmo revigorado no período recente, em 35 anos e vários discos de carreira solo, Paul McCartney havia lançado apenas dois álbuns impecáveis, “Ram” e “Band On The Run”. Todos os outros, por melhores que fossem, sempre traziam algumas canções completamente dispensáveis, muletas recorrentes do artista com letras rasas, às vezes constrangedoras. “Chaos & Creation” veio para confrontar tudo isso, motivado pelo produtor Nigel Godrich, que havia produzido os discos do Radiohead. Indicado por George Martin à Paul, Godrich não se intimidou e confrontou muitas das idéias de McCartney durante o processo de composição e gravação do álbum, entre 2003 e 2005. Sugeriu que McCartney dispensasse sua banda de apoio e voltasse a gravar praticamente todos os instrumentos sozinho. O produtor instigou o artista à sair de sua zona de conforto, escrever letras melhores, repensar arranjos, descartar prontamente canções que não lhe agradavam, chegando a discussões e momentos de clima pesado. Mas posteriormente Paul admitiu que Nigel estava certo, e fez o que deveria. O resultado é gritante: “Chaos & Creation” é certamente o disco mais focado que McCartney já fez. O costumeiro clima água com açúcar é trocado por letras mais sérias, reflexivas, como “Too Much Rain” e “Friends To Go”. As canções de amor não são bobas, mas sinceras, como “Follow Me” e “This Never Happened Before”. Espaço para músicas climáticas, como “Acertain Softness”, e até sombrias, como “Riding To Vanity Fair”. Além de bons números característicos de Paul, como o acústico dedilhado de “Jenny Wren”, o pop-psicodélico de “English Tea” e “Promise To You Girl”, e o single grudento “Fine Line”, que num mundo de paradas de sucesso ideal, teria tocado à exaustão pelo mundo afora. Além disso, as sessões ainda renderam ótimos b-sides, como “Summer of 59”, “I Want You To Fly” e “Growing Up Falling Down”, que poderiam ter feito parte do álbum, sem prejudicar a qualidade do todo. Mais de trinta anos depois, com uma grande ajuda de Nigel Godrich, Paul McCartney conseguiu novamente fazer um disco impecável.
Download: Fine Line, Jenny Wren, Friends To Go, English Tea, Follow Me
Nota: 9,5
Memory Almost Full (2007)
Antes mesmo de se envolver com o projeto de “Chaos & Creation”, Paul já havia começado a gravar um sucessor para “Driving Rain” com sua banda de apoio, mas a gravação foi interrompida e deixada para um momento posterior. Após sua turnê de 2005, McCartney retornou às fitas, trouxe a banda de volta ao estúdio e finalizou o álbum, utilizando algumas boas lições do esforço recente. “Memory Almost Full” traz boas letras e boas canções, e se não alcança o mesmo nível de qualidade de “Chaos”, traz mais melodias e refrões memoráveis, e um clima mais leve. O título veio da mensagem que McCartney ouviu de sua secretária eletrônica, e serve de metáfora para a vida moderna, de computadores e máquinas que vivem cheios (o meu travou duas vezes enquanto escrevia esse texto), e pessoas cheias de memórias, sentimentos, ansiedades e falta de tempo. “Ever Present Past” é o centro temático do álbum, com sua letra refletindo sobre o tempo que passou muito rápido, e que nem se percebe inteiramente o que realmente se fez ou se deixou de fazer. “Vintage Clothes” e “Feet In The Cloud” relembram a infância e juventude, “That Was Me” fala sobre a vida como artista, e “Gratitude” é uma nota positiva sobre o fim de seu casamento com Heather Mills. Paul trata de assuntos tão sérios com a mesma postura que sempre lhe serviu melhor, positiva e singela, sem a pretensão de grandes discursos, mas também evitando o raso. O melhor exemplo é “End Of The End”, onde canta pela primeira vez sobre a própria morte: “O final dos finais é o começo de uma nova jornada, para um lugar melhor, e este aqui não foi ruim, então esse lugar melhor deve ser realmente especial, não há motivo para tristeza”. Outras duas músicas de destaque são a balada sombria “House of Wax” e a adorável “Dance Tonight”, composta no mandolim, instrumento que Paul começava a tocar e fazia sua filha de então três anos Beatrice começar a dançar, o que motivou a composição. “Dance Tonight” foi a única canção de álbuns recentes (além “Sing The Changes” e “Highway”, do projeto paralelo Fireman) presente no repertório dos shows apresentados no Brasil em 2010, quando McCartney tocou em Porto Alegre no estádio Beira-Rio, e em São Paulo, no estádio do Morumbi.
Download: Dance Tonight, Ever Present Past, Vintage Clothes, House of Wax, End of The End
Nota: 8
Projetos Paralelos
Como deixa claro em sua biografia “Many Years From Now”, Paul sempre se interessou por experimentações, vanguardismo e Stockhausen, desde os anos 60. Chegou a fundir essas características à suas músicas nos Beatles, mas depois separou seus discos regulares mais convencionais de suas experimentações. O primeiro foi “Thrillington”, uma versão instrumental completa do álbum “Ram”, a lá Big Band, organizada por Paul sob o pseudônimo de Percy “Thrills” Thrillington, gravado em 1971, mas lançado apenas em 1977. Já nos anos 90 Paul criaria o The Fireman, com Youth, ex-baixista do Killing Joke, projeto de música eletrônica ambiente, que lançaria os discos “Strawberries Ocean Ships Forest”, mais quadrado, em 1993 e “Rushes”, mais audível, em 1998. Youth também participaria de outro projeto de Paul, o “Liverpool Sound Collage”, de 2000, que também traz participações do Super Furry Animals e de sobras de estúdio dos Beatles, em colagens eletrônicas de sons bastante aleatórios. Em 2004 Paul convidou o DJ Freelance Hellraiser para remixar algumas de suas musicas, e criar um fundo musical para abrir os shows de sua turnê. O resultado agradou tanto que Paul abriu seu catálogo para o DJ fazer um disco inteiro de remixes. O projeto foi batizado Twin Freaks, e rendeu um álbum interessante (especialmente na versão de “Long Haired Lady”). Em 2008 Paul voltou a colaborar com o Youth, em um novo álbum do The Fireman, mas dessa vez bem menos experimental. “Electric Arguments” é feito de canções mais convencionais, apesar de variar entre estilos e texturas, e traz boas músicas, como “Sing The Changes”, “Nothing Too Much Just Out of Sight” e “Dance Til We’re High”. Além disso, ao longo dos anos McCartney se envolveu com a música clássica, lançando três peças completas: “Liverpool Oratorio”, de 1991, “Standing Stone” de 1997, e “Ecce Cor Meum”, de 2006, direcionadas ao público iniciado no assunto. Já o álbum “Working Classical” teria mais aceitação entre o público geral, por trazer versões orquestradas de canções conhecidas de McCartney, como “My Love”, “Maybe I’m Amazed” e “Junk”.
Compilações e Ao Vivo
Diferente da maioria de seus contemporâneos, Paul McCartney nunca exagerou no lançamento de coletâneas, e até hoje colocou apenas três no mercado. “Wings Greatest”, de 1978, e “All The Best”, de 1987, hoje são obsoletas, perto do CD duplo “Wingspan”, lançado em 2001, que cobre todo o período dos anos 70 e começo dos 80 (apesar de fugir da proposta de cobrir apenas os Wings, juntando material apenas de Paul sozinho). Mas ainda há espaço para uma coletânea que cubra toda sua carreira, além das antigas promessas de compilações de raridades e b-sides, aguardadas até hoje pelos fãs. Por outro lado, o catálogo de discos ao vivo é vasto. Dois se destacam: “Wings Over America”, lançado em 1976, mostra uma banda afiada e McCartney no auge de sua voz; e o “MTV Unplugged” de 1991, por todo seu charme despretensioso e diversão (além de ser realmente acústico, sem instrumentos plugados ou eletrificados). Outros discos repetem a mesma fórmula das turnês mundiais, alternando altos e baixos no repertório e nas performances. “Tripping The Live Fantastic” e “Paul is Live” cobrem as turnês do começo dos anos 90, e “Back In The Us”, “Back In The World” e “Good Evening NYC” são das turnês dos anos 00.
DVDs
O catálogo de DVDs de Paul também é vasto, cobrindo turnês dos anos 70 (“Rockshow”), anos 90 (“Put It There”, “Get Back” e “Paul Is Live In Concert”) e anos 2000 (“Back In The Us”, “Live In Red Square”, “Space Within Us” e “Good Evening Nyc”. Além disso, apresentações de suas peças clássicas também foram lançadas no formato, “Liverpool Oratorio”, “Standing Stone” e “Ecce Cor Meum”. Mas três lançamentos merecem maior atenção. “Live at The Cavern Club” traz o show de 1999 de estréia da nova versão do clube onde os Beatles tocavam, com Paul acompanhado da banda e do repertório do disco “Run Devil Run”, casando perfeitamente com a ocasião. “Wingspan: Na Intimate Portrait” é um documentário que conta a história de McCartney e de sua banda dos anos 70. E o mais recente, DVD triplo “The McCartney Years” traz a grande maioria (só peca por não trazer logo todos) dos videoclipes de Paul, além de extras caprichados, com entrevistas e trechos de shows de vários momentos, incluindo algumas músicas do MTV Unplugged.
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– Wilson Farina (siga @wilsonfarina) assina o Heatwave! (http://www.fubap.org/wilsera/)
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Leia também:
– Paul McCartney ao vivo na Ilha de Wight, por Marcelo Costa (aqui)
– Download: Indie On The Run, Tributo a Paul McCartney (aqui)
– “Não confiem em 1, a coletânea dos Beatles”, por Alexandre Matias (aqui)
– “Many Years From Now”, a biografia autorizada de Paul, por André Fiori (aqui)
– As demos caseiras de Lennon e McCartney, por Marcelo Costa (aqui)
– Em Los Angeles, Paul McCartney, por Marcelo Costa (aqui)
– Os treze discos mais influentes de todos os tempos, por Marcelo Costa (aqui)
– Paul McCartney em Porto Alegre, por Janaina Azevedo (aqui)
– Melhores de 2010: Paul McCartney, Melhor Show Internacional (aqui)
– Beatles e Johnny Cash em quadrinhos, por Adriano Costa (aqui)
Outras discografias comentadas:
– Bob Dylan, por Gabriel Innocentini (aqui)
– Elvis Costello, por Marco Antonio Bart (aqui)
– Echo and The Bunnymen, por Marcelo Costa (aqui)
– The Cure, por Samuel Martins (aqui)
– Leonard Cohen, por Julio Costello (aqui)
– Midnight Oil, por Leonardo Vinhas (aqui)
– Nick Cave, por Leonardo Vinhas (aqui)
– The Clash, por Marcelo Costa (aqui)
Coisa linda. Pra guardar pra sempre.
Muito bom!
Excelente texto. Parabens pela analise. Este texto serve como um guia completo e elucidativo sobre a obra do Paul pos-Beatles. Referencia pra guardar o link nos favoritos e voltar sempre!
Texto e pesquisa fodas, daqueles que instiga a gente a ir atrás do que não conhece e ouvir de novo o que conhece. Parabéns, Wilson!
Flaming Pie realmente é extraordinário.
Muito bom trabalho . Parabéns ! Digno da revista ‘Rolling Stones “. Marcia
“Coisa linda. Pra guardar pra sempre.” 2 TOOOOOODO O SEMPRE 🙂
Belíssimo trabalho, gostei e concordei com quase tudo que li, principalmente sobre Flaming Pie, disco que já vi muita gente descer o sarrafo injustamente. Gosto demais. É impressionante como o tio Macca tem discos com canções maravilhosas, mescladas com músicas que você até dúvida que foi ele que fez. Na minha opinião, press to play e o off the ground são os únicos dois equivocos completos da discografia, ainda mais se você levar em consideração que o give my regards é uma trilha infeliz, só com uma música inédita que é maravilhosa (no more lonely nights devia ter sido apenas um single), de um filme mal acabado. Mas mesmo esses erros não chegam a apagar o brilho de uma discografia invejável, quase nota 10.
Parabéns!
Realmente muito legal a idéia da matéria e muito bem feita. Só o disco de 2005 do Paul se chama “Chaos and Creation in the Backyard” e não “in The Background”.
Sou fã do trabalho de Paul McCartney desde que ouvi o disco BAND ON THE RUN pela primeira vez, em 1974. Como músico de bandas cover dos Beatles e colecionador de livros, discos, dvd’s e tudo o mais que se refira a Paul e ao Fab Four, li com satisfação o texto do Wilson. Destaco a análise objetiva e isenta. As notas atribuídas aos discos coincidem praticamente com as que eu mesmo daria, o que me impressionou muito, já que esse é um terreno árido em que gostos pessoais são envolvidos (só o fato de Temporary Secretary, música da qual eu gosto demais, ter sido recomendada valeu a leitura!). Recomendo o texto para todos os que querem realmente conhecer mais de perto o trabalho desse que, pra mim, é o maior artista da história da música popular.
PARABÉNS !!! Li desde o começo e agora estou mais inspirado e mais preparado a conhecer a carreira de Paul depois dos Beatles. Deixo aqui o meu MUITO OBRIGADO por facilitar meu caminho no descobrimento das melhores msicas de Paul, que ainda não investi a ponto de ouvir toda sua carreira.
Poxa..
Bela pesquisa, belo texto.
E que o Paul continue gravando muito.
Amém!
Muito bom texto. Parabéns ao autor.
Só gostaria de fazer um pequeno adendo: a música “Press” é muito boa, se ouvida com atenção. Esqueça por um momento o arranjo oitentista, e note a melodia, os acordes. É uma bela canção. E depois de um tempo, até o arranjo oitentista fica bonito, depois de você perceber a beleza da música “crua”. Notei ela bastante quando peguei no violão, tem umas mudanças de acorde muito bela. Fora que o clipe de “Press” é diversão pura, com Paul de “anônimo” pelo metrô londrino e mostrando a reação das pessoas. Traduz muito do espírito da música.
Antes não gostava muito do Memory Almost Full, nem dos discos Flowers in the Dirt e Off the Ground, mas nos últimos meses, passei a apreciá-los mais. Principalmente o Memory Almost Full. Aliás, note que “Memory Almost Full” é também um anagrama para “for my soulmate LLM” (para minha alma gêmea LLM, as iniciais de “Linda Louise McCartney”). Coincidência ou não, não sei dizer.
Belíssimas resenhas.
Foi muito bom ler esses textos e retomar o gosto para ouvir os discos de Sir Paul.
‘Nineteen Hundred and Eighty-Five’ é uma aula de como terminar um disco de forma apoteótica.
Muito bom mesmo! Depois de ver textos assim mais percebo que nada sei. Parabéns.
Parabéns pela matéria. Sei que não é bacana comentar a opinião dos críticos, mas acho que o Speed merecia uma nota maior. Concordo Daniel Moreira, “1985” é uma aula de como fechar um disco de forma apoteótica. Abraços!
único texto sobre o assunto que eu concordei com tudo. E olha que leio MUITO sobre isso haha
Nota 3 pro “Pipes of Peace” beira a sacanagem!! É dos meus preferidos.
Concordo totalmente contigo, Robert!!!
Depois que assisti ao show desse Cara em novembro de 2014, fiquei muito absorvida em rever a trajetória dos Beatles e dele, principalmente… Nossa, percebi, então, que pouco conhecia dos Beatles e muito menos de McCartney. Sempre foi meu beatle preferido… sei lá por quê. Nesses últimos meses que venho mergulhando na obra da melhor banda de todos os tempos e na desse cara genial (incluindo discos, filmes, entrevistas, biografias), entendo porque ele é o meu preferido. Obviamente adoro o John com toda sua genialidade e loucura… e aprendi a gostar do “invisível” George e suas canções lindas. Fiz essa introdução porque essa sua análise me ajudou muito a conhecer melhor a carreira solo do Paul. Band on the run é sensacional, pra mim o melhor de sua carreira “solo”… A fase em que pude começar a acompanhá-lo foi nos anos 80, realmente e infelizmente a fase mais fraquinha, mas lembro que, eu adolescente começando a estudar inglês, adorava No more lonly nights…
Parabéns pelo texto! Crítica inteligente e sem exageros. Muito legal.
Dos álbuns mais recentes, adorei Kisses on the bottom, cd de covers de músicas (além de duas inéditas, entre elas a doce e elegante My Valentine) que ele ouvia na infância e que são ótimas… Gostei também de New, que mostra que ele ainda está em forma. Paul, com seus erros e (mais) acertos é um dos grandes da música mundial… a cada dia gosto mais dele, com seu vigor, suas manias, sua elegância, suas muitas guitarras, sua voz que já não tem o mesmo potencial de antes (mas que ainda consegue levar com propriedade um show de quase 3 horas), seu politicamente correto, às vezes chatinho, mas de um carisma contagiante, e principalmente seu respeito pelo seu público. Vida longa a sir James Paul McCartney!
Muito boa a sua matéria! Sou fã e acompanho a carreira do Paul há muitos anos e conheço toda a discografia dele. Só discordo em alguns pontos como no caso do Tug Of War. Acho o disco sensacional, muito bem produzido e na minha opinião merecia um 10. Neste trabalho ele incorporou várias preocupações que seriam mais naturais ao John: Cantou a Paz – Tug Of War. Cantou pro John – Here Today. Comentou sobre a economia da época – The Pond Is Sinking. Relembrou os tempos de rapaz – Ballroom Dancing. Fez duetos memoráveis com Carl Perkins e Steve Wonder. Eu o acho um trabalho completo, pra mim merece um 10.
Tenho diversos álbuns do Macca, mas na minha modesta opinião os melhores são o incensado “Band on the Run” e o Red Rose Speedway”.