Ao vivo: Letuce e Marcelo Jeneci

texto por Marcelo Costa
fotos por Liliane Callegari

Nome bastante comentado da nova cena carioca dos últimos três anos, o Letuce era uma incógnita para muitos paulistanos que não tinham ouvido uma música sequer do grupo até o show começar, mas esgotaram os CDs na banquinha ao fim da apresentação (e agora podem baixar o novo EP, de covers, aqui) que eles fizeram no projeto Sai da Rede, do CCBB, que joga luz em boa gente que já conquistou a Internet, mas ainda precisa desbravar esse mundo velho sem porteira. Não foi um show perfeito, mas as partes boas superaram – e muito – os momentos estranhos.

A noite começou com “De Mão Dada”, que também abre o primeiro CD deles, e seguiu com uma boa música nova. Jogo de luz perfeito, domínio de palco de impressionar e o excelente vocal de Letícia Novaes em destaque, como que flutuando charmosamente no ar enquanto duelava com a guitarra competente de Lucas Vasconcellos. “Sérieuse Affaire”, versão em francês para “Caso Sério”, clássico de Rita e Roberto, pareceu muito bem sacada, mas o refrão, arranjado numa mistura de batuque cubano a la candomblé com guitarradas, soa bastante indigesto e mata o tesão da invenção.

Há um jeito hippie que permeia o ar (talvez seja o vestido de Letícia ou pontuações que remetem aos gaúchos do Os The Darmas Lóvers) e um q de MPB (impossível não pensar em Bethânia ouvindo Letícia cantar), Tropicália e bossa que vez em quando namoram um bom riff de guitarra e transformam uma simples canção em um grande momento. É o caso de “Potência” e “Tuna Fish”, bons destaques de um show que terminou improvisado ao piano numa junção divertidíssima do pagode “Poderosa”, do Raça Negra, com “Just My Imagination”, clássico do Tempations. Valeu a primeira parte da noite.

Marcelo Jeneci, que já havia subido ao palco para tocar sua sanfona em uma das músicas do Letuce, voltou para exibir mais uma vez em São Paulo o repertório do disco eleito o Melhor de 2010 pelos votantes do Scream & Yell. A festa começou acelerada com uma versão calibradissima de “Copo D’Àgua” e continuou em alta com “Borboleta”, parceria inédita de Jeneci com Zélia Duncan. Trocando a sanfona pelo piano, e com auxilio de Laura Lavieri nos vocais, surgiu “Felicidade”, tímida, acanhada.

“Pra Sonhar”, conduzida por Laura, surgiu mais potente e límpida (e foi impossível passar despercebido pelo verso “quando te vi passar fiquei paralisado / tremi até o chão como um terremoto no Japão”) criando o clima perfeito para a dobradinha emocional do meio do show. Primeiro “Longe”, que de tão lírica e perfeita emocionou o próprio autor: “Ouvindo essa música agora, com essas pessoas tocando, eu tive um estalo raro, que é o de saber neste momento exatamente porque escolhi fazer isso (ser músico)”.

“Feito Pra Acabar” surgiu em uma versão tão poderosa que conseguiu transformar o pequeno teatro em São Paulo no melhor lugar do mundo para se estar naquele momento. Ao final, emocionado, Jeneci insistiu em fazer sozinho, sem a banda, o trecho de uma canção não terminada, que diz que “a chuva é a vontade do céu de tocar o mar / e a gente chora assim também quando perde alguém / mas quando começa a chorar começa a desentristecer/ assim se purifica o ar depois de chover”. Choveu dentro do CCBB.

Daí pra frente, tudo soou naturalmente menor. Lucas e Letícia, do Letuce, voltaram para cantar “Jardim do Éden” (a dicção da tijucana impressiona). Roberto Carlos, grande influência de Jeneci, foi relembrado com uma versão roqueira (para felicidade de João Erbeta, o Paco do Los Pirata, que solou muito) de “Do Outro Lado da Cidade”, hit do Rei em 1969, que serviu para ambientar as duas faixas finais, do bate assopra de “Pense Duas Vezes Antes de Esquecer” a bonita “Show de Estrelas”, que encerrou a noite.

O que falta para Marcelo Jeneci tomar as rádios? A timidez, ainda aparente, parece domada. Já as canções, por mais pop que soem, ainda carregam arestas ásperas (principalmente nas versões ao vivo, desconcertantes) que podem conquistar ouvintes cuidadosos (e críticos exigentes), mas talvez ainda assustem o ouvido da massa acostumada ao mínimo denominador comum da música. Será a diluição a única saída? Se for, que Jeneci tenha tato para não cair na armadilha do sucesso fácil, e consiga continuar entregando ao público o que tem de melhor: as dores e alegrias de uma vida.

O projeto Sai da Rede continua nas próximas terças-feiras com shows de Lulina e Lucas Santtana (22/03), Isaar e Burro Morto (29/03) e Tiê e Tulipa Ruiz (05/04). Infos de horários e ingressos aqui

– Marcelo Costa é editor do Scream & Yell e assina o blog Calmantes com Champagne
– Liliane Callegari é arquiteta e fotógrafa. Veja mais fotos do show aqui

******
Leia também:
– Votação: “Feito Pra Acabar”, de Marcelo Jeneci, é o Melhor Disco de 2010 (aqui)
– A vitória despercebida de Marcelo Jeneci, por Yuri de Castro (aqui)

9 thoughts on “Ao vivo: Letuce e Marcelo Jeneci

  1. “Poderosa” na verdade é da esquecida Banda Brasil, presença garantida na primeira metade dos anos 90; se é que alguém se importa.

  2. Não suporto Marcelo Jeneci.
    Não posso dizer que o rei está nu. Nesse caso, o rei está descarnado; seus frágeis ossos estão expostos.

  3. Nossa, até que enfim apareceu alguém que não gosta do Jeneci, embora eu adore o trabalho dele. Essa unanimidade estava me incomodando…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.