por Juliana Simon
Uma folha dobrada dentro da carteira e escrita a lápis. Este é o setlist do show da banda de rock instrumental Pata de Elefante, no Centro Cultural São Paulo, em plena hora do almoço de uma sexta de outubro. “Minutos antes a gente faz o repertório. É uma ‘vagabundagem’ boa. Rola de acordo com o clima que a rapaziada tiver”, diz Gustavo Telles, baterista da banda, que conta ainda com Gabriel Guedes e Daniel Mossmann, que se revezam entre guitarra e baixo.
E assim funciona. A hipnótica “Don Genaro” seguida de “Psicopata” preparam a sala e chamam o público. Para quem não conhece o CCSP, os shows acontecem em uma sala no subsolo do prédio, cercada por portas de vidro. Quem está dentro vê quem passa e quem atravessa os corredores consegue ver e ouvir os shows. Aos poucos, o show da Pata se enche de fãs e muitos curiosos.
Ao final da apresentação, já eram incontáveis as reações espalhadas pela plateia. Um menino empolgado gritou “hey” fora do tempo, a primeira fila toda batucava na cadeira (sim, o show era sentado. Uma tortura não dançar em boa parte das músicas), uma menina balançava as pernas por entre as grades do mezanino, alguns tocavam guitarras imaginárias e um senhor tentava imitar os gestos do baterista. Fora de ritmo, mas contagiado. “Muitas vezes acontece isso. Do público entrar em transe, uma espécie de catarse”, diz Gustavo.
O segredo, o baterista mesmo explica. “Desde o primeiro show tivemos uma reação muito forte. Nossa maneira de tocar e de compor tem um formato pop, com refrão, parte A, parte B e conclusão. Existe uma estrutura, não tem aquela coisa da música instrumental de ficar solando. A gente gosta de melodias”.
A criação da banda, em 2002, aconteceu por acaso. Gustavo e Gabriel fariam um show com mais dois músicos, que desistiram horas antes de subirem ao palco. Gabriel então chamou Daniel, com quem já tocava em uma banda de blues e o entrosamento do trio foi imediato. “Voltei pra casa falando: ‘Ah, achei minha banda’”, relembra Gustavo.
O improviso acabou unindo três músicos com história musical bem diferente. Enquanto Gustavo e Daniel vinham de formações com vocal, Gabriel já havia tocado em bandas como Jazzy Explosion e Os Argonautas. O primeiro se nomeia “ex-jornalista”, o segundo foi técnico químico em uma estação de tratamento de água e o terceiro trabalhou em lojas de instrumentos e deu aulas de guitarra. A ausência de vocal se impôs desde o começo. Para eles, a guitarra é a voz. “O legal da Pata é justamente isso: é ser uma banda de rock clássico, porém instrumental”.
Rock, sim, e com todas as nuances que ele pode trazer. A variedade de ritmos e sensações das músicas já é marcante desde o primeiro CD, de 2004, que leva o nome da banda, continua em “Um Olho no Fósforo, Outro na Fagulha” (2007) e se manteve no trabalho lançado este ano, “Na Cidade”. “O primeiro soa mais como funk trio, aquela coisa mais Jimi Hendrix Experience. O segundo já tem outra onda, tem várias baladas, algumas canções mais puxadas pro folk rock. O terceiro é uma coisa mais crua”, explicam Gustavo e Daniel. Enquanto os dois primeiros foram gravados em Porto Alegre, com meses em estúdio, o terceiro teve as bases prontas em 10 dias, uma parte gravada em São Paulo. A masterização ficou a cargo de Steve Rooke, no Abbey Road, em Londres.
Hoje radicados na capital paulista, os músicos afirmam que “Na Cidade” foi mais uma obra do acaso na história da banda. “Eram músicas que a gente tinha antes de vir pra São Paulo”, diz Daniel. Gustavo, por outro lado, já vê alguma influência no processo do disco, ainda que mais indireta. “Talvez a gente tenha refletido isso na gravação, já que estávamos todo mês para a cidade”.
Além da atmosfera mais urbana, o terceiro trabalho traz novas influências, como a do samba, explícita na faixa “Vazio Na Cerveja”. “A gente tem várias músicas que vão para a surf music, para a psicodelia, mas samba-rock de fato, só esta”, diz Gustavo. Gabriel, o autor, explica. “A composição tem origem direta em duas coisas: a audição exaustiva dos discos ‘África – Brasil’ e ‘A Tabua de Esmeralda’, do Jorge Ben. A segunda foi uma apresentação que eu vi de um cara que se chama Luis Vagner em que rolou uma mistura do groove samba-rock com guitarras hendrixianas, e aquilo me chamou muito a atenção”.
Ele conta, ainda, que na hora de gravar surgiu uma terceira referência. “Como tínhamos resolvido que a melodia seria executada pelo órgão, nosso produtor, Julio Porto (ex-guitarrista da Ultramen), levou pro ensaio um disco antigão do Eumir Deodato com uma musica que se chama ‘Menina Bonita’, que tem um belo timbre de órgão sem vibrato que a gente tentou copiar”.
Além de bandas como Beatles, The Band, Os Mutantes e artistas como Bob Dylan, James Brown, Paul McCartney, Tim Maia e mais uma infinidade de referências, a banda cita o cinema e as trilhas sonoras como uma fonte de inspiração. E não só na composição de músicas. “A gente tem muita vontade de fazer uma trilha especifica. Temos o projeto de fazer um pornô, com clima de época. Pornô artístico. A ideia é fazer a trilha ao vivo enquanto roda o filme”, dizem Gustavo e Daniel, sem revelar detalhes da empreitada cinematográfica da banda.
As regras para compor uma obra instrumental são… a ausência delas. “Não tem essa coisa de tema. Depende de uma determinada sequência de acordes que você está curtindo na época. Por não levar letra, as músicas podem remeter a várias imagens e abre-se uma margem maior para interpretações”, explicam Daniel e Gustavo. “A música parte da música mesmo. Só depois dela pronta, normalmente na hora de botar nome, é que eu vou associá-la a alguma imagem ou situação. Os nomes das musicas são decididos quase sempre na ultima hora, e aí vale tudo: culinária (“Vazio Na Cerveja”), auto-homenagem (“Pata de Elefante”), puro nonsense (“Soltaram!”, “Psicopata”, “Sopra”)”, diz Gabriel.
Desde o primeiro álbum, cada integrante faz a sua música, com exceção de “De Volta Pela Manhã”, do último CD, arranjada com ideias dos três músicos. Ao contrário do que se pode imaginar, o processo é bastante tranqüilo. “A gente tem uma sorte danada que é a questão da concepção. A gente gostava das mesmas coisas, nunca rolou de vir uma coisa de um e o outro não curtir. Todo mundo que dar o mesmo rumo”, diz Gabriel.
Além da bateria, guitarra e baixo, a banda experimenta outros instrumentos na hora da gravação. “Todas têm alguma coisinha, nenhuma é só o trio mesmo”, diz Daniel. Em “Na Cidade”, há a participação de mais 12 músicos que se dividem entre órgão, piano, cravo, sax, trombone, vibrafone, entre outros instrumentos.
Ao vivo, porém, todas sofrem alguma adaptação e algumas nem entram no setlist, segundo o guitarrista. “Algumas músicas podem ficar vazias sem determinado instrumento”, afirma. Ouvir os CDs e assistir a pelo menos um show da banda acabam sendo experiências complementares e indispensáveis para captar tudo o que o repertório tem a oferecer.
Premiada como melhor banda instrumental no VMB de 2009, o trio reconhece o videoclipe como parte importante da divulgação da banda e, dentro do repertório “surpresa” de cada show, sempre entram as músicas que chegaram à televisão em forma de vídeo (“Soltaram!”, “Gato que Late” e “Um Olho No Fósforo, Outro na Fagulha”). O primeiro clipe de “Na Cidade”, ainda sem previsão de lançamento, será o da primeira faixa do álbum, “Diga-Me Com Quem Andas e Te Direi Se Vou Junto”.
Hoje, mesmo estando vinculada à Trama, a banda não deixou de ser independente. “A gente tem domínio e direciona tudo relacionado à banda. Marcamos os shows, cuidamos da divulgação. Não ficamos esperando acontecer”, diz Gustavo. Orkut, Facebook, MySpace, Twitter e site oficial também são administrados pela banda e a relação com a internet “é de total dependência”, diz Daniel.
O último álbum, lançado em abril de forma gratuita no site Trama Virtual (www.albumvirtual.trama.uol.com.br), já passou dos 10 mil downloads. “Sendo uma banda instrumental, a gente não venderia esse número de discos e uma gravadora dificilmente chamaria gente”, diz o guitarrista. Além do “Na Cidade”, os dois trabalhos anteriores também podem ser baixados de graça no site oficial da banda.
“Desde o começo, o que nos move é a necessidade e a vontade de viver só disso”, diz Gustavo. “Precisamos fazer virar e essa pressão é ótima. A gente faz algo para nós, uma coisa que a gente sempre quis. Se, além disso, as pessoas gostam, é uma maravilha”.
– Juliana Simon é jornalista e assina o blog Deixo Um Post It
– Foto de abertura/fechamento, por Danilo Christidis. Foto do show por Juliana Simon
pergunta: esse disco eu consigo comprar nos shows ou lojas ou só tá disponível em formato digital para download?
se for esperar por shows do pata cá nas alterosas para comprar esse disco, capaz de eu morrer de velho.
A própria banda tem para vender em shows e, acredito, via MySpace. Eu peguei o meu na Velvet.
De quando o nome da banda condiz com o som.
Ouço esse disco direto,desde o lançamento! Qdo percebo já tá tocando de novo.
Mto bom.
E o show é foda!
Parabéns aos guris.