Viajo porque preciso, volto porque…

por Tiago Trigo

Eis um filme corajoso. Em “Viajo porque preciso, volto porque te amo”, os diretores Marcelo Gomes (“Cinema, Aspirinas e Urubus”) e Karim Aïnouz (“Madame Satã”, “O Céu de Suely”) criaram uma história sem diálogos. Monólogos naturalmente fazem mais sentido no teatro, até porque o espectador fica cara a cara com seu interlocutor, vê seu rosto e expressões. Faz menos sentido na tela grande justamente porque o cinema permite o jogo de câmeras, a variação de lugares, cenários, tomadas, luzes e, óbvio, a interação entre os personagens.

Além de encarar um monólogo no cinema (quase 100% do filme só tem a voz de um personagem), o espectador não vê o protagonista em momento algum – ele narra tudo em primeira pessoa. Se vê o filme pelos olhos dele, a câmera, inclusive um cartaz que explica o título. A voz é de Irandhir Santos, que, ao que tudo indica, deverá ser a próxima sensação do cinema nacional. Ele também está em “Quincas Berro D’Agua” e teve sua atuação muito elogiada pelos próprios colegas em “Tropa de Elite 2”, em fase final, que estreia em setembro.

Em “Viajo porque preciso, volto porque te amo”, o geólogo José Renato roda por Pernambuco fazendo uma pesquisa para o projeto de transposição das águas de um rio para acabar com a seca (pensa-se, logo, no São Francisco, mas o projeto do mundo real não é citado nominalmente). Sua vida profissional, no entanto, é apenas pano de fundo para um drama pessoal. Sim, é um filme sobre amor, mas não é “mais um filme sobre amor”. A narrativa foge de todas as formas convencionais e a única fonte de informação sobre este amor são os pensamentos do narrador.

A câmera tenta expressar a apatia, tristeza e o estado quase catatônico em que alguém pode ficar por causa do amor (ou pela falta dele). Porém, estes longos momentos com a câmera parada – simulando, muitas vezes, o olhar perdido do protagonista – fazem com que um filme de pouco mais de uma hora e dez minutos torne-se longo para quem o assiste. O isolamento do personagem faz o começo do filme soar monótono, mas a história melhora (um pouco) com o passar do tempo.

Há uma clara intenção de relatar as cinco fases da perda (negação, raiva, barganha, depressão e aceitação) ou, pelo menos, algumas delas, e a opção de usar a narrativa dos pensamentos de quem a sente é criativa e, talvez, o principal ponto positivo do filme. O monólogo, aliás, fica mais interessante quando o protagonista sai da negação e entra na fase da raiva. O texto ganha impacto e a monotonia do início vai embora quando ele abandona o isolamento.

A partir daí, José Renato apresenta personagens, desde fabricantes de colchões (a forma como o colchão é exibido remete a uma noite de amor) a prostitutas. Ensaia até uma entrevista com uma delas. Mas este ar documental, embora tire a monotonia do começo, não chega a fazer o filme decolar.

Alguém que esteja vivendo um momento parecido com o do geólogo pode se identificar e ter outra percepção, mas não se engane: “Viajo porque preciso, volto porque te amo” é um filme de arte, daqueles em que o silêncio e as imagens também formam palavras. Por isso, é de difícil digestão e tende a ter pouco público. O resultado final não é esplendoroso, mas é bom ver cineastas brasileiros fora do circuito global de orçamento arriscando cada vez mais. Só assim o cinema nacional pode amadurecer.

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Tiago Trigo é jornalista

3 thoughts on “Viajo porque preciso, volto porque…

  1. O esplendor do filme está em proporcionar a aqueles o que é chamado de grande arte para o que é chamado em grande publico.Com um titulo hollywodiano um desavisado vai entrar no cinema irá ser provocado com o filme.

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