Sonhos Roubados, Sandra Werneck

por Roberta Ávila

“Sonhos Roubados” é uma versão feminina de “Cidade de Deus”. A própria diretora do filme, Sandra Werneck, enxerga a obra dessa maneira, mas mesmo que ninguém dissesse nada, dá para perceber isso pelo filme em si. Porém, se em “Cidade de Deus” o mundo é dos homens e são eles os mocinhos e bandidos, em “Sonhos Roubados” as meninas dominam a história, baseada no livro “As Meninas da Esquina – Diários dos Sonhos, Dores e Aventuras de Seis Adolescentes do Brasil”, da jornalista Eliane Trindade

O enredo da trama gira em torno de três meninas: Jéssica (Nanda Costa), Daiane (Amanda Diniz) e Sabrina (Kika Farias). É como se a questão do filme fosse: de quantas maneiras se frustra um sonho? Qual o sonho que se ousa sonhar? Não estamos falando aqui de sonhos como o de ser jogador de futebol ou presidente da república, mas apenas o sonho de ser amada pelo pai, ou de conseguir criar o filho. Coisas que na teoria parecem simples, mas a prática – por diversos fatores – complica.

Nanda Costa é o grande destaque do filme. O prêmio de melhor atriz no Festival de Cinema do Rio de Janeiro não foi à toa. Ela dá o tom da história e esbanja carisma. Fica à altura das grandes interpretações de Ângelo Antônio, Nelson Xavier e Marieta Severo. O prêmio fez o papel dela crescer na novela “Viver a Vida” e Soraia passou de uma personagem que era só uma pontinha para uma opositora à altura de Giovanna Antonelli (e olha que Giovanna já estava roubando a cena de Taís Araújo, que demorou para engatar como a nova Helena de Manuel Carlos). Agora a esperança do elenco do filme é que tanto o troféu de Nanda como o de melhor filme, atribuído à produção pelo júri popular do mesmo festival, levem o público às salas de cinema, para conferir o resultado.

Amanda Diniz, que tem apenas 15 anos, também tem uma química muito legal contracenando tanto com Marieta Severo quanto com Daniel Dantes, que interpreta seu tio. Já Kika Farias, no papel de Sabrina, atribui ao filme universalidade. O sotaque recifense da moça foi assumido e a história, que não se passa no morro, ganha a característica de ser um denominador comum de tantas comunidades carentes.

“Sonhos Roubados” também é um filme sobre a poesia da vida das protagonistas. Talvez outros filmes de Sandra Werneck, como a biografia “Cazuza – O Tempo não Pára” ou o delicado “Amores Possíveis” sejam de uma poesia bem mais aparente, mas agora sua poesia sua contemporânea, pesada, crítica, mas nem por isso menor. A poesia, que é o tema da abertura da sinopse oficial do filme, é palavra constante tanto na boca de Sandra Werneck como na do elenco. Para Ângelo Antonio, que interpreta com muita intensidade o pai de Daiane, a presença da poética do feminino é o ponto forte da produção. “A gente tem que procurar o feminino que às vezes a gente perde, perde a poesia na rotina”, declarou.

Mas o mais evidente é a falta de poesia da realidade de meninas que são carentes em tudo, mas principalmente em afeto. Sandra, apesar de ser conhecida por filmes mais suaves, fez vários trabalhos engajados, e disse insistir no retrato social. Apesar de ser o outro lado da moeda de “Cidade de Deus”, não há mocinhos e bandidos no roteiro. Então onde está a poesia, se não na dualidade, no exagero, em Zé Pequeno que se transforma em Dadinho? No personagem de MV Bill, talvez. Muito confortável em sua estreia no cinema, a personagem do cantor de rap é um grande contraponto. Enquanto tantas personagens não têm nada para oferecer do ponto de vista afetivo, ele, que está cumprindo pena em um presídio e tinha tudo para ser mais um cara desiludido, na verdade é o único lampejo de romantismo da história.

Nelson Xavier, que interpreta o avô de Jéssica também tem um certo ar romântico, mas toma para si o fracasso e procura esquecer da vida no bar. Nélson se identificou no personagem do avô por causa de sua formação no Teatro brasileiro de Comedia (TBC), e acrescentou, assim como Ângelo Antônio, que trabalhar com artistas tão jovens e frescos (no sentido de virgens) foi muito estimulante. Ousadia de Sandra Werneck, que desde o começo optou por atrizes desconhecidas para serem as protagonistas e fez mais de 100 testes para chegar às meninas.

A mesma ousadia fez com que o filme todo fosse filmado em locações nas comunidades de Ramos e Curicica, bairros de classe média-baixa da zona oeste do Rio de Janeiro.. Nada é cenário e tudo foi fonte de inspiração. A personagem de Ângelo Antônio, por exemplo, se tornou soldador para aproveitar a oferta do local e ganhou força incorporando a brutalidade da profissão, que mexe com ferro e fogo, ao caráter da personagem.

Há uma abordagem interessante dos caminhos que levam à prostituição, mas não se iluda não há nada de “Uma Linda Mulher” por aqui. Ser prostituta em “Sonhos Roubados” é o recurso mais desesperado de garotas que moram na periferia, num mundo em que não existe Estado, que as famílias são desestruturadas e a realidade esmagadora. A exploração da gravidez precoce como um fator que leva à prostituição soa muito original. A conexão não é óbvia, mas é coerente, assim como as personagens femininas, que lutam para tentar manter a família unida, mesmo quando a família em si mal existe. É uma tentativa corajosa, de gente que sonha, mas na tropeça nos percalços da realidade. Quem disse que sonhar não custa nada?

********

Roberta Ávila é jornalista e assina o blog Ficções da minha vida

7 thoughts on “Sonhos Roubados, Sandra Werneck

  1. Bom, não sei o filme é ruim ou não, mas está aí mais um filme brasileiro sobre problemas na periferia. Ok, problemas sociais devem ser discutidos, só que o nosso fraco cinema está cada vezs mais estigmatizado.

  2. Lucmes, concordo com você, mas pelo menos esse tem um ponto de vista de diferente. Ao mesmo tempo em que tem muitos filmes nacionais sobre problemas socias também tem 4 filmes em cartaz sobre adolescência. E por incrível que pareça, acredito que é coincidência. Já sobre nosso cinema ser fraco, acho que em geral ele está cada vez melhor, é só a gente dar uma chance para ele.

  3. Engraçado ninguém cobrar dos EUA: mais um filme de super-heróis? Mais uma comédia lesada? Mais uma comédia romântica? Mais um blockbuster? Ora, o filme é bom ou não. Se o Scorsese ou o Coppola filmarem mais um sobre máfia e for ótimo, ninguém vai cobrar nada deles. Ou
    Os Intocáveis, Casino e os Bons Companheiros são apenas filmes repetitivos sobre quase o mesmo assunto…?

  4. Bom. Eu não acho que, só por o filme ser brasileiro e falar de favelas ele é ruim. Para um filme ser bom ele tem que ter conteúdo e pessoas inteligentes que saibam ver esse conteúdo. Não é só ver que o filme fala da realidade das favelas e sair criticando, para mim é mais uma questão de cultura e realismo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.