por Roberta Ávila
A literatura policial é campeã de vendas no Brasil e no exterior. Mesmo assim, temos poucos escritores do gênero no país. Luiz Alfredo Garcia Roza começou a escrever aos 60 anos e já no seu primeiro livro, “O Silêncio da Chuva”, lançado em 1996, conquistou um dos principais prêmios literários do Brasil, o Jabuti, e foi aclamado por críticos e leitores, que desde então esperam ansiosos a chegada de mais uma aventura do detetive Espinosa, seu personagem principal, às livrarias.
De lá pra cá, Garcia Roza lançou mais oito livros, o mais recente,”Céu de Origamis”, de 2009. Nesta entrevista, o escritor fala sobre literatura, conta sobre a relação entre a polícia brasileira e sua obra, elege seu detetive predileto e analisa o preconceito que existe contra o gênero policial. Confira.
Como começou seu interesse por literatura policial?
Interesse muito antigo. Interesse que remonta à minha adolescência. Eu leio literatura policial desde os meus 15, 16 anos e daí venho acompanhando sempre o que tem saído em literatura policial pelo mundo afora. Foi um tipo de leitura que eu nunca parei de fazer, paralelamente à leitura da literatura em geral, como da literatura ligada à minha atividade acadêmica, filosofia, psicanálise, psicologia etc. então foi assim. Até hoje nunca parei de ler literatura policial, pelo contrário, leio cada vez mais.
Quais autores você acredita que te influenciaram mais?
Muito difícil apontar influências, cada leitura se incorpora a você, é como se você fosse uma casa grande de portas abertas e esses livros e esses autores fossem habitando essa casa. Chega uma hora que você já não sabe mais quem está lá dentro, quantos são, quais são os mais importantes, mas sem dúvida alguma tem os clássicos, a começar pelo Edgar Allan Poe e depois Dashiell Hammett, Raymond Chandler, James M. Cain, Cornell Woolrich e vai para fora, não tem mais fim. Patrícia Highsmith, Georges Simenon, é muito difícil dizer quais os mais importantes, os que mais influência exerceram, mas certamente cada um deles teve uma parcela de influência e de marca deixada. A impressão que me dá é que no meu estágio da vida eu já tenho uma quantidade de marca enorme deixada. É como se fosse marca de vacina. Você vai ficando com cada ano uma marca, mas com a literatura cada mês é uma ou cada semana. Essas marcas vão ficando e tal como a vacina vão inoculando você com um pouco do autor A, B, C do livro X, Y, Z.
Numa declaração sua para O Globo você disse que acreditava que um dos motivos que fazia com que tivéssemos menos escritores de literatura de gênero é a falta de escolas para escritores?
Eu disse isso?
Disse, sim… Pode ser que faça tempo e você já não acredite mais nisso.
Poxa, é bom que você tenha dito isso porque eu discordo de mim. O que eu acho é o seguinte: não é que haja falta de escola para autores de literatura policial. Há ainda pouca massa crítica de escritores de literatura policial e talvez isso seja devido ao fato de que os cursos universitários são quase sempre cursos de literatura, teoria, e crítica literária, mas pouco de criação de ficção, se é que se possa fazer isso, ensinar a pessoa a criar ficção, com oficinas, seminários, coisas do tipo. Isso não quer dizer que se abrirem centenas de oficinas literárias vamos ter centenas de escritores, mas você cria uma grande massa da qual é capaz de sair um número razoável de pessoas escrevendo, mais do que hoje em dia talvez.
Você publicou seu primeiro livro aos 60 anos, isso foi por falta de tempo ou o interesse por escrever só surgiu nessa ápoca?
O que eu não tinha era tempo, tive uma vida acadêmica muito intensa. O trabalho do escritor ele não é igual ao trabalho do leitor. Eu como leitor posso enfiar o livro embaixo do braço e ler na condução, na sala de espera de um médico, num fim de semana em casa, de noite, de madrugada e o trabalho do escritor te pede um pouco mais de continuidade, de tempo, de dedicação específica e exclusiva. Eu não tinha condição de fazer isso. Eu sempre alimentei o sonho de escrever. Não era nada de sangria desatada – ó coitado de mim que não posso escrever. Não era isso. É que quem muito lê sempre tem uma região do seu ego reservada para ser escritor ou para escrever seja lá o que for. Eu só podia escrever meus trabalhos acadêmicos, até que eu resolvi dar um basta nisso, parei, saí da universidade, me aposentei e aí pude me dedicar a escrever. Sem nunca ter tido nenhuma experiência prévia de escrever ficção, nem uma paginazinha. Foi uma coisa surpreendente para mim mesmo. “O Silêncio da Chuva” foi a primeira coisa que eu fiz, nunca tinha feito nem um continho antes.
Por que você acha que existe preconceito contra a literatura policial?
Não sei o porquê do preconceito. Na grande casa da literatura, a policial é a cozinha, pode habitar a copa, mas nunca vai chegar à sala de visitas. O escritor de literatura policial sempre foi aquilo do que ele nasceu, que foi a pulp fiction. Seja qual for a literatura que se faça, o fato é que o romance ou a novela policial estão de pé há mais de 100 anos sem precisar licença para ninguém para ter êxito. Ela é vitoriosa e não é vitoriosa porque é auto-ajuda ou porque afaga o ego do leitor, não é nada disso não.
Ela às vezes é instigante. Ela até perturba o do sujeito. Ela persiste e insiste, eu diria, porque ela é boa. O lixo nem chega a ser publicado. Para essa literatura policial que é publicada tem um quantidade enorme de resíduo que nunca veio à público, assim como a literatura em geral. Para você ter um Philip Roth deve ter tido um monte de gente que está ainda se arrastando pelos cantos da casa tentando escrever alguma coisa que seja parecida.
Que a literatura policial é considerada de segunda linha não tem dúvida. Evidentemente você pode apontar certas diferenças, tanto que eu não gosto de dizer que eu faço romance policial, eu digo que eu faço novela policial, mantendo a distinção de uma espessura espacial e temporal menor. É uma narrativa que se passa num tempo mais curto, com um número de personagens menor e com um âmbito de abarcamento também menor. Quer dizer, ela tem uma dimensão espaço-temporal reduzida. Mas, bolas! “O velho e o Mar” só tem um personagem, dois se você contar com o peixe, e o monólogo de um velho dentro um barco no meio do mar e no entanto, em grande parte, deu o prêmio Nobel ao Hemingway. Não é pelo tamanho, ou por serem novelas ou não romances. Isso pode servir para classificar o grau de abarcamanento, mas não a qualidade.
Algumas pessoas acham que a nossa polícia é empecilho para o desenvolvimento da literatura policial no Brasil, você concorda?
Se fosse pensar assim jamais teria surgido a literatura americana. Quando ela surgiu, na época de Dashiell Hammett, Raymond C, James Cane, era uma polícia horrorosa, corrupta, bandida, você não sabia quem era pior, polícia ou bandido. A polícia americana na época era o que havia de pior em matéria de polícia, no entanto acho que Dashiell e Raymond não ficam a dever a nenhum escritor em gênero nenhum.
Até porque eu não escrevo nem para, nem sobre, nem baseado na nossa polícia. Eu escrevo apesar da nossa polícia. Acho que sem dúvida o que se pode dizer é que a nossa polícia serviu à repressão estatal, uma polícia violenta, grosseira, que não tinha nada de investigativa. Era repressiva ao excesso, a serviço da política dominante, até a ditadura, mas o fato é que quando publiquei “O Silêncio da Chuva”, não havia mais ditadura, mas estava muito próxima a imagem da polícia e no entanto “O Silêncio da Chuva” foi um sucesso.
Você tem planos de escrever livros que não sejam policiais?
Olha, planos eu até tenho, vontade eu tenho, não sei se vou ter tempo. Quem escreve o primeiro livro aos 60 anos tem que fazer uma certa escolha, uma certa seleção, senão vai morrer engasgado.
Como é sua relação com o detetive Espinosa?
Minha relação com o Espinosa é ótima, nós nos damos muito bem. Espero que continuemos por muitos anos. Não só o Espinosa, mas esse pequeno cosmo em que o Espinosa está inserido, ele tem quase uma realidade para mim. Peixoto, Copacabana, forma um pequeno mundo que eu co-habito. O Espinosa é um companheiro cotidiano meu, penso nele muito.
Quais seus detetives favoritos?
Eu ia dizer que, sem dúvida, o Maigret, do Simenon, mas já fiquei em dúvida. Eu gosto muito do Nero Wolf, o gordão de Nova Iorque do Rex Stout. Sam Spade, do Hammett, Philip Marlowe do Chandler. Gosto muitíssimo do Ripley, da Patrícia Highsmith, embora ele seja um bandido que virou mocinho.
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Roberta Ávila é jornalista e assina o blog Ficções da minha vida
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Leia também:
– “Contos de Polícia”, por Roberta Ávila, na Revista da Cultura (aqui)
– “Um Longo Rastro de Sangue No Meio Literário”, por Douglas Cometti (aqui)
Boa entrevista. Encontrei alguns erros de grafia nos nomes: Dashiell Hammett, James M. Cain e creio que Cornell Woolrich. E o personagem do Chandler é Philip Marlowe.
Valeu, Rogério!