Third / Sisters Lovers, Big Star

“Third / Sisters Lovers”, Big Star (1975)
por Marcelo Orozco

Texto publicado originalmente no Garagem (08/2000) e no Scream & Yell (12/2000)

De um jeito torto, o jornal inglês New Musical Express (o NME) fez justiça em uma daquelas listas de “100 mais-alguma-coisa de todos os tempos” e botou este álbum do Big Star como campeão.

Era a lista de 100 discos mais tristes. O zebrão “Third/Sister Lovers” superou favoritos absolutos: Joy Division, Spiritualized, Nirvana, Billie Holiday, Frank Sinatra, Nick Drake e Sebadoh (todos entre os 10 primeiros).

Bem ou mal, é um reconhecimento enorme “ganhar” desse pessoal de altíssimo nível e o Big Star ser 1º. de alguma coisa. Só é meio injusta a pecha de “disco mais triste”.

Tá certo que a inspiração do disco foi uma piração dolorida, desencantada e de excesso químico-etílico do líder do Big Star, o ex-menino-prodígio Alex Chilton.

Chilton explodiu nas paradas aos 17 anos com a pequena banda Box Tops em 1967. Pulou fora por causa de um produtor-vampiro que forçava a barra por novos sucessos vazios. Formou o Big Star com amigos de Memphis (EUA).

Em 74/75, o Big Star era um fracasso de vendas após dois álbuns. Meia banda saiu. A reação de Chilton, já tão rodado aos 24 anos, veio com músicas muito emocionais, algumas com orquestração básica. Uma última declaração antes de fechar as portas.

Ponto pra lista do NME: o disco beira o fúnebre em “Big Black Car”, “Holocaust” e “Kangaroo”.

Só que há abraços calorosos estupendamente belos como “Take Care”, “Stroke It, Noel” e “Blue Moon” (além de “For You”, única composta e cantada pelo baterista Jody Stephens).

E, quando sobrava só a banda de rock, Chilton soltava ironia sem crueldade, como em “Jesus Christ”, “Thank You Friends” e “You Can’t Have Me”.

O melhor contraponto para a dita tristeza do álbum vem nas covers. Chilton puxa “Femme Fatale” (do Velvet Underground) e “Nature Boy” (mais famosa com o cantor de jazz Nat King Cole) como baladas. Mas ele chuta o balde com “Whole Lotta Shakin’ Goin’ On” (Jerry Lee Lewis) e “Till the End of the Day” (Kinks), como que pra lembrar que foi parar no rock pela alegria que essas músicas provocam, não pelo que gerou as outras músicas do disco.

O Big Star acabou nisso. Chilton ainda fez umas coisas solo e produziu as primeiras gravações dos Cramps em 77. Largou tudo nos anos 80 e foi lavar pratos, entre outros bicos. Retomou a carreira em baixos teores. Hoje só grava covers obscuras dos anos 30, 40, 50 e 60 como se estivesse num bar fuleiro. Nada de composições. Já que a maioria esmagadora se contenta com o raso, Chilton nunca mais viu razão para mergulhar tão fundo. Deu as costas ao seu talento, preferiu sobreviver e chegou aos 50 anos em 2000.

Não dá pra pedir mais de Chilton. Third/Sister Lovers já basta como prova do que se pode fazer quando há paixão por qualquer coisa ou por tudo, mesmo quando parece que tudo trabalha contra. Por isso, este disco não é tão triste quanto a lista do NME diz que é.

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Bônus 1: por que o álbum tem dois nomes?
Porque nunca foi lançado oficialmente. Em 75, foi feito para uma gravadora (Ardent) que estava pra falir — e faliu mesmo! As fitas circularam. LPs e CDs semi-piratas saíram com diferentes nomes, capas e ordem de músicas. O “Third/Sister Lovers” definitivo é o CD lançado pela Rykodisc em 92.[

Quanto aos dois nomes:
a) Third: porque seria o terceiro álbum do Big Star;
b) Sister Lovers: porque Alex Chilton e o baterista Jody Stephens namoravam duas irmãs (cada um com uma, até onde se sabe) na época da gravação.

Bônus 2: quem ama “Third/Sister Lovers” e fez bom uso dele?
Replacements, R.E.M., Teenage Fanclub e Wilco, entre outros.

Bônus 3: Se você assistiu algum episódio do seriado “That 70’s Show” que passa na Sony, você já ouviu uma música do Big Star. “In The Street”, música que abre o programa, é um cover cuja versão original, do Big Star, está no álbum “#1 Record”, de 1972. “Hanging out, down the street/ The same old thing we did last week/  Not a thing to do, but talk to you…”

Bônus 4: Alex faleceu 17/03/2010, aos 59 anos.

Faixa a Faixa
“Third / Sisters Lovers”, Big Star (1975)
Texto e foto por
Marcelo Costa
Texto publicado originalmente no Scream & Yell (12/2000)

KIZZA ME
Rock dos bons. O álbum começa vigoroso, na veia. O piano lembra Jerry Lee Lewis, o som da guitarra rasgando remete ao The Who, mas a emoção é puro Alex Chilton, que soa inspirado já na primeira frase do álbum: “Dreams and wishes, like shooting stars”

THANK YOU FRIENDS
Outro belo riff de guitarra, um refrão inspirado e muita, mas muita ironia. “Thank you, friends/Wouldn’t be here if it wasn’t for you/ I’m so grateful for all the things you helped me do”

BIG BLACK CAR
A tristeza da as caras. Balada arrastada de quem viaja dentro de um grande carro preto apenas observando a paisagem,  meio que sem saber direito para onde ir. “I’m going and I don’t know how far”

JESUS CHRIST
Começa com um coda de parque de diversões e caí num rock lento que celebra, com fina ironia, o nascimento de Jesus Cristo, todos os dias. O Teenage Fanclub fez uma cover bacana dessa. “Jesus Christ was born today… And we’re gonna get born now”

FEMME FATALE
Versão inspirada em formato balada para o clássico do primeiro álbum do Velvet Underground.

O, DANA
Balada rocker que começa com violão e uma bateria genial. A guitarra, rascante, e o piano, chegam aos poucos, e tudo se junta no refrão. O clima empolga. “I rather shoot a woman than a man/ I worry whether this is my last life/And girl, if you’re listening/  I’m sorry, I can’t help it”

HOLOCAUST
Barra pesada. Uma guitarra sola sobre um piano funêbre. Sobre essa cama, Alex Chilton vai declamando a letra fundo de poço que, por fim, concluí:
“You’re a wasted face, you’re a sad-eyed lie, you’re a holocaust”

KANGAROO
Uma amiga me mandou, uns dois anos atrás, uma fita. A música que abria o lado a era “Kangaroo”. A melodia era belíssima e me apaixonei pela canção, (uma cover) da banda-projeto This Mortal Coil. Não contente com a fita, fui atrás do cd da banda, e comprei “It’ll End In Tears”. No encarte, faixa 1, “song by Alex Chilton”. E aqui estamos nós. A canção é toda desconstruída com orquestração, efeitos, microfonia, bateria excelente e uma letra bela e pirada. “I first saw you/you had on blue jeans… Oh, I want you, like a kanga roo”

STROKE IT NOEL
Orquestração e inspiração: perfeição pop.

FOR YOU
A única faixa composta e cantada pelo baterista Jody Stephens mantém a melodia em alta. A orquestração rege essa pérola pop e a letra é mais um pedido de desculpas. “Sometimes I can’t help but worship you/I love you and all the things that you do”

YOU CAN’T HAVE ME
Clima alegre, guitarra metalizada, mais ironia. “You can’t have me, not for free”

NIGHTIME
Baladinha tristonha levada ao violão e com orquestração aparecendo aqui e ali, além de efeitos de guitarra. “Caught a glance in your eyes/And fell through the skies”

BLUE MOON
O clima de Nightime segue nessa canção. Delicadeza em formato violão/orquestração/voz. “If demons come while you’re under/I’ll be a blue moon in the sky”

TAKE CARE
O clima balada cortante das duas faixas anteriores continua, e faz o mundo flutuar. Conselho: “Take care not to hurt yourself… Some people read idea books/ And some people have pretty looks”

NATURE BOY
A segunda cover do álbum, mais conhecida com Nat King Cole, é levada no clima voz/piano/balada matadora. E ele disse: “The greatest thing/You’ll ever learn/Is just to love and be loved in return”

TILL THE END OF THE DAY
Outra cover, agora, do Kinks. Rock barulhento dos bons pra sair dançando/pulando no boteco. Festa.

DREAM LOVER
Outra balada que reluz a ouro. Bateria, piano e guitarra acompanham a voz.

DOWNS
Experimentação, efeitos, chapação, clima de boteco.

WHOLE LOTTA SHAKIN’ GOIN’ ON
Para fechar, mais uma porrada roqueira. A cover de Jerry Lee Lewis derruba tudo. E você deixa o cd no repeat e voltamos novamente ao começo.

8 thoughts on “Third / Sisters Lovers, Big Star

  1. Caramba, Alex Chilton morreu! Eu só fiquei sabendo agora, lendo esta coluna. Essa realmente é a notícia mais triste do ano até agora no meio musical. : ( Eu adoro os três primeiros discos do Big Star. Vou ouví-los já!

  2. Grande artista e puta banda. Quanto ao That ’70s Show, a música de fato é In The Street, mas nunca foi tocada a versão original do Big Star. Na primeira temporada era cantada por um tal de Todd Griffin, que ficou conhecido apenas por isso. Já da segunda em diante ficou por conta do Cheap Trick, com algumas alterações na letra (incluiram o “We’re All Alright”, de Surrender, da própria banda). Em um episódio tocaram Thirteen, dessa vez a versão original do Big Star. Entre os influenciados pelo Third/Sisters Lovers, além dos citados, teve o Jeff Buckley. Ele costumava tocar Kanga-Roo ao vivo. Na Deluxe Edition do Grace há uma versão de 14 minutos da música. Fechando, o Replacements gravou uma música chamada Alex Chilton, no Pleased To Met Me. Disco em que o próprio Chilton tocou guitarra num dos clássicos da banda, Can’t Hardly Wait. Uma grande perda.

  3. TODO o respeito do mundo pra Alex Chilton. Toda a discografia do Big Star é altamente recomendável. Um gênio maior da canção que se vai. Fica a maravilhosa obra, eterna.

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