“Kid A” e “Bruxa de Blair”, tudo a ver

por Eduardo Palandi

Você já assistiu “Bruxa de Blair” tendo o disco “Kid A” como trilha sonora? Não. Então saiba que as semelhanças não podem ser coincidência, e podem matar desavisados de ataque cardíaco, ou seja, faça isso com cuidado, preferencialmente durante o dia.

Instruções: Programe seu cd player (não faça isso com as edições em vinil e cassete do Kid A) para tocar o disco todo, e em seguida, as três primeiras músicas novamente. A edição japonesa do álbum traz o epílogo Genchchildren como faixa separada, ao contrário das outras, em que ele está ao fim da faixa 10. Se estiver como 11ª faixa, programe-a também, normalmente, na ordem. Deixe esta programação pronta e só faça a música rolar quando, por volta do décimo sétimo minuto do filme, aparecer Heather com uma mochila nas costas e os três estudantes de cinema começarem a caminhar rumo à floresta. Ao primeiro sinal de Heather com a mochila na tela, mande ver.

Segue abaixo uma lista das semelhanças (mórbidas) que unem “Kid A” e “Bruxa de Blair”:

1. “Everything In Its Right Place” – Tudo está em seu devido lugar na floresta, o que pode ser tomado como um aviso aos três, que vão invadindo um lugar que não é o deles. A uma certa hora, alguém diz no filme que “este exato lugar seria a pedra do caixão”, no mesmo momento em que Thom Yorke repete “right place” (“lugar exato”) pela enésima vez. Próximo ao fim da música, depois de dois barulhos metálicos no disco, Josh diz que ouviu dois barulhos vindos da floresta.

2. “Kid A” – No começo da música, quando a letra ainda não entrou, Josh, Mike e Heather encontram um rato morto. A letra da música diz: “rats and children follow me out of town” (“Ratos e crianças me seguem fora da cidade”). Evoca-se então uma cena anterior, onde um senhor que está sendo filmado para o “documentário” chama os três de crianças.

3. “The National Anthem” – Entre a faixa 2 e a faixa 3, Mike pergunta “o que é isso”, e The National Anthem começa. A música não tem nenhum sinal explícito, mas os momentos de maior peso acompanham cenas de tensão ao redor da fogueira.

4. “How To Disappear Completely” – Os protagonistas começam a se arrepender de terem ido à floresta, em seguidas negativas, enquanto Thom Yorke canta “I’m not here, this isn’t happening” (“Eu não estou aqui / isto não está acontecendo”). Está escuro e a tela fica preta, e de dentro da barraca eles ouvem barulhos. Quando saem da barraca pra procurarem quem ou o que está fazendo os ruídos, a letra da música diz “In a little while I’ll be gone” (“Em um instante eu terei ido”).

5. “Treefingers” – Ao som desta linda instrumental que lembra Brian Eno, acontecem outros momentos de tensão, incluindo aí a travessia de um pequeno rio.

6. “Optimistic” – Assim que o trio atravessa o rio, num sincronismo surpreendente, começa Optimistic. Eles finalmente se dão como perdidos, e dizem estar cansados, famintos, e que não estava sendo nada bom, enquanto Thom visionariamente canta “You can try the best you can, if you try the best you can, the best you can is good enough” (“Você pode tentar o melhor que puder, se você tentar o melhor que puder, o melhor que puder é bom o suficiente”). Como se isso não bastasse, Josh assume que jogou o mapa no rio à noite, dizendo que o mapa não significa nada; Mike diz que o mapa o ajudaria, enquanto a música diz “I wish that I could help you, man” (“Eu queria poder te ajudar, cara”).

7. “In Limbo” – Depois de algumas brigas, Heather, Josh e Mike voltam a andar desordenadamente pela floresta, sem o mapa, mais perdidos do que cegos em tiroteio, mesmo. De repente, deparam-se com bonecos de vudu pendurados em árvores, e não conseguem entender porquê eles estão ali, enquanto o vocalista do Radiohead canta “I got a message I can’t read” (“Eu arrumei uma mensagem que não consigo ler”). Então, Heather subitamente vira-se de costas e vê outros bonecos de vudu pendurados nas árvores e diz “Eu não tinha visto esses aqui”. Sabe o que a letra diz nesse exato momento? “I’m on your side” (“Eu estou do seu lado”).

8. “Idioteque” – No fim da música, em que Thom Yorke repete várias vezes “The first of the children” (“A primeira das crianças”), a câmera está bem em cima de Josh, que é o primeiro das crianças a sumir na floresta.

9. “Morning Bell” – Nessa música não há nenhuma relação de coincidência fantástica e absurda como nas oito primeiras…

10. “Motion Picture Soundtrack” / “Genchchildren” – A primeira coisa que Thom canta na letra de Motion Picture Soundtrack é “Red wine” (“Vinho tinto”). Pouco depois de cantar isso, Mike diz que vai comer almôndegas… com vinho tinto. Depois ele começa a falar com Heather sobre o que vão fazer quanto voltarem pra casa, e começam a pirar, enquanto nosso amado Thomas Edward Yorke versa: “I think you’re crazy, maybe” (“Eu acho que você está louco, talvez”). Então, segue-se um silêncio antes do epílogo do disco, e enfim o epílogo. Quando Genchchildren acaba, os dois estão dentro da barraca, no escuro, e Heather diz a Mike: “Parou”.

11. “Everything In Its Right Place” – O disco recomeça e essa música soa como ironia… fora isso, assim como Morning Bell, nenhuma outra relação.

12. “Kid A” – Mike parece dançar essa música, num determinado momento. Depois disso, na cena mais célebre do filme, Heather pede desculpas aos pais dos três, chorando perante a câmera. Logo se ouve a voz de Thom Yorke cantando “Come on, kids” (“Venham, crianças”) e eles vão até o casebre da bruxa.

13. “The National Anthem” – Quando chegam à casa da bruxa, já está rolando a música, cujos momentos de tensão acompanham a angústia de Mike e Heather subindo e descendo escadas, entrando e saindo dos cômodos destruídos. De repente, o filme acaba, mas a música continua rolando.

Nisso, algum chato que está lendo o texto vai falar “É, não teve sincronismo nenhum no final”. Ah, é? Calma. Os créditos começam a passar em silêncio. Assim que “The National Anthem” acaba, no exatíssimo momento, uma música incidental no filme começa a acompanhar os créditos. Assim é bem mais assustador, né? E é tudo verdade. Então tá combinado: tirem o mofo dessas fitas ou dvds nas locadoras e se assustem todos, é uma diversão sadia para um sábado à tarde.

Texto publicado no Scream & Yell em 28/11/2001, e que fazia parte das 7 teorias do Mestre Eduardo Palandi. Veja todas as teorias aqui.

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Leia também:
– Cinema: 10 anos depois, o legado de Bruxa de Blair, por Marcel Plasse (aqui)
– Entrevista: o diretor Eduardo Sanchez fala de Bruxa de Blair, por Marcel Plasse (aqui)

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Eduardo Palandi é colaborador do S&Y desde a Idade Média e assina o blog Life In Slow Motion

5 thoughts on ““Kid A” e “Bruxa de Blair”, tudo a ver

  1. só uma coisa: os créditos da versão em DVD aparecem imediatamente, não rola a pausa entre o início deles e o final do filme, como havia no cinema e no VHS. mas o resto das sincronias permanece.

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