Cinema: “500 Dias Com Ela” teoriza sobre a rotina desesperada que envolve duas pessoas em um relacionamento

Por Marcelo Costa

Alain de Botton nasceu em Zurique, na Suíça, mas se naturalizou britânico. Em 1993, aos 24 anos, lançou seu primeiro romance, “Ensaios de Amor”, um livro que narra o círculo vicioso dos relacionamentos, de como as pessoas se apaixonam e depois se desiludem. No livro, um homem conhece uma mulher em um vôo entre Paris e Londres e se apaixona por ela em algum momento entre o controle de passaportes e a alfândega. Tudo o que acontece em seguida, se você não quiser ler “Ensaios de Amor”, pode ver nos cinemas com bastante propriedade: “500 Dias Com Ela” (“500 Days of Summer”).

“500 Dias Com Ela”, longa de estréia do experiente diretor de videoclipes Mark Webb (Santana, Green Day, Snow Patrol, Evanescence e Lenny Kravitz), não é uma adaptação do livro de Botton, mas soa exatamente como se fosse. E méritos e créditos à parte, pouco importa: “500 Dias Com Ela” é o filme indie de 2009 e um dos grandes filmes do gênero na década. No cartaz vemos a seguinte frase: “Está não é uma história de amor. É uma história sobre o amor”. Já o narrador em off, após apresentar os dois personagens principais desta fábula dos novos tempos, faz questão de avisar: “Esta é a história do garoto que conhece a garota. Mas você deve saber que não é uma comédia romântica”.

O garoto se chama Tom. Ele se formou em arquitetura, mas ganha a vida escrevendo textos de cartões de felicitações. Ele cresceu acreditando que nunca seria uma pessoa realmente feliz, e a culpa, segundo o narrador, “vem de uma exposição precoce à triste música pop britânica, e à má compreensão do filme ‘A Primeira Noite de um Homem’”. Você já deve ter lido isso antes mais ou menos dessa forma: “Eu sou triste porque ouço música pop ou ouço música pop porque estou triste?”.

No caso de Tom, ele veste camisetas do Joy Division e ouve desesperadamente Smiths, Clash e Pixies, mas podemos deixar isso em segundo plano, ao menos agora, pois Tom acaba de se apaixonar. O nome dela é Summer, uma garota que começou a trabalhar no mesmo lugar que ele. Porém, em se tratando de histórias sobre o amor, Summer ficou traumatizada com a separação de seus pais, e desde então só consegue amar duas coisas na vida: a primeira era seu longo cabelo escuro. A segunda era a facilidade para cortá-lo, sem sentir nada. Ela não acredita no amor assim como em Papai Noel.

Tom se apaixonou por Summer à primeira vista, e ela, bem, ela conseguiu perceber que o som que saiu dos fones de ouvido dele era uma canção familiar. Ela até canta um pedaço para ele, os dois lado a lado no elevador: “To die by your side is such a heavenly way to die”. Um cara chamado Bill Callahan, de uma banda chamada Smog, certa vez prescreveu uma receita para saber se um relacionamento tem futuro logo no primeiro encontro: “Coloque Smiths para tocar. Se ela ficar, será sua. Se ela for embora, não era pra ser mesmo”.

O que acontece a partir do momento em que Summer beija Tom é algo que, no Simpósio de Platão, Aristófanes defende como a “cara metade” (e Fábio Jr, como “as metades da laranja”). Para Aristófanes, os seres humanos eram hermafroditas tão poderosos e arrogantes que Zeus foi forçado a cortá-los em dois, numa metade masculina e numa metade feminina. E desde esse dia cada um deseja se reunir à metade da qual foi separado. Tom acredita sinceramente que Summer seja a sua metade. Já Summer acredita que os relacionamentos são confusos e que as pessoas sempre acabam ferindo umas as outras.”Ela é homem”, crava um amigo comum dos dois.

“500 Dias Com Ela”, assim como o livro “Ensaios de Amor”, é uma bela teorização sobre a rotina desesperada que envolve duas pessoas em um relacionamento. Se você prestar atenção com cuidado conseguirá perceber o momento exato em que as coisas começaram a dar errado. Na vida de Summer e Tom assim como em alguma de suas histórias de amor. No livro, é quando ela deixa de comprar o cereal para ele, um ato tão imperceptível, mas alguém já escreveu que a verdade reina nas pequenas coisas. No filme, ela vira Sid Vicious e ele Nancy Spungen. Não tem jeito: sabemos quando nos apaixonamos (embora tentemos disfarçar) assim como quando tudo está indo para o buraco (embota tentemos adiar).

Voltando ao segundo plano, para uma comédia não romântica indie, a trilha sonora é um deleite pop: Regina Spektor, Smiths, Pixies, Doves, Belle and Sebastian, Carla Bruni, Feist, Black Lips, Wolfmother, The Clash e Spoon são a trilha, além claro de She & Him, banda fofa da atriz mais fofa ainda Zooey Deschanel, que interpreta Summer de forma contida e perfeita. Joseph Gordon-Levitt dá vida a Tom, e está ótimo no papel, embora exagere nos traquejos em algumas passagens. E Alain de Botton também participa do filme tendo seu livro “A Arquitetura da Felicidade” (2006) emoldurando duas ou três cenas.

Tanto Alain Botton quanto Mark Webb destrincham o movimento romântico buscando mostrar a rotina que marca os relacionamentos no exato momento em que uma pessoa entra neles. Há, claro, uma pequena parcela que faz valer o “felizes para sempre”, porém a grande maioria (ainda mais em um mundo povoado por jovens emos que passam a vida cantando canções de pé na bunda) ainda está procurando algo que não conseguiu encontrar. Botton e Webb acertam no tom de tragicidade realista e fatalista de suas obras, embora façam questão de deixar claro que o mundo não acaba quando um relacionamento acaba: após o verão, vem o outono. A vida segue. Acredite, mas veja o filme.

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Leia também
– “Volume One”, She and Him, por Marcelo Costa (aqui)

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Marcelo Costa é jornalista e editor do Scream & Yell

16 thoughts on “Cinema: “500 Dias Com Ela” teoriza sobre a rotina desesperada que envolve duas pessoas em um relacionamento

  1. Nooosssa. Sim, vi o filme e achei sincero, gostei , das imperfeições das pessoas que se envolvem até as músicas que embalam todos os movimentos.

    bom filme para fugir do mais do mesmo, mesmo vendo mais do mais.

    Abraço.

  2. Achei muito bom o filme. Muito mesmo. A arte do filme é linda. Está entre os melhores de 2009. Fazia tempo que não me divertia tanto no cinema.

    O livro que serviu de inspiração é bom mesmo? Posso apostar?

    Recomendo o novo do Hornby, Juliet Naked é incrível.

  3. Como já foi dito, “ela gostava de Smiths e seu beatle preferido era o Ringo” =)
    Não rolava né? 😀

  4. curti muito!
    quando sair o dvd, compro e coloco do lado do Alta Fidelidade, pra guardar com carinho.
    no momento, compro o livro do Alain de Botton.

  5. Muito obrigado, Marcelo!
    Graças a seu texto, o cartaz de “500 dias com Ela” não passou despercebido. Valeu cada centavo do ingresso. Tem doçura, amargura – bittersweet -, humor/graça, os mesmos ingredientes da boa música pop

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