“Os Amantes”, de James Gray

Por Marco Tomazzoni

“Acho que estava procurando um modo de fazer um filme que apelasse inteiramente às emoções e nem um pouco a questões intelectuais ou convenções de gênero.” A pretensão do diretor norte-americano James Gray para “Amantes” (“Two Lovers”, 2008) era essa e a premissa – um dolorido triângulo amoroso –, meio caminho andado para o objetivo. Com um ano e meio de atraso, guardado na geladeira da sempre decepcionante Playarte, “Amantes” estreou há algumas semanas no Brasil e pode-se dizer que Gray cumpriu com folga o que planejava, pelo menos em parte: o gênero está ali, nas entrelinhas, e, bem, não dá para desligar o cérebro diante de um filme tão bem-sucedido, fácil um dos melhores do ano.

Na linha de frente, dois atores queridos em Hollywood, Joaquin Phoenix e Gwyneth Paltrow. Sobrevivente de uma relação fracassada, Leonard (Phoenix) busca refúgio no apartamento dos pais – Isabella Rossellini e Moni Monoshov, excelentes –, no quarto onde ainda guarda resquícios da adolescência. Funcionário da lavanderia da família, vaga pelas ruas geladas de Nova York fazendo entregas e tirando fotos, mas não consegue superar a depressão e a autoestima arranhada pelas tentativas de suicídio. Eis que surge a bela Sandra (Vinessa Shaw), filha do casal interessado em comprar a lavanderia e, sabe-se lá por que, louca pelo rapaz.

Afetuosa, judia como ele, Sandra é boa demais para ser verdade, certinha demais – “Quero cuidar de você, eu te entendo”, ela diz –, apavorada demais para conquistar de vez o coração de Leonard, que acaba arrebatado por uma nova moradora do prédio. Michelle (Paltrow, competente como há muito não se via) é uma bomba-relógio, uma injeção de adrenalina com pernas compridas, cabelos loiros e sorriso cativante. O vício em drogas e o namoro com um homem casado são só o tempero dessa paixão, que, claro, não é correspondida.

A história é livremente inspirada em “Noites Brancas”, de Dostoiévski, do qual manteve só a temática, e olhe lá. Calmo, maduro, Gray segue os personagens sem questioná-los, entendendo seus problemas sem mostrar pena ou dar tapinhas no ombro – eles são o que são, seja um poço de confiança, dúvidas, charme ou desorientação. Aqui, a intensidade é o que conta, tanto que mesmo em situações triviais parece que a qualquer momento alguém vai entrar em cena gritando que aquela é a última chance para o amor e não há jeito de voltar atrás. Esses sentimentos à flor da pele guardam algo da obra de John Cassavetes, que alia performances vicerais a personagens desestabilizados, mas vivos, críveis.

As viradas do roteiro têm desenvolvimento lento, mas são precisas, como se não houvesse outro caminho a não ser bater de cara no muro ou pulá-lo e cair sem mais nem menos dentro de um pote de ouro, uma gangorra de sentimentos digna de um bipolar que, no fim das contas, nada mais é do que um melodrama das antigas. A fotografia cinza, amarelada, quase sépia, enquadra uma Nova York envelhecida, que só reforça a sensação de que estamos na época errada. O diretor oferece uma viagem no tempo sem sair do lugar, uma instrospecção que parece fora de compasso com as explosões e o humor pretensamente sofisticado que povoa boa parte da produção norte-americana atual, hollywoodiana ou não.

“Amantes” é o terceiro trabalho consecutivo de Gray com Joaquin Phoenix, que atingiu seu auge profissional. Sincero, por vezes maneirista, o ator mergulhou de forma intensa no papel e o que prometia ser a consagração de uma carreira ascendente, acabou se mostrando uma despedida. Phoenix divulgou aos quatro ventos que “Amantes” era sua última investida no cinema e que passaria a apostar em uma carreira como rapper. Adotou um visual estranhíssimo, barba longa e óculos escuros, e se envolveu em confusões nos poucos shows que fez. Chegou-se a cogitar que tudo não passava de um golpe de marketing para um documentário, mas ao mesmo tempo especialistas levantaram a mão para dizer que Phoenix sofria de problemas mentais. Uma festa para a mídia, que contou ainda com depoimento do próprio diretor que chamou Phoenix de “palhaço” (leia mais aqui).

Sem nunca ter alcançado sucesso comercial nos Estados Unidos, James Gray (“Os Donos da Noite”, “Caminho Sem Volta”), 40 anos, é considerado um grande cineasta na Europa, fenômeno de deslocamento regional que não é exclusividade sua (alguém aí ouviu Orson Welles? Woody Allen?). Na França, então, seus trabalhos ganham assinatura de destaque – “um filme de James Gray” – e dos quatro longa-metragens que tem no currículo, três tiveram estreia mundial no Festival de Cannes, inclusive “Amantes”. Todo esse cenário até parece um pouco exagerado demais, mas dá uma ideia do prestígio que o cara desfruta fora de casa. Um talento a ser descoberto pelo grande público que está a seu alcance: vá de bom grado e não esqueça os curativos para colocar no peito.

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Marco Tomazzoni é jornalista e escreve sobre cultura e música no iG

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