Por Marcelo Costa
Qual o motivo de estarmos vivos? Qual o sentido em acordarmos todos os dias? Duas perguntas profundas que existem desde sempre e seguem sem resposta definitiva, afinal o máximo que conseguimos em milhares de anos foram um belo punhado de teses filosóficas e uma centena de religiões que, no fundo (bem lá no fundo), dizem a mesma coisa. Continuamos tateando em busca de alguma razão que de algum sentido a essa coisa toda que alguns chamam viver (e outros apelidam de inferno). Não é fácil.
Viver é uma tarefa árdua a qual somos submetidos diariamente tendo algumas suspeitas não provadas cientificamente (o que mais complica que explica) do motivo das coisas serem assim, e não assado, e de agirmos de modo x e não y. Daí escolhemos de que lado vamos ficar, agir, pensar e viver. E sentados sobre nosso próprio juízo julgamos todo o resto. É um trabalho sujo, mas alguém tem que faze-lô, afinal não estamos rodeados apenas por coisas belas (ainda bem) e o paraíso, como muitos desenham, deva ser um lugar pra lá de insuportável.
O diretor anglo-português Sam Mendes parece interessado nessa função de juiz, e já havia mostrado que tem jeito pra coisa no brilhante “Beleza Americana”, uma dura crítica a sociedade norte-americana agraciada com cinco Oscars (incluindo os cortejados Melhor Filme, Diretor, Ator e Roteiro Original). Com “Foi Apenas Um Sonho”, o diretor retorna ao tema, porém (quase) deixa de lado o cinismo apoiando-se na simplicidade de uma história que diz mais sobre o espectador do que sobre o próprio filme em si.
Logo na primeira cena do longa temos um encontro: April (Kate Winslet em grande atuação) conhece Frank (um Leonardo DiCaprio bastante correto). Ela tem sonhos de ser atriz. Ele é estivador, mas está pronto para subir na escala social, pois vai assumir um emprego de caixa em uma loja. Antes do beijo inevitável temos o corte e nos vemos alguns anos depois. April está no palco de uma peça ruim, e Frank parece não saber lidar com o fracasso da mulher, e o resultado é uma longa briga que coloca o mundo em seu devido lugar.
As peças começam a se encaixar no tabuleiro (dois filhos não planejados, uma casa bonitinha atolada em meio a um “cemitério social” de mortos-vivos, um emprego que não preenche os anseios da alma, uma vida que deveria ter seguido numa estrada, mas estacionou em um lugar qualquer entre o vazio e a falta de esperança) e conforme se juntam exibem o desenho cruel de uma classe média norte-americana atolada na monotonia, na apatia e no conformismo, uma série de adjetivos que ainda freqüentam a ordem do dia (seja nos Estados Unidos, seja no Congo, seja no Brasil).
April percebe que está sendo consumida pelo mal-estar da vida sem sentido, e inventa – e se agarra a – uma viagem para tentar sacudir a vida do casal. Frank reluta em um primeiro momento, aceita no segundo, e acaba por fim escolhendo o caminho mais simples na terceira parte. O casal se enfrenta vorazmente em todas essas passagens, mas não consegue se entender. Diálogos são travados, silêncios são ouvidos, mas o único som que persiste é o do desespero da vida que segue sem sentido em direção a vala do esquecimento. Já cantava Neil Young: “melhor queimar do que apagar aos poucos”, mas quem impede alguém de sonhar além de si mesmo?
Não há nenhuma alegria verdadeira em “Foi Apenas Um Sonho”, e por isso o filme tem verniz redentor (ou revolucionário, como queira) e requintes de obrigatório. Apesar da história se passar nos anos 50 (o livro de Richard Yates, que deu origem ao roteiro, é de 1961) é fácil perceber que a sedução do dinheiro (que troca sonhos por papel moeda), a falta de planejamento familiar e o desconhecimento que os próprios casais têm de si próprios são temas tão atuais e universais quanto na época em que foram escritos. Vale tanto quanto uma sessão de terapia e meia dúzia de cervejas e desabafos com o melhor amigo (a) no bar.
A Academia ignorou solenemente o filme (apesar do prêmio para Kate no Globo de Ouro), e não que ele seja sensacional, só brilha timidamente em um período de franca decadência da sétima arte. Foram três indicações ao Oscar nas categorias Melhor Figurino, Melhor Direção de Arte e Melhor Ator Coadjuvante para Michael Shannon, que interpreta (com generosas doses de cinismo) um louco que enxerga mais coisas que a média comum observa (quem disse que em terra de cego, quem tem um olho é rei, precisa ver o outro lado do ditado popular). Pena que o Oscar de coadjuvante já tenha dono, que a idiota tradução nacional do título mate boa parte do drama do roteiro e que Winslet tenha sido indicada apenas por “O Leitor”, e não por sua belíssima atuação aqui. “Foi Apenas Um Sonho” merecia melhor sorte… como todos nós.
Ps. A tradução do título original, “Revolutionary Road”, é a pior (no sentido de entregar a história) desde… “Cidade dos Sonhos”, casualmente outro filme com nome de rua.
Poxa, Mac, assisti esse filme ontem. Achei-o bem profundo e estava refletindo nele quando fui procurar alguma análise e olha só onde vou achar…Belíssimo texto. Enquanto buscamos redenções e motivações em lugares físicos ou outros “paraísos artificiais”, culpando a sociedade, a rotina e toda a hipocrisia, mal percebemos que tudo isso parte de dentro de nós mesmos. A revolução tem que partir internamente primeiro. Remete a Clube da Luta?
Esta é sua vida
E ela acaba um minuto por vez
Você não é um ser bonito e admirável
Você é igual à decadência refletida em tudo
Todos fazendo parte da mesma podridão
Somos o único lixo que canta e dança no mundo
Você não é sua conta bancária
Nem as roupas que usa
Você não é o conteúdo de sua carteira
Você não é seu câncer de intestino
Você não é o carro que dirige
Você não é suas malditas calças
Você precisa desistir
Você precisa saber que vai morrer um dia
Antes disso você é um inútil
Será que serei completo?
Será que nunca ficarei contente?
Será que não vou me libertar de suas regras rígidas?
Será que não vou me libertar de sua arte inteligente?
Será que não vou me libertar dos pecados e do perfeccionismo?
Digo: você precisa desistir
Digo: evolua mesmo se você desmoronar por dentro
Esta é sua vida
Tyler Durden; Clube da Luta
Abraço meu caro!
Aliás, posso postar seu texto no meu humirde bloginho? Com os devidos créditos, claro…
Claro 🙂