por Marcelo Costa
Com a palavra, Elvis Costello:
“Foi em 12 de julho de 1977, uma semana depois de eu deixar meu emprego. Ensaiávamos em um quartinho, e em dois dias eu estaria apresentando ao vivo minha nova banda, The Attractions. O tecladista tinha 19 anos, era estudante da Royal College of Music e foi sem dúvida o mais impressionante candidato nas audições. Ele pediu para ficar e ouvir o teste dos outros tecladistas, e mais tarde o descobrimos dormindo entre os amplificadores após ter matado uma garrafa de vinho. Ele era, obviamente, o homem para o trabalho. Seu sobrenome familiar era Nason, e todos o apelidaram de Mason, mas logo o começaram a chamar de Steve Nieve.
O baixista, Bruce Thomas, era uma pouco mais velho do que nós, já tinha gravado algumas coisas e tinha experiência de estúdio e de estrada. O baterista, após alguns anos trabalhando na Califórnia, estava voltando para a Inglaterra. Meu manager, Jake Riviera, tinha persuadido ele a ficar oferecendo-o um teste para ser o baterista da banda. Ele chegou a Londres e foi direto para o estúdio onde Nick Lowe acabará de mixar ‘Watching the Detectives’. Ele se chamava Pete Thomas, era três meses mais velho que eu, e eu nunca sequer pensei em outro baterista. Eu tinha apenas 22 anos e estava lançando o meu primeiro álbum”.
(pausa)
Um pequeno parênteses, caro leitor. ‘My Aim Is True’, debute de Elvis Costello, foi lançando em julho de 1977. Ele gravou o álbum com músicos de estúdio, e assim que pôde saiu a caça de jovens talentos para sua banda. Elvis Costello and The Attractions estrearam ao vivo dia 14 de julho de 1977 e seguiram numa turnê por meses e meses entre Inglaterra e Estados Unidos enquanto preparavam o material para o segundo álbum, o primeiro com o grupo soando realmente como uma banda, que foi lançado nove meses depois da estréia. Continua o músico:
(fecha pausa)
“‘This Years Model’ foi gravado em Londres, nos estúdios Eden, em onze dias. Os Attractions fizeram uma grande diferença para estas canções. ‘(I Don’t Want To Go To) Chelsea’, por exemplo, tinha a mesma batida de guitarra de ‘I Can’t Explain’, do The Who (e também ‘Clash City Rockers’, do Clash). Bruce e Pete apareceram com um arranjo muito mais sincopado e Steve fez uma parte de teclado que parecia uma sirene. Sua configuração do teclado estava limitada a um órgão Vox Continental e um teclado barato. Eu, por fim, tive que mudar a minha guitarra.
Ao trabalhar nas músicas, eu falava para eles dos discos que eu mais gostava. Foi só depois de alguns meses que descobrimos que Steve gostava de rock pós Alice Cooper e T.Rex enquanto Pete, Bruce e eu certamente tínhamos ouvido Beatles e Small Faces, e quase todos concordávamos sobre os Rolling Stones (ao menos ‘Aftermath’, que foi o álbum que eu mais escutei naquele período. ‘This Years Girl’ é minha resposta para ‘Stupid Girl’). Nunca entendi as acusações de misóginia que foram feitas sobre este álbum. A maior parte das canções são obras da imaginação e não produtos da realidade. As tentações e distrações da vida em turnê logo iriam adicionar um olhar mais cínico e culpado sobre ‘Little Triggers’, ‘Pump it Up’ e ‘Hand in Hand'”, comenta Costello.
“This Years Model” foi lançado em março de 1978 e desde então freqüenta listas de melhores de todos os tempos. Foi eleito o álbum do ano pelos críticos do Village Voice quando lançado. Em 2000, a Q magazine o colocou na posição número 82 entre os 100 maiores álbuns britânicos de todos os tempos. Em 1987 o álbum apareceu na 11ª posição de uma lista da Rolling Stone norte-americana que apontava os grandes discos entre 1967/1987. Em 2003 ele surgiu na posição 98 de uma lista dos 500 maiores discos de todos os tempos, novamente da Rolling Stone. Em 1995, Alan Cross, autor do “Almanaque da Música Alternativa”, cravou o disco na sétima posição entre os dez álbuns clássicos do cenário independente.
O álbum já havia ganhado uma reedição especial em 2003, que além das notas de produção assinadas por Elvis Costello que abrem – adaptadas – este texto (e podem ser lidas na integra aqui) trazia ainda um CD bônus com doze raridades da época, destaques como “Big Tears” (gravada nas sessões do álbum, e que conta com Joe Strummer, do Clash, na segunda guitarra), “Stranger in The House” (gravada ao vivo em uma John Peel Session em outubro de 1978), versões alternativas para “This Years Girl” e “(I Don’t Want To Go To) Chelsea”, registros ao vivo inéditos para “Neat Neat Neat” (cover do Damned) e “Roadette Song”, e versões demo de “Greenshirt” e “Big Boys” além de duas canções em sessões na Capitol Radio: “You Belong To Me” e “Radio, Radio”.
Esta nova edição de luxo que chegou às lojas do Reino Unido no primeiro semestre (EUA em agosto) deixa de fora as canções gravadas ao vivo na Capitol Radio e na BBC, mas inclui todas as demais em um primeiro CD e traz, de extra, “Tiny Steps” (que já havia sido editada na versão Rhino do álbum “Armed Forces”) e um show completo inédito da banda no segundo CD compreendendo 17 números arrepiantes. O registro transmitido ao vivo por uma rádio data de 28 fevereiro de 1978 (uma semana antes do famoso registro no El Mocambo, comercializado oficialmente no raro boxe “2,1/2”), no Teatro Warner, em Washington DC, nos Estados Unidos, e impressiona como uma banda formada menos de oito meses antes esteja tão afiada e entrosada sobre um palco.
O show começa com “Pump It Up” em versão consagradora. Bateria e baixo formam uma massa musculosa sobre a qual Costello microfona sua guitarra até Nieve disparar, nos teclados, a melodia marcante da canção. Alternam-se então canções do primeiro álbum (“Waiting for the End of the World”, “(The Angels Wanna Wear My) Red Shoes”, “Less Than Zero”, “Mystery Dance”, “Miracle Man” e uma estupenda versão de “Watching the Detectives” com seis minutos de improvisos geniais) e daquele que viria a ser o segundo álbum do grupo (versões fresquinhas – de quem ainda está se acostumando com o novo repertório – para “No Action”, “Radio, Radio”, “You Belong To Me”, “Hand and Hand”, “The Beat” e, claro, “(I Don’t Want To Go To) Chelsea”) num daqueles shows que a gente daria uma parte do corpo (ou um pedaço do coração) para ter visto na época.
“This Years Model” é um disco nota 10, mas surge prejudicado em uma reedição picareta. Com exceção do excelente show contido no CD 2, “Deluxe Edition” em comparação é quase idêntico no tracking list (três canções foram limadas nesta reedição) e inferior no tratamento dado ao encarte na versão da Rhino lançada em 2003. Uma solução honesta seria lançar o show separadamente, mas a Universal decidiu caprichar no visual do pacote, ignorar as ótimas notas de produção assinadas pelo músico em todos os discos da versão da Rhino, limar três canções e enfiar o show inteirinho no CD 2, uma opção picareta que demonstra – mais uma vez – a falta de respeito das gravadoras para com o público. O erro já havia sido cometido na reedição semelhante do álbum “My Aim Is True” e deverá se repetir com “Armed Forces”, provável próximo relançamento. Um disco clássico e um registro ao vivo excelente mereciam maiores cuidados. E os fãs também.
“This Years Model – Deluxe Edition”, Elvis Costello and The Attractions
Preço em média: R$ 80 (importado)
Nota: 10
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Clássico absoluto. Bela resenha. 🙂
E aposto que ano que vem sai nova edição do Armed Forces. 🙂 Essa onda de re-re-reedições do Costello não poupa o bolso do fã… 🙁