Cinema: Um Beijo Roubado, Wong Kar-Wai

por Marcelo Costa

“My Blueberry Nights” (”Um Beijo Roubado”) narra à história de Elizabeth (Norah Jones emprestando fraqueza a um personagem que sobrevive disso), uma jovem que foi trocada por outra mulher na vida de um homem. Ela não aceita. Procura vasculhar os detalhes interrogando o dono de um café localizado na esquina da casa do ex-namorado. Jeremy (Jude Law em atuação discreta), o dono do café, como quase todas as pessoas que já passaram dos trinta anos, coleciona histórias de amor que não terminaram bem. Da última restou um molho de chaves e o desejo do esconderijo atrás de um balcão.

Elizabeth e Jeremy tornam-se grandes amigos. Inspirada pela decisão de cercear o ex, Elizabeth passa a freqüentar o café todos os dias, devorando tortas de blueberry e ouvindo as histórias do amigo. Afundada no desespero do fim de relacionamento, e pressentindo a aproximação romântica do amigo, Elizabeth deixa Nova York para trás e parte em busca de sanidade do coração entregando-se ao trabalho e ao cansaço em mundos que a desconhecem. Nessa epopéia romântica, é jogada no centro de histórias de perda, que colocam sua dor em segundo plano.

Lizzie parte, mas não deixa de manter contato com Jeremy. Através de postais (um hábito tão demodê em tempos de internet, e tão romântico), ela vai contando ao amigo de suas aventuras e desventuras na estrada. Ele, por sua vez, sai a caça dela ligando para todos os restaurantes de Memphis procurando por uma Elizabeth, pela sua Elizabeth, mas não a encontra. Mais de mil quilômetros os separam, e eles estão muito mais próximos – romanticamente – do que centenas de casais que dividem a mesma cama todas as noites em lugares tão díspares quanto São Paulo, Pequim ou Nova York.

“My Blueberry Nights” dura 90 minutos apenas, mas parece muito mais (interessantemente) extenso pela maneira que Wong Kar-Wai explora as histórias secundárias. Norah Jones e Jude Law não inspiram compaixão, mas se a história de amor de Arnie Copeland com Sue Lynne (David Strathairn e Rachel Weisz excelentes) não lhe deixar sem ar, é melhor consultar o doutor William Butler Yeats, pois a chance de seu coração ter perdido o ponto cardíaco romântico é grande. São nos fragmentos secundários que Kar-Wai exercita sua crença nos desencontros, e consegue alcançar (por mais rápidas que sejam as passagens) a beleza de “Amor à Flor da Pele” e “2046?.

A rigor, o diretor ainda conta suas histórias com delicadeza, calma e segurança, iluminando a tela com imagens que se sobrepõe umas as outras valorizando os tons verdes e vermelhos. A crença no desamor permanece, e as vidas semi destruídas dos personagens secundários, que precisam recomeçar do zero após terremotos emocionais, rendem bons momentos na tela (Natalie Portman, abandonada no fim do mundo, está sensacional com sotaque texano), mas não chegam a dar unidade ao filme, o que não chega a comprometer a película, mas a diminui em comparação direta com a obra anterior do cineasta.

Hollywood parece ter amolecido a crença do chinês Wong Kar-Wai nos desencontros românticos. Após duas obras dramáticas e sublimes de temática dolorida, Kar-Wai estréia na língua inglesa com um drama romântico que mantém em grande parte do tempo sua característica de bom contador de histórias trágicas de amor envolvidas em belas fotografias, mas cede as convenções do mercado norte-americano, ao premiar seu personagem principal com a oportunidade de recomeçar após ser jogado no reino dos corações partidos. Poderia ser entendido como uma segunda chance do cineasta aos românticos, se as entrelinhas não fossem notadamente cruéis. Mas você tinha dúvida disso, caro leitor?

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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