por Marcelo Costa
Elizabeth Alexandra Mary Windsor, popularmente conhecida no mundo inteiro como Rainha Elizabeth II, assumiu o trono britânico em 02 de junho de 1953, quando tinha 27 anos. Com a morte de seu pai, o rei Jorge VI, ela se transformou em Chefe de Estado do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, bem como Rainha de Antígua e Barbuda, Austrália, Bahamas, Barbados, Belize, Canadá, Granada, Jamaica, Nova Zelândia, Papua Nova Guiné, São Cristóvão e Névis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Ilhas Salomão e, ufa, Tuvalu. E também é chefe da Comunidade Britânica, Governante Suprema da Igreja da Inglaterra, Comandante-Chefe das Forças Armadas do Reino Unido e Lorde de Mann. Ela é atualmente a Chefe de Estado que está no poder a mais tempo na Europa, nas Américas, África e Oceania, sendo a segunda no mundo, atrás apenas do Rei Rama IX, da Tailândia.
Com um currículo destes, não é nada estranho que a monarca mais famosa dos nossos tempos fosse parar nas telas de cinema ainda viva e reinando. “A Rainha”, de Stephen Frears, centra foco no histórico verão de 1997, marcado pela morte de Diana, e radiografa com ironia, mordacidade, e certa dose de comédia a realeza britânica, enquanto coloca Tony Blair em um pedestal. O saldo final – visto com olhos sinceros – parece ser positivo para todos os lados. Mesmo para a realeza, que têm vários membros representados de forma venenosa. Entre eles, destaque para o Príncipe Charles, que se mostra arrasado com a morte da ex-esposa, mas é um pateta de marca maior, um placebo de líder frente à poderosa soberana que ele também conhece como mãe. Outro que não deve cultivar bons olhares após o filme é o príncipe Philip, pai de Charles, que posa de arrogância e sisudez, mas também abaixa a cabeça para a rainha.
A grande estrela do filme é mesmo Elizabeth II. Com uma interpretação tocante e impecável de Helen Mirren (que até este momento já faturou 13 prêmios por sua atuação, incluindo o Globo de Ouro e o Bafta), Elizabeth II sensibiliza e apaga seus concorrentes no filme. Mesmo Tony Blair (interpretado com força por Michael Sheen), primeiro socialista eleito para o cargo de primeiro ministro da Bretanha após 18 anos de poder conservador, é colocado em seu lugar logo no primeiro encontro após ser eleito com uma esmagadora vantagem sobre seu adversário. Diante de suas primeiras palavras, Elizabeth II comenta: “Você é meu 11º ministro. Winston Churchill foi o primeiro. Ele sentou-se no mesmo lugar que você está sentado agora”. Percebe-se que Tony Blair quase desaparece na poltrona.
A trama gira em torno da recepção pela família real da morte de Diana, que é totalmente inversa à forma com que a Inglaterra, e o mundo, recebem a mesma notícia. Charles dá a chave da questão em certo momento: “A Diana que o mundo conheceu é totalmente diferente daquela que vivia conosco. E não podemos lutar contra isso”, diz o ex. A morte da princesa em um acidente de carro, ao lado de seu namorado, em Paris, é recebida com frieza e sarcasmo no Palácio de Balmoral, local em que a realeza desfruta de férias. Enquanto o povo pede que a rainha volte para o Palácio de Buckingham, e se pronuncie sobre a morte de Diana, a rainha se vê em um interessante dilema entre tradição dos monarcas e sua relação com o tempo moderno. O resultado desta interessante análise joga luz sobre uma das personalidades emblemáticas do século XX e XXI.
Porém, mais do que boa escolha de Helen Mirren para o papel principal, e da mão segura de Frears na direção, dois outros profissionais envolvidos merecem ser inclusos no grande acerto que é este “A Rainha”. Um deles é o brasileiro Affonso Beato, que já trabalhou com Glauber Rocha, Arnaldo Jabor, Pedro Almodóvar e Walter Salles, entre outros. Ele assina a brilhante direção de fotografia do filme. Beato usou câmeras de 35mm em tripé e grua para filmar a família real, e 16mm (no ombro) para filmar Tony Blair, dando assim um tratamento visual mais limpo e elegante para os primeiros, e sujo e movimentado para o segundo. As imagens captadas por Beato trabalharam lado a lado com dezenas de reportagens de TVs sobre a morte de Diana, e são essas imagens (principalmente) que dão ao filme um tom quase documental. Outro grande destaque do filme surge exatamente aqui: o brilhante roteiro original de Peter Morgan, que através de pesquisas em jornais e programas televisivos, construiu personagens que inspiram uma confiança tão grande que quase parecem reais, a ponto do filme sugerir ser um documentário com base em livros e informações verdadeiras. Ou seja, estamos diante de um daqueles filmes que misturam ficção com realidade, e a mistura é tão boa que tudo parece real (perdão pelo trocadilho involuntário).
A perfeita conjunção entre elenco, direção, roteiro e fotografia funcionou mesmo com um investimento enxuto, menos de US$ 10 milhões. O faturamento já bateu nos 90 milhões, mais de metade conquistado em terras americanas. Os prêmios também credenciam o filme, que levou dois Globos de Ouro (atriz e roteiro), dois Baftas (filme e atriz), o Goya de Melhor Filme, e três prêmios em Veneza (incluindo atriz e roteiro). Neste último, a atuação de Helen Mirren foi aplaudida por cinco minutos após o término da sessão. A última conquista d”A Rainha” é o Oscar, e o filme chega representado em seis categorias, incluindo filme (em que surge como azarão, atrás dos favoritos “Babel” e “Cartas de Iwo Jima”), diretor (mas este Oscar já está nas mãos de Scorsese), roteiro original (em que surge como favorito, mas “Babel” e “Cartas de Iwo Jima” estão por ali), e atriz. Nesta última, Helen Mirren está num páreo competidíssimo. Ela disputa a estatueta dourada mais famosa do cinema com Penélope Cruz (por “Volver”, mas que está ali para compor cinco atrizes. Chance nenhuma de ser premiada), Judi Dench (indicada neste ano por “Notas Sobre um Escândalo”, sua quarta indicação como atriz principal – já ganhou como coadjuvante) Meryl Streep (sensacional em “O Diabo Veste Prada”, um filme menor, mas com uma grande atriz) e Kate Winslet (por sua atuação em “Pecados Íntimos”). Ainda preciso assistir a “Notas Sobre um Escândalo” e “Pecados Íntimos”, mas me arrisco a dizer que dificilmente Kate e Judi me surpreendam tanto quanto Helen me surpreendeu como Elizabeth II. No S&Y, hoje, o Oscar seria dela. Iria ficar bem bonito ao lado da coroa real.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
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